O fracasso de todos nós.
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- Criado: Sábado, 20 Maio 2023 14:15
- Escrito por Abdon Marinho
O FRACASSO DE TODOS NÓS.
Por Abdon C. Marinho*.
SEXTA-FEIRA, 5 de maio, o expediente já ia avançado (uma vez que iniciado por vota das sete horas) quando recebo uma ligação: — doutor Abdon, é o Gil, do PDT, o senhor pode me receber? Chamado pela curiosidade, respondi-lhe: — tudo bem, daqui a uma meia hora ou quarenta minutos estarei livre, pode passar no escritório.
Continuei a cuidar dos afazeres, atendendo um e outro e vendo outros assuntos relacionados aos múltiplos trabalhos até que o rapaz chegou. Após alguns minutos de conversa – que a curiosidade fez parecer mais longos –, veio a informação sobre o real motivo da visita: — doutor, hoje é o Dia Nacional do Líder Comunitário, durante toda a semana o partido fará atividades relacionadas ao tema, culminando com algumas palestra no enceramento da semana, na próxima sexta-feira, conversei com o líder do partido, com o presidente estadual, outras lideranças partidárias e concordamos que o seu nome é importante para uma das palestras do evento. Além das lideranças comunitárias da ilha, contaremos com a presença de lideranças de outras partes do estado.
Embora surpreso e surpreendido com o convite, disse-lhe que tentaria remanejar ou pedir para um colega fazer uma audiência supostamente marcada para o dia da palestra, mas que faria o possível para comparecer ao evento, confirmando ainda naquele dia minha participação.
Após sua saída e durante toda a semana fiquei pensando no que poderia dizer aos líderes comunitários do PDT.
É bem verdade que desde cheguei na Ilha do Maranhão, em 1985, tenho participação na vida da comunidade. Já naquele ano, ao ingressar no ensino médio, no Liceu Maranhense, e com a recolocação dos movimentos estudantis na legalidade, fundamos os grêmios estudantis do Liceu, da Escola Técnica, do Gonçalves Dias, do Barcelar Portela; iniciamos as tratativas, na Casa do Estudante, na Rua do Passeio, para a fundação das entidades estudantis no âmbito municipal e estadual.
Paralelamente a isso, participamos da organização das entidades comunitárias de toda área do Turu, do conjunto habitacional, Divinéia, Santa Rosa, Miritiua, Sol e Mar, Litorânea, etc.
Depois, nos anos seguintes, a luta pela constituinte, os debates políticos para que a mesma representasse os anseios do povo; o movimento estudantil universitário; a participação já dentro do Partido Socialista Brasileiro — PSB (onde filiei-me em 1991 e saí no final de 2021), por mais democracia, por uma sociedade mais justa, por melhoria nas condições de saúde, educação, saneamento básico, acesso aos direitos humanos fundamentais, fim da violência no campo, contra a corrupção e tantas outras pautas.
Nos últimos anos, mas precisamente, desde 2010, minha participação, mais efetiva, tem sido através dos artigos que escrevo, das minhas crônicas de finais de semana, nem sempre compreendidas, mas cujo o objetivo é chamar a atenção para os reais problemas brasileiros e do estado.
Passei a semana pensando sobre o que falaria aos pedetistas, no encontro marcado para o dia 12, na histórica sede da Rua dos Afogados.
Não cheguei a uma conclusão ou pauta. Alguém do partido ligou para perguntar sobre o assunto que falaria e se precisaria de algum suporte, disse-lhe que o microfone seria suficiente e que faria uma abordagem sobre os movimentos populares, sem entrar em detalhes. Pensei em falar das minhas experiências.
Nos dia e horário aprazados cheguei à histórica sede do partido, no centro da capital, para a palestra combinada sem saber, até aquele momento, que tipo de abordagem faria sobre assunto proposto. Embora tenham me oferecido uma sala para ficar enquanto os líderes do movimento fariam a abertura do evento, preferi ficar no auditório.
Foi ao ouvi-los, naquela meia hora, que defini a abordagem que daria ao tema.
Os primeiros comunitários ao falar, colocaram as dificuldades que enfrentam no dia a dia por mais educação, por creches onde as mães possam deixar os filhos em segurança para poderem trabalhar e assim conquistar a igualdade de gênero, por transporte público de qualidade, por saúde, as dificuldades que os cidadãos enfrentam por um tratamento médico de qualidade, por medicamentos e até mesmo, na hora da morte, para conseguirem aviar um caixão ou o custeio de um enterro para uma pessoa mais necessitada – quase toda a população do estado.
Chamado ao centro da mesa para minha exposição de quarenta minutos (que depois foi estendida para muito além), comecei por dizer-lhes da minha alegria de, novamente, partilhar de um momento de debates políticos sobre os assuntos relacionados ao nosso estado e as pautas políticas que afligem o Brasil e por verificar em um auditório lotado, o vivo interesse, principalmente dos mais jovens, em debater tais assuntos.
