AbdonMarinho - Defesa da democracia, abuso de poder e golpe.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Defesa da democ­ra­cia, abuso de poder e golpe.


DEFESA DA DEMOC­RA­CIA, ABUSO DE PODER E GOLPE.

Por Abdon C. Marinho*.

DESDE que, como diziam os anti­gos, “me entendo por gente” tenho pre­ocu­pações com a democ­ra­cia e o “arse­nal” de fer­ra­men­tas que faz exi­s­tir: liber­dade de expressão e de imprensa; dire­itos humanos; respeito às mino­rias e a diver­si­dade; liber­dade reli­giosa; igual­dade entre todos, etcetera, etcetera.

Assim, nos lim­ites e den­tro das min­has lim­i­tações, sem­pre par­ticipei da luta em defesa de tais princí­pios. Foi assim pelas Dire­tas Já, na tor­cida pela vitória de Tan­credo Neves no Colé­gio Eleitoral, na luta pela con­sti­tu­inte, pelo impeach­ment de Col­lor, e tan­tas outras.

Com essa con­sciên­cia social, quando me formei em dire­ito e depois me tornei advo­gado colo­quei o meu min­istério à dis­posição de tais causas, perdi as con­tas das causas e pes­soas que defendi ape­nas por acred­i­tar que estava fazendo o certo.

Algu­mas vezes, na ausên­cia de pes­soas com cor­agem para entrar com ações que achava necessárias fui, eu próprio, advo­gado e parte.

Ainda hoje faço isso. É como se fosse uma ret­ribuição à sociedade por tudo que ela me deu.

Com o pas­sa­mento do amigo e jor­nal­ista Wal­ter Rodrigues, em 2010, adi­cionei às min­has respon­s­abil­i­dades mas esse “encargo”: escr­ever sobre os temas que são pos­tos para a sociedade e que a mesma, já entor­pecida pelas próprias neces­si­dades ou pela “enx­ur­rada” de pro­pa­ganda a que é sub­metida não tem como for­mar o mel­hor juízo sobre o que efe­ti­va­mente se passa.

Como cidadão, tenho feito isso nos últi­mos treze anos. Muitas das vezes, tam­bém, como tan­tos, come­tendo erros de avali­ação, mas sem nunca perder o foco e a razão daquilo que nos move.

Outro dia um amigo muito querido pas­sou pelo escritório para vender livros, Gutem­berg Braga, e no meio as con­ver­sas que travá­va­mos ele per­gun­tou como eu escrevia e qual o tempo que lev­ava para con­cluir um “tex­tão”.

Respondi-​lhe: — olha, Gutem­berg, no dia que vou escr­ever sento na minha poltrona ou deito na rede e começo a escr­ever. Leva cerca de duas horas para con­cluir o texto.

Ele ficou admi­rado e disse que eu tenho um dom, pois con­segue visu­alizar, em ima­gens, aquilo que escrevi.

Na ver­dade, não se trata de um dom. A facil­i­dade de escr­ever é decor­rente, uni­ca­mente, do fato de defender aquilo que coloco nos tex­tos a minha vida toda. São exper­iên­cias que vi, são lem­branças que fazem parte da minha vida.

A defesa da democ­ra­cia, os abu­sos dos poderosos e suas eter­nas ten­ta­ti­vas de se encaste­larem no poder para sem­pre são temas recor­rentes nas nos­sas crôni­cas.

É assim porque desde que o mundo é mundo e eu não me chamo Raimundo (para não perder a piada), que vejo as pes­soas diz­erem defender a democ­ra­cia.

Essas mes­mas pes­soas ao alcançarem o poder pas­sam a abusar dele frag­ilizando a democ­ra­cia que “juraram” defender na ten­ta­tiva de se per­pet­u­arem no poder, ou seja, de gol­pearem a democ­ra­cia.

Na atual quadra da política nacional vive­mos bem isso, arrisco dizer que é um lab­o­ratório vivo do que penso e do que sem­pre escrevi.

