AbdonMarinho - Trinta anos de uma campanha memorável episódio 2 O racha da esquerda
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Trinta anos de uma cam­panha mem­o­rável episó­dio 2 O racha da esquerda


TRINTA ANOS DE UMA CAM­PANHA MEM­O­RÁVEL II.

Por Abdon C. Marinho.

Episó­dio 2 — O racha da esquerda.

O SÍTIO Pira­pora, no bairro Santo Antônio, em São Luís, era o palco prin­ci­pal dos encon­tros da esquerda maranhense.

O Par­tido Social­ista Brasileiro — PSB do Maran­hão até por diver­sas moti­vações de ordem prática, tinha prefer­ên­cia por seus espaços.

Difer­ente de out­ros par­tidos de esquerda com uma base mais urbana, sindi­cal ou estu­dan­til, quase noventa por cento (ou próx­imo disso) da base do PSB era com­posta por tra­bal­hadores rurais, que­bradeiras de côcos de babaçu, homens, mul­heres, jovens, que viviam no campo, da agri­cul­tura famil­iar e ativi­dades cor­re­latas. Pes­soas sim­ples, hon­es­tas e com uma visão prática do mundo muito mais clara do que muitos “doutores”.

Os par­tidos políti­cos não dis­pun­ham dos recur­sos finan­ceiros que dis­põem hoje para alu­gar hotéis ou cen­tros de con­venções. O Pira­pora era o espaço ideal pois ofer­e­cia alo­ja­men­tos, refeitório e local para a reunião.

Con­forme fos­sem as pau­tas de debates, já na quinta ou sexta-​feira as lid­er­anças políti­cas do par­tido começavam a chegar no Pira­pora e se dividi­rem entre os alo­ja­men­tos mas­culino e fem­i­nino. Muitos traziam suas redes. Com o aluguel do sítio já con­tratava coz­in­heira para preparar as refeições, gente para fazer a limpeza (parte dela feita pelos próprios par­tic­i­pantes) e se mon­tava a logís­tica de fun­ciona­mento do evento.

Geral­mente os con­gres­sos con­tavam com trezen­tas ou mais pes­soas e as reuniões do diretório na faixa de cem ou um pouco mais ou menos. Eram pes­soas que vin­ham de todos can­tos do estado, sul do estado, baix­ada, mearim, médio Par­naíba, etc.

Desde que chegavam e nos horários de folga ou à noite esses tra­bal­hadores e tra­bal­hado­ras rurais tro­cavam impressões e infor­mações sobre suas regiões e como estava o embate político nos seus municí­pios, suas lutas por dire­itos, con­tra a vio­lên­cia no campo.

As análises de con­jun­tura para as eleições de 1994 começaram já pelo final do ano ante­rior.

Nas eleições de 1992, na cap­i­tal, o PDT, de Jack­son Lago, apoiou a can­di­datura de Con­ceição Andrade (PSB). Muito emb­ora ela tenha tido uma boa per­for­mance nas eleições para o gov­erno em 1990, sem o apoio do PDT, da sua estru­tura de poder – uma vez que estavam no comando da prefeitura e bem avali­a­dos –, e sua mil­itân­cia talvez não tivesse ganho a eleição (ou mesmo não tivesse sido can­di­data).

A eleição seria um primeiro con­fronto entre as forças lig­adas ao poder munic­i­pal e as forças lig­adas ao poder do gov­erno estad­ual.

Os can­didatos no primeiro turno (seria a primeira eleição munic­i­pal com dois turnos), por ordem de votos foram: Con­ceição Andrade (PSB, PDT, PCdoB e PPS), que obteve 134.910, 38,26%; João Alberto Souza (PFL, PV, PCN), 58.922, 16,75%; Evan­dro Bessa (PDS, PMDB, PRN, PL), 42.000,11, 94%; Car­los Guter­res (PDC), 26.000, 7,39%; Betto Dou­glas (PMN), 24.000, 6,82%; Jaime San­tana (PSDB, PRP) 17.000, 4,83%; Costa Fer­reira (PTR), 16.000, 4,55%; Haroldo Sabóia (PT, PC), 13.000, 3,70%; Rubens Soares (PSD), 10.472, 2,98%; Nan Souza (PST, PSC), 1,42%; e Mauro Fecury PTB), 4.500, 1,28%.

