AbdonMarinho - UMA VERGONHOSA TRAGÉDIA.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

UMA VER­GONHOSA TRAGÉDIA.

UMA VER­GONHOSA TRAGÉDIA.

QUANDO, há mais de quarenta anos, minha mãe se deparou com a poliomielite que me fiz­era vítima, não sabia o que fazer, não sabia, sequer, a doença que me atin­gira. Ela, mul­her humilde, sem instrução, habi­tando um povoado sem estradas – fazendo tudo mais dis­tante –, não tinha como saber que exis­tia uma vacina a ser apli­cada nas cri­anças para que elas não ficas­sem alei­jadas. Na fase aguda do ataque viral o atendi­mento era a cargo de chás, orações e ben­zedeiras. Só bem depois, quando os efeitos do ataque viral arrefe­ceu, pud­eram, em lombo de burro e em cam­in­hões, levar-​me a Teresina.

Pois bem, isso são águas que teimam em não pas­sar. Quase meio século depois, não faz muito, vi um pai de família pere­gri­nando pelos pos­tos de saúde de uma cap­i­tal brasileira na ten­ta­tiva de con­seguir vaci­nar o filho. Nas três ten­ta­ti­vas que fez a resposta foi neg­a­tiva. Não con­seguiu a vacina e con­se­quente­mente a imu­niza­ção do filho.

O Brasil é um país extra­or­di­nar­i­a­mente rico (se não fosse já teria que­brado há muito tempo), entre­tanto, desde muito é admin­istrado por políti­cos inca­pazes, inep­tos e cor­rup­tos (com as cada vez mais raras exceções), por isso não avança em área nenhuma.

Vejamos o caso da infraestru­tura. Quan­tas vezes não são feitas as mes­mas rodovias? Fazem num ano, no outro ou dois anos depois tem que ser refeita. Isso, ape­sar de ter­mos as obras estru­tu­rais entre as mais caras do mundo. Ape­sar disso as obras são mal feitas, não pos­suem dura­bil­i­dade. O din­heiro some no meio do cam­inho, ninguém paga por isso.

Se a infraestru­tura nos causa, sobre­tudo pre­juí­zos mate­ri­ais – vamos aqui abstrair as mil­hares de pes­soas que mor­rem víti­mas de aci­dentes de trân­sito –, o mesmo não se pode dizer quando o assunto é a saúde pública. Nesta área o assunto é, lit­eral­mente, caso de vida ou de morte.

A Con­sti­tu­ição Fed­eral deter­mina em seu artigo 196 que: “A saúde é dire­ito de todos e dever do Estado, garan­tido medi­ante políti­cas soci­ais e econômi­cas que visem à redução de risco de doenças e de out­ros agravos e o acesso uni­ver­sal e igual­itária às ações e serviços para sua pro­moção, pro­teção e recuperação”.

Letra morta?

Provável que não. Emb­ora não se possa dizer que os recur­sos sejam sufi­cientes, os orça­men­tos da União, dos esta­dos e dos municí­pios reser­vam parte sig­ni­fica­ti­vas dos recur­sos para inves­ti­men­tos em pre­venção e no trata­mento das enfer­mi­dades. Se os recur­sos fos­sem investi­dos como pre­visto, se chegasse à ponta do sis­tema, seja em pre­venção, seja em trata­mento, cer­ta­mente o quadro não seria tão desolador.

O Sis­tema Único de Saúde — SUS do Brasil é, ao menos do ponto de vista legal e estru­tural um dos mais avança­dos do mundo. Serviria de mod­elo se não fos­sem as maze­las e per­calços enfrentado na sua execução.

Não esta­mos dizendo com isso que se a exe­cução fosse per­feita não teríamos prob­le­mas. Claro que teríamos. Ofer­tar saúde a uma nação de dimen­sões con­ti­nen­tal com tan­tas com­plex­i­dades e difer­enças não é tarefa fácil. Os prob­le­mas sub­si­s­tiriam, mas, cer­ta­mente, não seria a tragé­dia que assis­ti­mos diari­a­mente em todo o país.

Assis­ti­mos, estar­reci­dos, a um depri­mente espetáculo pós-​apocalítico, com os cidadão batendo nas por­tas dos hos­pi­tais e sendo man­da­dos para casa ou para procu­rar outra unidade (que ele nunca acha); com res­i­dentes de med­i­c­ina decidindo os que mor­rerão e os que terão mais uma chance de sobre­v­ida; com os enfer­mos amon­toa­dos em infec­tos corre­dores recebendo como trata­mento a indifer­ença; com cirur­gias essen­ci­ais sendo des­mar­cadas por falta de insumos bási­cos – bási­cos mesmo, do tipo, gaze, soro, etc.; ou, com médi­cos mais sen­síveis, ofer­e­cendo às famílias a opor­tu­nidade de com­prar os mate­ri­ais, por fora, para que pos­sam realizar os procedimentos.

