AbdonMarinho - UMA ESTRELA NA LAPELA DO MAGISTRADO.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

UMA ESTRELA NA LAPELA DO MAGISTRADO.

UMA ESTRELA NA LAPELA DO MAGISTRADO.

Outro dia ouvi uma declar­ação do min­istro Ricardo Lewan­dovsky. Nela, o mesmo se refe­ria a um pos­sível processo de impeach­ment da pres­i­dente da República Dilma Rouss­eff, como sendo um golpe às instituições.

São dele estas palavras: “Estes três anos após o golpe insti­tu­cional pode­riam cobrar o preço de uma volta ao pas­sado tene­broso de trinta anos. Deve­mos ir deva­gar com o andor, no sen­tido que as insti­tu­ições estão reagindo bem e não se deixando con­t­a­m­i­nar por esta cortina de fumaça que está sendo lançada nos olhos de muitos brasileiros”.

Ao anal­isar a colo­cação do min­istro da mais ele­vada corte país, foi inevitável não lem­brar do bro­cado “agir como um magistrado”.

Lembrei-​me que uma das histórias sobre o bro­cado que trás o ensi­na­mento do filosofo Con­fú­cio que teria vivido na China entre os anos de 551 e 479 a.C.

Em lin­has gerais a história é a seguinte: certa vez estava o sábio na sala do rei quando foi inquirido por este sobre como dev­e­ria agir um mag­istrado, se com extrema sev­eri­dade a fim de cor­ri­gir e dom­i­nar os maus ou com abso­luta benevolên­cia, a fim de não sac­ri­ficar os bons. Enquanto refle­tia, Con­fú­cio obser­vou que aos pés do trono haviam dois vasos de finís­sima porce­lana e de extremada beleza, obje­tos de ver­dadeira ado­ração do sober­ano. Con­fú­cio orde­nou que um cri­ado trouxesse dois baldes, um com água fer­vente e outro com água gelada. Quando o cri­ado chegou com os baldes e o sober­ano deduziu que o filó­sofo pre­tendia colo­car seu con­teúdo nos vasos raros, o inter­rompeu: Que lou­cura é essa, ven­erável Con­fú­cio! Queres destruir estas obras mar­avil­hosas? A água fer­vente fará, cer­ta­mente, arreben­tar o vaso em que for colo­cada e a água gelada fará partir-​se o outro! Con­fú­cio, então mis­turou o con­teúdo dos dois baldes o e colo­cou nos vaso sem que rep­re­sen­tasse qual­quer risco as peças. A alma do povo, ó rei, é como um vaso de porce­lana, e a justiça é como água. A água fer­vente da sev­eri­dade ou a gelada da exces­siva benevolên­cia são igual­mente desas­trosas para a del­i­cada porcelana.

A expressão, «agir como mag­istrado», assim, tem sido usada ao longo dos sécu­los para definir aquele que age com impar­cial­i­dade, tratando a todos com igual­dade e dis­tribuindo a justiça sem olhar a quem.

Tornou-​se comum ouvir­mos esta ou aquela autori­dade dizer, diante de deter­mina situ­ação, que agirá como um magistrado.

Os dicionar­is­tas definem o termo mag­istrado como sendo o «indi­ví­duo investido de múnus público e del­e­gatário dos poderes da nação ou do poder cen­tral para gov­ernar ou dis­tribuir justiça. Ape­nas em sen­tido restrito, sig­nif­i­cando, juiz, desem­bar­gador, ministro.

Pois bem, se de gov­er­nantes é cor­reto exigir-​se que ajam como mag­istra­dos, com mel­hor razão deve-​se exi­gir que assim aja quem é “mag­istrado» em sen­tido restrito. Muito mais ainda, quando este mag­istrado é o rep­re­sen­tante máx­imo da justiça no país.

O processo de impeach­ment de um gov­er­nante é uma pre­visão con­sti­tu­cional reg­u­lada em lei (no caso a Lei 107950). Quem decide o cabi­mento ou não a aber­tura de processo e o seu proces­sa­mento é o Con­gresso Nacional (o Poder Leg­isla­tivo), o papel do pres­i­dente do Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF é pre­sidir a sessão de jul­ga­mento, caso ele venha ocor­rer. O papel do Poder Judi­ciário é garan­tir que as regras sejam obser­vadas e que a lei seja cumprida.

Ao opinar sobre o assunto de forma tão intem­pes­tiva e dis­tante dos autos o ministro-​presidente do STF extrapolou das suas pre­rrog­a­ti­vas, sujeitando-​se, ele próprio, a sofrer um processo de impeach­ment. Ao opinar fora dos autos – como jamais devem fazer os mag­istra­dos – o min­istro andou muito longe de agir como o que se esper­aria dele, que agisse como um “magistrado”.

A impressão que passa é que o Brasil, no que con­cerne às suas insti­tu­ições, andou para trás, exper­i­menta um retrocesso.

O país pas­sou por um processo de impeach­ment de um pres­i­dente da República, ape­nas sete anos após o fim do régime mil­i­tar, em 1992, e as insti­tu­ições fun­cionaram com muito mais maturi­dade que agora. Cada um dos poderes real­i­zou seu papel e o país seguiu em frente, pas­sando ao mundo o exem­plo de maturi­dade política.

Ninguém, muito menos um min­istro do Supremo Tri­bunal Fed­eral, ousou dizer que uma pre­visão con­sti­tu­cional reg­u­la­men­tada em lei recep­cionada pela mesma Carta, seria um “golpe institucional”.

Ao meu sen­tir, retro­cesso é a intro­mis­são de min­istros numa dis­cursão, que no momento, não está sobre o seu crivo. Na ver­dade o que cobra o preço – e alto à nação – é o claro apar­el­hamento das insti­tu­ições, prática que se tornou rotina nos últi­mos anos, com min­istros dos tri­bunais supe­ri­ores sendo escol­hi­dos mais por afinidades político-​ideológicas do que pelo exigido rito constitucional.

Foram muitas as vezes que aler­ta­mos para os riscos do apar­el­hamento do Estado. O preço é o que assis­ti­mos: opiniões em afronta a lei, intem­pes­ti­vas, sus­peitas de acor­dos sub­ter­râ­neos, os poderes con­fla­gra­dos e sem pos­suírem quais­quer condições de apontarem um rumo para o país.

A crise política e econômica só se agrava. O país já aponta para um cresci­mento neg­a­tivo de 4% (qua­tro por cento) ou supe­rior; o desem­prego se faz pre­sente em quase todas as famílias; a econo­mia dos cidadãos se dissolve.

O tempo passa, a deses­per­ança só aumenta.

Abdon Mar­inho é advogado.