O resul­tado do primeiro turno traz como destaque o boa votação de Evan­dro Bessa, que tinha o apoio de Cafeteira e ficou em ter­ceiro lugar, Car­los Guter­res que perdeu a eleição qua­tro anos antes por pouco mais de mil votos, ficou em quarto lugar; o can­tor Betto Dou­glas que alcançou 24 mil votos ficando muito à frente de políti­cos de renome como Jaime San­tana, Costa Fer­reira, Haroldo Sabóia, Nan Souza, que eram dep­uta­dos e até mesmo do ex-​prefeito biônico Mauro Fecury.

O segundo turno, ape­sar do resul­tado final ter sido ampla­mente favorável a col­i­gação PSB, PDT, PCdoB e PPS com a chapa Conceição/​Aziz obtendo 137.687 votos o que cor­re­spon­dia a 64,1%, con­tra os 77.239 votos da chapa João Alberto/​Bosco, que cor­re­spon­dia a 35,9%, a dis­puta foi forte.

Os números rev­e­lam que Con­ceição só acres­cen­tou pouco mais de três mil votos à votação que obteve no primeiro turno enquanto que João Alberto acres­cen­tou quase 20 mil votos. Sem con­sid­erar que muitos dos que con­cor­reram no primeiro turno foram apoiar Con­ceição, como foi o caso de Evan­dro Bessa, Car­los Guter­res, os que lem­bro.

Isso para dizer que os números finais não refletem o clima da dis­puta. Ape­sar do mote de que ilha rebelde não votaria em um can­didato do grupo Sar­ney, João Alberto havia sido gov­er­nador (sucedeu Cafeteira quando esse deixou o gov­erno para dis­putar o Senado) e se nota­bi­li­zou por oper­ações poli­ci­ais fortes con­tra o crime orga­ni­zado a pis­to­lagem, den­tre as quais merece destaque a Oper­ação Tigre, tão efi­caz quanto con­tro­ver­tida.

No segundo turno das eleições o ex-​governador “assumiu” esse papel de, dig­amos, jus­ti­ceiro e sua cam­panha man­dou “plotar” os seus veícu­los a imagem da ave “car­cará”, imor­tal­izado nos ver­sos do can­tor João do Vale como aquela ave lá da baix­ada que “pega, mata e come”. Aliás, segundo os dicionários, o sig­nifi­cado em sen­tido fig­u­rado do termo é pes­soa ruim e mal­vada.

O certo é que emb­ora tenha per­dido por larga margem, pelo tanto que cresceu entre o primeiro e o segundo turno, não fez feio.

Um fato que tam­bém con­tribuiu para sur­preen­dente per­for­mance de João Alberto no segundo turno foi o enga­ja­mento de segui­men­tos da juven­tude na cam­panha dele. A juven­tude da ilha sem­pre estivera lig­ada a esquerda nos seus diver­sos par­tidos, PDT, PSB e a UJS, vin­cu­lada ao PCdoB.

A par­tir daquela eleição os par­tidos “ditos” de dire­ita começaram a “apos­tar” nos segui­men­tos juve­nis. Um dos respon­sáveis do por isso foi o atual dep­utado estad­ual do MDB, Roberto Costa, que ini­ciou sua mil­itân­cia política no PSB e levou essa “exper­tise” para a cam­panha do PFL.

Con­ceição Andrade (PSB) gan­hou a eleição com o apoio do PDT e teria que fazer um gov­erno que equi­li­brasse os inter­esses desses ali­a­dos majoritários com os do seu par­tido, o PSB. Não seria e não foi fácil.