Em seguida disse-lhes que as minhas palavras seguintes seriam de desculpas por termos fracassados miseravelmente na missão que nos incumbimos lá atrás: de deixarmos para as gerações seguintes um estado com outras pautas, pois ali, estávamos discutindo, naquela manhã, aquelas mesmas pautas de quarenta anos.
E pior – o que realça ainda mais o nosso fracasso –, estamos discutindo as mesmas pautas, por mais saúde, mais educação, mais direitos sociais, mais saneamento, mais transporte público de qualidade, mais dignidade humana para os cidadãos, sem qualquer consciência crítica.
Quando lutávamos por estas mesmas coisas em meados dos anos oitenta e noventa, tínhamos acabado de sair de uma ditadura, onde, sequer, se podia opinar, onde a crítica era considerada ofensa.
Dizia a eles que continuamos com as mesmas pautas e sem consciência crítica porque festejamos que mesmo os governos que elegemos para mudar a realidade do estado e do país, tratem a distribuição de cestas básicas, programas assistenciais e/ou de distribuição de renda como políticas públicas, ao invés de termos tais coisas (necessária, é verdade) como a prova de que fracassamos na missão de darmos uma vida digna aos cidadãos, para que estes não precisem mendigar por uma cesta básica, um benefício ou se humilhar nas datas históricas para receber um ou dois quilos de peixe.
Dizia-lhes mais: os governos estaduais que elegemos, os dois anos do PDT, com Jackson Lago; os quase oito do PCdoB, com Flávio Dino; e este que agora inicia do PSB (partido onde estive por trinta anos), com Carlos Brandão, além de não reverterem as pautas de décadas – ou por falta de tempo ou de visão –, “normalizaram” como mérito aquilo que deveria nos envergonhar.
Mostrava-lhes que é assim, por exemplo, com as “inauguração de cestas básicas”, pois é, temos isso, as autoridades sobem no palanque, erguem a cesta básica e dizem que irão distribuir milhares delas aos famintos; ou com as inaugurações de restaurantes populares, onde as autoridades, só faltavam (falta?) contratar banda de forró, para festejar o fato de aqueles cidadãos que não têm o que comer poderão se alimentar bem com um real ou o que o valha.
Dizia aqueles jovens líderes comunitários, que entendessem bem, não estava criticando um ou outro programa, pois conhecendo cada palmo do estado, sei que são necessários, mas sim o fato de estamos “cantando” vantagem ou com “gabolice” encima dos nossos fracassos.
Dizia que tal situação muito me lembrava atitude de determinado secretário de estado de um governo anterior que diante da agudeza da falta d’água na capital, pois em “revista” dezenas de carros-pipas para “resolver” o problema.
Pois, em verdade, o que cidadão quer é não precisar de uma cesta básica ou de ficar ao sol de meio-dia na fila do restaurante popular para se alimentar a um real, ele quer é tem sua própria renda, sua própria dignidade, para comprar ou produzir seu sustento e acender o fogão da sua casa três ou quatro vezes por dia para fazer sua comida.
O que cidadão anseia é por não ter que deixar sua família para ser explorado como mão de obra escrava nos outros estados da federação.
Essa é a grande contradição que precisamos reverter: os governos estaduais ou federal – apenas estabelecido o marco/corte de 1985, por conta da redemocratização do país –, a despeito de termos uma constituição cidadã, não apenas não nos garantiram os direitos básicos, pelos quais lutamos há quase quarenta anos, como “empurrou” a população para aceitar viver de esmolas.
No Maranhão tal realidade é ainda mais presente pois a “normalização das pautas menores” não desperta a revolta de quase ninguém (ou aqueles que se revoltam se calam).
Um outro exemplo disso, citado na palestra com os pedetistas, foi assistirmos um governo inteiro mobilizado (desde secretários, adjuntos, deputados, prefeitos e toda sorte de gente) em torno da escolha, pela categoria dos advogados, de um representante para compor o TJMA.
Foram sessenta dias (e continua) de movimentação para que o escolhido ou a escolhida seja da preferência dos “donos do poder”.
E eu me pergunto: qual a relevância de tal fato para os interesses maiores do estado? Para as políticas públicas, tão necessárias, para o nosso povo? Nenhuma, pelo contrário, abre-se um precedente gravíssimo para a nossa democracia. Em outras palavras, é uma vergonha.
Há um ano, escrevi um texto intitulado “O fracasso da geração Pirapora”, em alusão ao local onde iniciamos tantas lutas pelo nosso estado.
As palavras ali contidas e as proferidas por ocasião do debate com os líderes comunitários do PDT, não terão qualquer eco, ninguém se importará com elas, mas fica o registro de alguém que não se conformou e não se conforma com esse tipo de coisa, alguém que tem consciência que fracassamos.
Abdon C. Marinho é advogado.