Cheg­amos ao ponto, como nar­rado ante­ri­or­mente, de não con­seguirmos ofer­tar as vaci­nas necessárias à imu­niza­ção das nos­sas cri­anças, ou de ofer­tar vaci­nas que, por alguma razão não as pro­teje por com­pleto. Muitos pais que con­heço não vaci­nam seus fil­hos nas unidades de saúde do Estado, pref­erem gas­tar seu din­heiro para vaciná-​las em unidades privadas.

Isso acon­tece em um país cujo os cidadãos tra­bal­ham quase seis meses ao ano só para para pagar impos­tos. E ainda acham pouco. E ainda querem mais.

O Brasil está à beira de tragé­dia human­itária de pro­porções inimag­ináveis com a dis­sem­i­nação das enfer­mi­dades trans­mi­ti­das pelo mos­quito Aedes Aegypti. O país não é respon­sável pelo surg­i­mento do mos­quito, claro, mas a par­tir dele, doenças que se pen­sava errad­i­cadas ressurgem mais fortes (o próprio mos­quito está mais resistente) e são dis­sem­i­nadas pelo mundo. Se antes à pic­ada do mos­quito era cau­sadora uni­ca­mente do dengue, hoje, o mesmo mos­quito é respon­sável pela febre Chikun­gunya; pelo Zika Vírus, a quem se atribui a forte incidên­cia de micro­ce­falia em cri­anças; e, à Sín­drome de Guillain-​barré, que ataca o sis­tema ner­voso cen­tral, cau­sando par­al­isia e até a morte.

O mundo está em pânico com essas doenças a ponto da Orga­ni­za­ção Mundial da Saúde — OMS, dec­re­tar emergên­cia médica mundial; de órgãos da ONU e médico recomen­dar as mul­heres que não engravi­dem e de alguns recomen­darem que se abra exceções na leg­is­lação dos países para per­mi­tirem o aborto de cri­anças com microcefalia.

Diver­sas nações do mundo já recomen­dam que seus cidadãos não via­jem para o Brasil e alguns políti­cos já falam colo­car em quar­entena pes­soas ori­un­das do Brasil e de out­ros países com incidên­cia destas doenças. Out­ras fontes falam que já con­sul­taram Lon­dres sobre a pos­si­b­l­i­dade de se levar os Jogos Olímpi­cos de 2016, pre­vis­tos para o segundo semes­tre, no Rio de Janeiro para lá. Caso isso ocorra será o ates­tado mundial da nossa incom­petên­cia, uma pá de cal no orgulho nacional.

Em tem­pos pretéri­tos – quando, por receio do antraz – nos EUA, se exi­gia que cidadãos ori­un­dos do Brasil tirassem os sap­atos para que fos­sem desin­fe­ta­dos, os hoje gov­ernistas não poupavam de críti­cas os gov­er­nantes. Agora, esta­mos na eminên­cia dos cidadãos serem colo­ca­dos em quar­entena ou, como se fazia em tem­pos mais remo­tos, ter­mos os aviões ori­un­dos do país, colo­ca­dos numa zona de con­t­role san­itário para serem desin­fe­ta­dos, assim como como todos os pas­sageiros e tripulantes.

Acho bom repe­tir: o Brasil não é respon­sável pelo mos­quito. Mas não resta dúvida que tem negli­cen­ci­ado a saúde pública a níveis inimagináveis.

A prova mais clara disso é forma como os gestores da pas­tas lig­adas à área são nomea­dos: como instru­mento de bar­ganha política; como quin­hão de par­tidos que se pre­ocu­pam mais em locupletar-​se dos recur­sos que fazer uma boa gestão. A neg­ligên­cia com a saúde pública, os desvios dos recur­sos, são sen­ti­dos agora, diante desta emergên­cia – que se não podia ser evi­tada –, cer­ta­mente, pode­ria ser minorada.

A ver­dade é cristalina: o nosso país não fez – e não tem feito – o \«dever de casa” para pre­venir sur­tos de doenças como o que assis­ti­mos agora. Enfrenta­mos o Aedes Aegypti há quase cem anos e não o colo­camos sob con­t­role. Pelo con­trário, ape­nas agora, quando a situ­ação parece haver fugido do con­t­role, fin­gem querer com­bater, fazendo isso de forma ata­bal­hoada e ineficaz.

Emb­ora tudo pareça assus­ta­do­ra­mente trágico, nada me parece mais doloroso que a situ­ação dos, já mil­hares de bebês, viti­ma­dos pela micro­ce­falia. Estes, em maior ou menor grau, jamais terão um desen­volvi­mento int­elec­tual pleno, e, emb­ora ama­dos, exi­girão dos pais um cuidado redo­brado pelo resto de suas vidas.

O gov­er­nantes, talvez, não façam ideia do que isso sig­nifica, por isso, pen­sam que resolvem – e são gen­erosos – ao ofer­e­cerem um ben­efi­cio de uma salário mín­imo men­sal às famílias cujo filho foi viti­mado pela doença. Como se isso fosse sufi­ciente para amenizar-​lhes o sofri­mento. Não serem ver­gonha nem remorso pelo sofri­mento que causaram – e causam – e pelo vex­ame a que sub­mete mil­hões de brasileiros.

Abdon Mar­inho é advogado.