Vejamos:

Qual a prin­ci­pal argu­men­tação daque­les que defendiam a eleição do atual gov­erno em detri­mento do gov­erno ante­rior?

Que o ex-​presidente e seu núcleo mais próx­imo – e mesmo todos aque­les que estavam com ele e o apoiando –, rep­re­sen­tavam uma ameaça à democ­ra­cia brasileira.

Essa argu­men­tação não era (ou é) fala­ciosa. Desde que assumi­ram o gov­erno, em janeiro de 2019, que gov­erno ante­rior se empen­hou em esgarçar as relações com os demais poderes, ameaçar, bra­vatear e tudo mais que tinha dire­ito – e o que não tinha, tam­bém –, con­forme os episó­dios que estão aí, à dis­posição de todos para pesquisar.

Acho que ainda nem tin­ham assum­ido quando um filho do pres­i­dente disse que bas­taria um cabo e um sol­dado para fechar o Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF.

Ao longo dos qua­tro, com uma pan­demia no meio e alguns Sete de Setem­bros para servir de mobi­liza­ção dos “patri­o­tas” foi o que se viu e que cul­mi­nou com a ocu­pação das frentes dos quar­téis nos dias que se seguiram à der­rota nas urnas e, por der­radeiro, na “inten­tona” golpista do 8 de janeiro.

Sim, houve uma mobi­liza­ção golpista no pós eleições no Brasil, sendo os atos do iní­cio de janeiro a der­radeira ten­ta­tiva de der­rubar o gov­erno eleito e colo­car no seu lugar as Forças Armadas ou mesmo o pres­i­dente que foi der­ro­tado nas urnas e “fugiu” para os Esta­dos Unidos na antevéspera do dia em que faria a trans­mis­são de cargo.

Esses são os fatos, o gov­erno pretérito já não rep­re­senta mais uma ameaça a democ­ra­cia brasileira.

Der­ro­ta­dos nas urnas e frustradas as diver­sas ten­ta­ti­vas de con­vul­sionar o país em busca de uma “solução mil­i­tar”, é quase certo que muitos deles amar­guem alguns anos de cadeia – isso se não apare­cer uma “emenda” cama­rada para anistia-​los.

Ven­ci­das as ten­ta­ti­vas de golpes, faz-​se necessário a redo­brada vig­ilân­cia sobre os atu­ais donatários do poder.

É dizer, do ponto de vista da democ­ra­cia, o pas­sado só nos serve como bús­sola, a ver­dadeira pre­ocu­pação deve ser sem­pre com o pre­sente.

Isso porque, como dizia o político flu­mi­nense Car­los Lac­erda: “o preço da liber­dade é a eterna vigilância”.

A democ­ra­cia brasileira – e é assim em out­ros países –, é frágil, com todos que se “adonam” do poder bus­cando meios para se per­pet­u­arem.

Veja que até mesmo a democ­ra­cia amer­i­cana, que tín­hamos como parâmetro, sofreu uma ten­ta­tiva de golpe em 6 de janeiro de 2020.

Uma estraté­gia de todos aque­les que pos­suem ideários autocráti­cos é tentarem con­struir “suas novas ditaduras” sobre os escom­bros dos regimes que suce­dem, sejam eles total­itários, autocráti­cos ou que ten­ham sofrido ten­ta­ti­vas de golpes, como no caso do Brasil.

Vamos citar só os exem­p­los mais con­heci­dos. Foi assim com comu­nistas de Stálin, na con­sti­tu­ição da União Soviética, em 1917; foi assim com os bar­bu­dos, tendo à frente Fidel Cas­tro, quando desce­ram a Sierra Maes­tra e colo­caram para cor­rer o régime de Ful­gên­cio Batista, em 1959; foi assim na Venezuela quando Hugo Chávez “con­quis­tou” o poder, em 1998.

Em todos esses países – em tan­tos out­ros –, os novos “donos” do poder ini­cia­ram por con­sti­tuir seus regimes total­itários se dizendo com­bater os male­fí­cios dos regimes ante­ri­ores.

