AbdonMarinho - Uma preta no Supremo.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Uma preta no Supremo.

UMA PRETA NO SUPREMO.

Por Abdon C. Marinho.

CER­TA­MENTE muitos já falaram e escreveram sobre a neces­si­dade de ter­mos um Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF – e out­ros tri­bunais supe­ri­ores –, mais diver­si­fi­cado. Cer­ta­mente todos ape­los serão igno­ra­dos pelo pres­i­dente da República e por aque­les que influ­en­ciam o seu pen­sa­mento e as suas ações.

Aliás, equiv­o­cada­mente, sua excelên­cia já declarou pub­li­ca­mente que na escolha para tais car­gos não tem com­pro­misso com a afir­mação de gênero ou de raça.

Como todos que me con­hecem sabem, sou teimoso (os próx­i­mos dizem que sou “teimosão”) e por isso mesmo não é o fato de “advogar” uma causa per­dida que não deve­mos fazê-​lo, ainda mais quando faze­mos na defesa de con­vicções firmes.

A min­is­tra Rosa Weber aposentou-​se, ao com­ple­tar 75 anos, no último dia 30 de setem­bro. Ela era uma das duas úni­cas min­is­tras da Suprema Corte do Brasil, a outra é a min­is­tra Car­men Lúcia, que, tam­bém, não tarda a se aposen­tar.

A bolsa de apos­tas sobre quem suced­erá a min­is­tra Rosa Weber crava como certa que a escolha do suces­sor estará entre os sen­hores Flávio Dino, atual min­istro da Justiça; Bruno Dan­tas, min­istro pres­i­dente do Tri­bunal de Con­tas da União; e Jorge Mes­sias, Advogado-​Geral da União. Os três, aliás, já tra­bal­ham com tal per­spec­tiva, tanto que em tom de pil­héria na posse de Roberto Bar­roso, como pres­i­dente do STF cel­e­braram um “pacto” de con­tin­uarem ami­gos inde­pen­dente de quem dos três seja o escol­hido.

Pois bem, deix­e­mos os para lá uma vez que nossa crônica sem­anal trata do tipo de democ­ra­cia que dese­jamos para o nosso país, mel­hor dizendo, para o futuro do país.

Nesse sen­tido é necessário, sim, que o pres­i­dente da República tenha com­pro­misso com as polit­i­cas de afir­mação de gênero e de raça. Não faz sen­tido que nomear mais uma vez alguém do sexo mas­culino e branco para ficar no STF vinte ou trinta anos. Trata-​se de um lamen­tável equívoco fazer isso.

Como temos uma Suprema Corte “jovem” é cada vez mais necessário que ela seja diversa refletindo o tecido social que com­põe o Brasil.

O que acres­centa ao país um min­istro do STF, jovem, branco, rico e bem nascido? A resposta é uma só: rep­re­senta a real­i­dade da qual nunca nos afas­ta­mos que é a de “Casa Grande e Sen­zala”, com os pre­tos e par­dos só tendo acesso aos palá­cios da Justiça para engraxar os sap­atos dos bran­cos ou faz­erem a fax­ina do ambi­ente.

Essa é a real­i­dade do Brasil desde que por aqui apor­taram os por­tugue­ses em 1500.

Os indi­cadores soci­ais e econômi­cos do país ainda hoje apon­tam a ter­rível desigual­dade edu­ca­cional entre par­dos e pre­tos em relação aos bran­cos; a desigual­dade entre a qual­i­dade da edu­cação básica pública, des­ti­nada aos pobres e edu­cação pri­vada des­ti­nada aos ricos.

Os dados estão aí, à dis­posição de todos, basta ter o tra­balho de exam­i­nar o último censo divul­gado pelo IBGE.

Temos um país desigual em relação a gênero, em relação a raça, em relação a diver­si­dade.

Uma das for­mas de cor­ri­gir­mos isso são os gov­er­nantes do país, dos esta­dos, Dis­trito Fed­eral e dos municí­pios se com­pro­m­e­terem com as políti­cas públi­cas de afir­mação é jus­ta­mente o oposto do que declarou sua excelên­cia.

Defendo que a indi­cação para ocu­par a vaga aberta com a aposen­ta­do­ria de Rosa Weber recaia sobre uma mul­her preta e, de prefer­ên­cia, nordes­tina.

Como disse ante­ri­or­mente, não se trata “ape­nas” de uma indi­cação e nomeação de uma pes­soa, não é nada disso, as indi­cações de min­istros para tri­bunais ou para out­ras posições de ponta pre­cisam refle­tir a diver­si­dade que temos no país.

Se a ascen­são social não ocorre por conta das condições do racismo e machismo estru­tural que não é por ninguém descon­hecida ela pre­cisa ocor­rer com o com­pro­me­ti­mento dos gov­er­nantes de romper com tais cor­rentes.