Nos con­gres­sos do PSB ocor­ri­dos no final de 1993 e começo de 1994 era clara a insat­is­fação das diver­sas lid­er­anças do par­tido, prin­ci­pal­mente, as lid­er­anças rurais com o gov­erno de Con­ceição.

Achavam que o par­tido não tinha qual­quer espaço (o espaço era muito reduzido) e recla­mavam até da falta de acesso que tinha à prefeita que era do par­tido.

Essas lid­er­anças estavam acos­tu­madas a ter as por­tas aber­tas. Con­ceição ini­ciara na polit­ica pela advo­ca­cia, foi como advo­gada dos tra­bal­hadores rurais, enfrentando as “gri­la­gens” de ter­ras e a vio­lên­cia no campo que con­quis­tou os apoios necessários a sua primeira eleição, em 1986, ainda pelo grupo “Nossa Luta”, agru­pado den­tro do PMDB. A prefeita não estava mais à dis­tân­cia de um trinco dos mes­mos, como estivera como advo­gada, dividindo dormida com eles em sedes de sindi­ca­dos, casas paro­quiais ou mesmo em acam­pa­men­tos no campo ou como dep­utada na antiga Assem­bleia da Rua do Egito, quando qual­quer pes­soa bas­tava bater numa porta para entrar no gabi­nete e ser aten­dida.

O acesso ao gabi­nete da prefeita na prefeitura da cap­i­tal era mais com­plexo, as pes­soas que estavam antes do gabi­nete, na maio­ria das vezes, não con­heciam nen­huma daque­las lid­er­anças do PSB que eram da “coz­inha” da prefeita e a prefeita da “coz­inha” delas e difi­cul­tavam ou não per­mi­tiam o acesso. Sem con­tar as próprias atribuições e respon­s­abil­i­dades do cargo.

Na época eu era chefe da gabi­nete do dep­utado Juarez Medeiros e muitos dessas lid­er­anças con­heci­das e ami­gas iam lá – ou mesmo no gabi­nete do dep­utado Costa, que foi eleito no lugar de Con­ceição nas eleições de 1990 –, com esse tipo de recla­mação ou queixa.

O resumo do que diziam: a prefeita é do par­tido mas o gov­erno é do PDT, nós não temos “nada” no gov­erno, não encam­in­hamos qual­quer reivin­di­cação; não faz difer­ença alguma ter­mos ou não a prefeitura da cap­i­tal.

Esse sen­ti­mento, essa insat­is­fação, queixas, etc., são rel­e­vantes para que se com­preenda que não foi “traumático” o PSB romper a aliança com o PDT para apoiar a can­di­datura de Cafeteira, PPB. Aque­las lid­er­anças tin­ham estado com ele em 1986. Em 1988 inte­graram a União da Ilha com PDT mas não se sen­tiam inte­grante do gov­erno Jack­son Lago, em 1990, emb­ora todos ten­ham apoiado Con­ceição ao gov­erno mas perderam e quando ganha em 1992, no gov­erno de uma “estrela” do PSB não se sen­tem rep­re­sen­ta­dos.

Por todos esses motivos, quando se ini­cia­ram as análises de con­jun­tura política para as eleições estad­u­ais de 1994, a maio­ria sig­ni­fica­tiva das lid­er­anças do par­tido, con­forme disse ante­ri­or­mente, homens, mul­heres e jovens do campo não tiveram difi­cul­dades em indicar ou apoiar o nome de Cafeteira ao invés de seguir com a aliança com o PDT de Jack­son Lago.

No último con­gresso do PSB de 1993 já haviam indica­tivos que isso pode­ria acon­te­cer.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

PS. No próx­imo episó­dio tratare­mos da decisão de apoiar Cafeteira, do racha entre o PSB e PDT e a falta de visão política que levou o Maran­hão a per­manecer estag­nado politi­ca­mente.