Quando suas pop­u­lações se deram conta, estavam sob a égide de regimes até mais total­itários do que aque­les que dis­seram com­bater.

Em “A rev­olução dos bichos”, George Orwell, faz uma crítica do que se deu na tomada de poder pelos bolcheviques.

Mas essa estraté­gia é “man­jada”, um con­hec­i­mento básico de história faz com que se perceba o que ocorre nes­sas “mudanças” de régime.

No Brasil vivendo algo semel­hante. Tudo agora é “defesa da democ­ra­cia”. Sob esse guarda-​chuva, começa-​se por praticar atos bem mais graves do que os males que suposta­mente dizem querer com­bater.

Como os por­cos de “A rev­olução dos bichos”, alguns dos líderes atu­ais dizem que esse ou aquele andou espal­hando men­ti­ras, chamadas fakes news, e, por isso, pre­cisa ser inves­ti­gado, proces­sado e punido, de prefer­ên­cia que seja jogado aos cães que pro­tegem os “por­cos líderes” para ser devo­rado.

Um caso que bem se ade­qua ao que digo é notí­cia de que abri­ram (ou iriam abrir) uma inves­ti­gação con­tra o jor­nal­ista Alexan­dre Gar­cia, deter­mi­nação, pelo que soube, do próprio min­istro da justiça.

Pois bem, um outro jor­nal­ista, Lin­hares Júnior, me encam­in­hou o comen­tário de Gar­cia que teria moti­vado a “con­tro­vér­sia” – que tam­bém atende pelo nome de surto autoritário.

Assisti ao vídeo, uma, duas, três vezes e não iden­ti­fiquei qual­quer coisa capaz de jus­ti­ficar qual­quer repri­menda legal em uma democ­ra­cia – pois nas ditaduras tudo pode acon­te­cer.

Até pen­sei que o jor­nal­ista tinha se equiv­o­cado.

Só ao lê a col­una do jor­nal­ista Fer­nando Schüler, na Revista Veja, fui saber que o processo inquisitório con­tra Gar­cía seria porque o mesmo teria dito que “aparente­mente abri­ram as com­por­tas” e pediu uma “inves­ti­gação” sobre as enchentes no Sul do país.

Na mesma col­una tomei con­hec­i­mento que o Brasil agora tem uma “procu­rado­ria em defesa da democ­ra­cia”, que deve ter a mis­são insti­tu­cional de ir atrás dos “inimi­gos da democ­ra­cia”.

Meus ami­gos recomendo a leitura ime­di­ata de “A rev­olução dos bichos” e ten­tem fazer um para­lelo com que vive­mos.

Se as min­has lem­branças não me traem, na obra de Orwell os bichos, lid­er­a­dos pelos por­cos, que tomaram o poder na granja, cri­aram um depar­ta­mento com essa mesma final­i­dade.

É basi­ca­mente a mesma coisa que existe em todos os regimes total­itários e autocráti­cos no mundo: do Irã à Rús­sia, pas­sando por Cuba, Venezuela, Coréia do Norte, Arábia Sau­dita, etc., uma estru­tura estatal encar­regada de pro­te­ger os “donos do poder” dos seus “lid­er­a­dos”.

Quer me pare­cer que o Brasil da atu­al­i­dade tem por obje­tivo nos trans­portar para uma obra de ficção dos anos quarenta.

Como em “A rev­olução dos bichos” se tinha os sete man­da­men­tos do ani­mal­ismo é pos­sível que ten­hamos nos­sos próprios “man­da­men­tos”. O primeiro deve ser: “Qual­quer ser humano que “pense” é inimigo”.

O meu lamento prin­ci­pal é que nem con­seguem ser orig­i­nais, ficam copiando obras de ficção e tudo que é mal cos­tume nas ditaduras ao redor do mundo.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

Comen­tários

0 #1 Gil 17-​09-​2023 15:00
Parabéns muito bom artigo
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