Ape­nas para ficar no “caso” do STF, caso se con­cretize o que se tem desen­hado, ter­e­mos onze min­istros, com ape­nas uma mul­her e nen­hum preto. E será assim ainda por muitas décadas, pois já como dito lá atrás, temos min­istros rel­a­ti­va­mente jovens para os car­gos que ocu­pam.

O con­sti­tu­inte orig­inário ao escr­ever a Con­sti­tu­ição Fed­eral cidadã esta­b­ele­ceu: “Art. 101. O Supremo Tri­bunal Fed­eral compõe-​se de onze Min­istros, escol­hi­dos den­tre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de setenta anos de idade, de notável saber jurídico e rep­utação ilibada”.

Vejam que os critérios são bem claros: mais de 35 anos e menos de 70 anos de idade, com notável saber jurídico e rep­utação ilibada.

A regra esta­b­ele­cida foi para que os gov­er­nantes tivessem den­tro da sociedade uma ampla pos­si­bil­i­dade de escol­has e que refletisse o país e não para que tratasse a escolha de min­istros do STF como de “sua cota pes­soal”.

Não temos na majoritária pop­u­lação negra e fem­i­nina pes­soas que preen­cham os req­ui­si­tos con­sti­tu­cionais? Claro que temos – e muitos.

Chega ser ridículo achar que não temos mul­heres e pre­tos capazes de preencherem os req­ui­si­tos con­sti­tu­cionais para ocu­par essas funções de Estado.

Se não tivésse­mos seria muito pior, sig­nifi­caria que o Brasil teria fra­cas­sado como pro­jeto de nação.

Acon­tece, infe­liz­mente, que essas pes­soas estão “ocul­tas”, estru­tu­ral­mente falando, não é dada vis­i­bil­i­dade sobre o tal­ento de pre­tos, par­dos e mul­heres.

Tenho dúvi­das se essa falta de vis­i­bil­i­dade não ocorre de forma inten­cional para man­ter o sis­tema de “Casa Grande e Sen­zala” que nunca deixou de existir.

Uma outra dis­torção – solid­i­fi­cada sobre­tudo nos últi­mos tem­pos –, é a que se esta­b­ele­ceu de que os car­gos de min­istros do STF e de out­ros tri­bunais supe­ri­ores são “car­gos de con­fi­ança” dos gov­er­nantes de plan­tão – vício que se esten­deu aos esta­dos com a nomeação de desem­bar­gadores e con­sel­heiros de tri­bunais de con­tas –, e não funções de Estado.

Vejam que absurdo, ninguém fica indig­nado ou vai para ruas ao assi­s­tir o pres­i­dente ou o gov­er­nador indicar/​nomear para tais car­gos pes­soas de suas “coz­in­has” ou mesmo de suas famílias.

Trata-​se de um absurdo, esses car­gos, essas funções, repito, são de Estado e não da con­fi­ança do gov­er­nante.

Vou além, arrisco dizer que mesmo os car­gos de min­istros ou de secretários dos poderes exec­u­tivos tam­bém dev­e­riam refle­tir a com­posição do tecido social e do pacto fed­er­a­tivo e não preenchi­dos por pes­soas, vul­gar­mente falando, da “cur­riola” dos gov­er­nantes ou par­tidos.

Nes­sas dis­torções vamos cada vez mais nos tor­nando atrasa­dos.

Veja que os gov­er­nantes, os donos do poder, a mídia e mesmo uma parcela sig­ni­fica­tiva trata com tanta nat­u­ral­i­dade esses desati­nos que ninguém protesta.

Ninguém acha um absurdo o pres­i­dente dizer que para escol­her que é indifer­ente a com­posição de gênero e raça. Ouviu-​se um ou dois mux­oxos e só.

Tudo nor­mal que escolha o advo­gado pes­soal, o amigo íntimo ou o que o valha.

O mesmo ocorre quando os gov­er­nadores fazem o mesmo tipo de escolhas.

Ao que parece, esta­mos longe de saber­mos o que é uma república.

Mas o pior de tudo não é os gov­er­nantes não terem tal noção e por isso mesmo se locu­pletarem do poder para o seu deleite e sat­is­fação pes­soal é a pop­u­lação não ter con­sciên­cia de que tais práti­cas estão erradas, são crim­i­nosas, lesam a pátria.

O Brasil pre­cisa de uma mul­her preta no STF e que não seja para servir o cafez­inho ou limpar o chão dos impo­lu­tos homens bran­cos.

Só com a pop­u­lação ocu­pando seus espaços ter­e­mos uma democ­ra­cia, ter­e­mos uma república, o resto será engodo e cortina de fumaça para o fra­casso de um pro­jeto de nação.

Abdon C. Mar­inho é advogado.