AbdonMarinho - Ditadura nunca mais!
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Ditadura nunca mais!


(Foto da inter­net)
DITADURA NUNCA MAIS!

Por Abdon C. Mar­inho.

ALGUNS dias pen­sei em escr­ever o texto que pub­lico hoje. Foi por ocasião da divul­gação dos depoi­men­tos presta­dos pelos ex-​comandantes mil­itares do gov­erno pas­sado.

A minha com­preen­são do que foi dito é bas­tante sin­gela e segue nas lin­has abaixo.

Quando mil­itares de ele­vadas patentes teste­munham que o pres­i­dente da República os pres­sio­nou para aderirem a um golpe de estado com todas as con­se­quên­cias nefas­tas que tal intento pode­ria trazer ao país é algo que merece reflexão de todos os brasileiros.

Quanto esses mil­itares a quem se propôs o golpe de estado eram os mes­mos que lá atrás eram coman­dantes das Forças Armadas, deve­mos parar qual­quer coisa que este­jamos fazendo para anal­isar o fato e bus­car enten­der o que se pas­sou, o papel dos envolvi­dos, o que fazer em relação aos mes­mos e como evi­tar que tais coisas voltem a ocor­rer.

Há sessenta anos, em 31 de março de 1964, davam um golpe mil­i­tar no Brasil.

Eu e a grande maio­ria da pop­u­lação brasileira nasceu depois do golpe e muitos out­ros já vieram ao mundo depois que o régime de exceção, que durou vinte e um anos, chegara o fim.

Talvez por não lem­brar­mos ou por não saber­mos o que é viver­mos sub­ju­ga­dos por um régime dita­to­r­ial ou, mesmo, por igno­rar­mos a situ­ação de muitos países que ainda vivem sob domínio de auto­cratas e dita­dores, ten­demos a fazer pouco caso, min­i­mizar ou “pas­sar o pano” para o que aconteceu/​acontece no Brasil.

O filó­sofo George San­tayana tem uma frase lap­i­dar sobre o tema: “Aque­les que não con­seguem lem­brar o pas­sado estão con­de­na­dos a repeti-​lo”.

O Brasil acostumou-​se a não apren­der com seus erros.

O nor­mal é ser­mos “bonz­in­hos” mesmo com aque­les que come­tem as maiores atro­ci­dades.

Se não fomos as víti­mas deve­mos “rel­e­var”.

Em 1979, por ocasião da Lei da Anis­tia – que dev­e­ria ser ampla, geral e irrestrita –, o país optou de forma con­sciente pelo esquec­i­mento das dores e dos sofri­men­tos daque­les que foram víti­mas da ditadura.

Naquele ano ainda era uma cri­ança, mas, certa vez, ao con­ver­sar com um amigo muito mais velho e expe­ri­ente ele me mostrou e me fez com­preen­der que aque­les que não foram víti­mas, até pode­riam opinar, mas que não era legí­timo per­doar.

Porém, essa é ape­nas uma diva­gação, na real, como se diz atual­mente, quando o país fez a opção por “pas­sar o pano” para todos os crimes cometi­dos, inclu­sive o da supressão da democ­ra­cia brasileira, abriu cam­inho para que out­ros tirantes ou ape­nas imbe­cis se achas­sem no dire­ito de tentarem nova­mente.

A ver­dade é que andamos muito perto de levar­mos o país a uma con­vul­são social, com con­se­quên­cias inimag­ináveis, com mortes, prisões, exílios, famílias destruí­das, sem quais­quer garan­tias de dire­ito, etc.

Bas­tava que o coman­dante do exército tivesse con­cor­dado com a lou­cura – os demais viriam no “arrasto” –, para que não fizésse­mos ideia do que teria acon­te­cido e para que, cer­ta­mente, esse texto não exis­tisse.

Como já disse em out­ras opor­tu­nidades, não acred­ito que o movi­mento de 08 de janeiro de 2023 fosse um “golpe”, sin­ce­ra­mente aquilo mas pare­cia um bando de alo­pra­dos que foram usa­dos como “bucha” para algo muito maior – que acabou não acon­te­cendo.

Por outro lado, quando se anal­is­ar­mos o “filme” com­pleto que vem desde a famosa reunião de julho de 2022, em que min­istros impor­tantes falaram sem con­strang­i­mento em “virada de mesa”, out­ros tratando as insti­tu­ições da República como “forças inimi­gas”, pas­sando pelas diver­sas out­ras reuniões já pos­te­ri­ores ao pleito em segundo turno, aos acam­pa­men­tos sin­croniza­dos em frente aos quar­téis em todos os can­tos do país, aquele ato ganha outra relevân­cia, não pelas pes­soas – muitas ilu­di­das, buchas é a palavra cor­reta –, não pelo ato em si, mas por ter sido a última ten­ta­tiva para forçar o golpe.

E podemos ir além, mesmo antes de assumir após a vitória nas urnas em 2018, “tra­bal­havam” com o foco numa rup­tura insti­tu­cional.

Por conta disso e de forma rotineira, estim­ulava o con­flito entre os poderes, ele­gendo por fim, o Poder Judi­ciário (rep­re­sen­tado pelo STF e TSE) como os seus “inimi­gos”.

Tratava-​se, por óbvio, de um pro­jeto anti­democrático tosco, com um olhar para o pas­sado – e deve­mos “até” agradecê-​los por isso –, as ditaduras mas recentes destru­iram suas democ­ra­cias de den­tro pra fora.

Tem sido assim na Rús­sia, na Venezuela, na Hun­gria, etc., a par­tir do poder con­quis­tado de forma legí­tima ou não foram aniqui­lando as insti­tu­ições e os opos­i­tores até chegarem ao ponto de só restarem o seu grupo para dis­putar sim­u­lacros de eleições.

Não fosse a “cav­alar” falta de trato, que podemos atribuir (ou fes­te­jar) como equívoco de estraté­gia, hoje estaríamos avançando para um retro­cesso insti­tu­cional de forma legí­tima.

Quem teria legit­im­i­dade para ques­tionar um gov­erno eleito por ampla maio­ria dos eleitores?

O que impediria que um gov­erno reeleito por ampla maio­ria ini­ci­asse o processo de “apar­el­hamento” das insti­tu­ições civis e mil­itares para per­manecer no poder “ad infini­tum” ?

Há sessenta anos deram um golpe mil­i­tar no Brasil que durou vinte e um anos.

Quase quarenta anos depois da rede­moc­ra­ti­za­ção do país, ten­taram nova­mente.

O que salvou o país do retro­cesso foi o “não” do gen­eral e a pouca inteligên­cia dos golpis­tas. Não fosse o gen­eral ter dito não ou se os golpis­tas não fos­sem tão idio­tas, estaríamos vivendo uma “volta ao pas­sado”.

Bem que algum dep­utado ou senador pode­ria pro­por uma lei criando o “Dia do Não” e/​ou o “Dia da Ignorân­cia”. Não já temos o Dia do Fico? Por que não?

O certo é que pas­samos “ras­pando” por um processo de retro­cesso político que maio­ria da pop­u­lação não se deu conta, não perce­beu.

Muitos até ficaram decep­ciona­dos.

O que pas­samos foi muito além de dois proces­sos políti­cos extremos. Não se tra­tou e nem se trata de uma dis­puta política ou eleitoral ou de pro­je­tos de poder.

O que se tra­tou, efe­ti­va­mente, foi de uma rup­tura insti­tu­cional ou não.

Essa é a clareza que pre­cisamos ter.

O país pre­cisa reforçar ou criar novos mecan­is­mos de pro­teção con­tra os pro­je­tos autoritários que são uma real­i­dade em todo o mundo e que tem no Brasil uma posição estratég­ica.

O que fazer?

Con­fesso não saber o que deve ser feito.

Dizem que o Con­gresso Nacional vai acabar com a pos­si­bil­i­dade de reeleição dos car­gos majoritários.

Será a solução? Ou, só isso será o remé­dio con­tra os pro­je­tos autoritários?

Cada vez mais as pes­soas exigem respostas super­fi­ci­ais para prob­le­mas com­plexos.

Cada vez mais bus­cam “sal­vadores da pátria” que, invari­avel­mente, não pas­sam de esper­tal­hões.

A real­i­dade é vive­mos em um mundo de pes­soas igno­rantes, que não con­hecem a história, que não lêem e que, por isso mesmo, são inca­pazes de com­preen­derem o que se passa ao seu redor. Uma parcela sig­ni­fica­tiva da pop­u­lação já se encon­tra com o cére­bro cor­roído pelas inutil­i­dades a que estão expostas diari­a­mente.

É como se vivêsse­mos um con­flito entre a inteligên­cia arti­fi­cial e a total falta de inteligên­cia.

O Brasil pre­cisa voltar a estu­dar – prin­ci­pal­mente história (e já vão dizer que o ensino de história é doutri­nação).

O Brasil não tem o dire­ito de esque­cer (e já vão dizer que não esque­cer é revan­chismo).

O Brasil não tem o dire­ito de tratar o seu pas­sado com menosprezo ou rel­a­tivis­mos.

A democ­ra­cia não é um valor rel­a­tivo.

Ela, democ­ra­cia, é conc­reta e pos­sui parâmet­ros sóli­dos e definidos – o resto é con­versa fiada.

Não existe ditadura boa.

Nunca podemos esque­cer disso.

Passé sessenta, passé cem, duzen­tos anos …

Ditadura nunca mais!

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.