AbdonMarinho - O REVÓLVER DE VITORINO E A PACIÊNCIA DE D. CREUSA.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O REVÓLVER DE VITORINO E A PACIÊN­CIA DE D. CREUSA.


O REVÓLVER DE VITORINO E A PACIÊN­CIA DE D. CREUSA.

Por Abdon C. Marinho*.

ADER­SON DE CAR­VALHO LAGO FILHO, ex-​deputado estad­ual, engen­heiro civil de for­mação e o não his­to­ri­ador que mais con­hece da história política do Maran­hão e seus cau­sos – isso, graças ao fato de per­tencer a uma tradi­cional família de políti­cos, a quem o dileto e saudoso amigo, ex-​deputado Bened­ito Fer­reira Pires Ter­ceiro, com finís­sima iro­nia, referia-​se como “os Sar­ney que não deram certo”; e, por pos­suir uma memória de “ele­fante” –, contou-​me, certa vez, um causo que envolve­ria Vitorino Freire (19081977), o político orig­inário de Pedra — PE, que foi proem­i­nente, por décadas, na política maran­hense, a ponto de denom­i­nar um movi­mento político: o vitorin­ismo, até ser sub­sti­tuído por outro político, esse maran­hense, José Sar­ney (1930 — …), em 1965.

O vitorin­ismo foi respon­sável direto pela eleição/​nomeação de três gov­er­nadores maran­henses: Sebastião Archer, de 19471952; Eugênio Bar­ros, de 1952 a 1956, que “bati­zou” o Povoado Cen­tro dos Boas com o nome Vitorino Freire; e, por último, já como uma hom­e­nagem a sua vida política, con­seguiu com, o gen­eral Ernesto Geisel, a nomeação de Osvaldo da Costa Nunes Freire, de 1974 a 1978.

Já não me recordo em qual dos três gov­er­nos acima referido o “causo” que me foi relatado por Ader­son teria ocor­rido – pode­ria ser qual­quer um deles –, isso não é rel­e­vante, muito emb­ora acred­ite que tenha sido no de Eugênio Bar­ros.

Pois bem, o fato é que como todo líder político que se preza, Vitorino Freire tinha diver­sos ali­a­dos, cor­re­li­gionários e ami­gos vivendo nas sinecuras dos gov­er­nos e a eles servindo e se servindo – muitos deles, como é nor­mal, com mais afinidades com quem indi­cou (Vitorino) do que o chefe ime­di­ato (o gov­er­nador).

Como a residên­cia de Vitorino Freire no estado era “pro forma”, tal qual a residên­cia de José Sar­ney no Amapá, diz-​se que ficava hospedado – pelo menos durante os gov­er­nos dos seus ali­a­dos –, na área res­i­den­cial do Palá­cio dos Leões.

Aí vem o nosso “causo”. Diz-​se numa dessas “itin­erân­cias” pelo Maran­hão, andando pelo palá­cio, encontrou-​se com um cor­re­li­gionário que “alo­jara” para tra­bal­har com o próprio gov­er­nador, no gabi­nete deste.

O cor­re­li­gionário começou a falar do gov­er­nador: — ah, senador, o homem é um bruto, me trata muito mal, vive me humil­hando e me desre­spei­tando. Nem sei como é que con­tinuo no gabi­nete, acho que só em respeito ao sen­hor. E por aí vai.

Vitorino que tudo ouvia com acu­rada atenção, retru­cou: —é mesmo, meu amigo, ele está fazendo tudo isso com você? Pois saiba que tens todo meu apoio e sol­i­dariedade. Já sei o que deves fazer.

O cor­re­li­gionário indagou: — sério, senador!? O que devo fazer?

Então, Vitorino, que car­regava o revólver no bolso interno do paletó, o sacou e entre­gou ao cor­re­li­gionário com uma recomen­dação: —pegue meu revólver. Na hora que você entrar gov­er­nador o descar­regue todo na cara dele.

Foi então que o cor­re­li­gionário, empalide­cido, diante da “solução” encon­trada pelo senador bal­bu­ciou: — mas o que é isso, senador? Talvez não seja pra tanto.

Vitorino vira-​se para ele diz: — ah, meu filho, você me conta uma série de coisas graves, humil­hações sofridas, etcetera, eu lhe sou solidário, o apoio e até minha arma pes­soal lhe empresto, mas a cor­agem tem que ser com você.

Muito emb­ora fos­sem out­ros tem­pos, é provável que o “causo” relatado acima seja ape­nas mais um fol­clore da nossa história política, como tan­tos out­ros que se sabem e tan­tos out­ros já per­di­dos bru­mas do tempo.

Mas, ape­sar disso – ver­dade ou não –, serve-​nos para lem­brar o quanto que é precária a relação entre aquele que se acha chefe ou líder político e aquele que se encon­tra no exer­cí­cio do mandato. Mesmo as amizades mais próx­i­mas e “doces” ten­dem a azedar, ainda mais quando os “entornos” que cer­cam a ambos, movi­dos por inter­esses próprios ou mesmo incon­fessáveis “tra­bal­ham” nesse sen­tido.

A ambos, aos que teimam em não “des­en­car­nar” do gov­erno que não é seu e aquele que luta para imprimir a própria marca de gestão, a recomen­dação é ape­nas uma: paciên­cia.

O “causo” suposta­mente envol­vendo o ex-​senador Vitorino Freire me veio à lem­brança após lê em alguns veícu­los de comu­ni­cação (blogues, prin­ci­pal­mente) e lê em out­ros tan­tos, os des­men­ti­dos à respeito de uma pos­sível rup­tura política entre o atual gov­er­nador e o ex-​governador, senador da república investido cargo de min­istro de estado.

Ver­dade ou não, esse não é o assunto do texto.

Em todo caso, sendo ver­dade, acho que seja uma grande “bobagem” e falta de inteligên­cia polit­ica, uma vez que não são adver­sários (pelo con­trário) e con­cor­rem, politi­ca­mente, em faixas total­mente dis­tin­tas.

Quais­quer divergên­cias ou dis­cordân­cias entre ambos, um no poder estad­ual e outro no poder fed­eral é de fácil solução.

No poder tudo é fácil de se resolver, é como car­regar melan­cia no cam­in­hão: você pensa que não vai dá certo, mas depois elas se “encaixam” e não cai uma.

Difí­cil é resolver divergên­cias fora do poder.

Há uma sen­tença que sem­pre digo por onde passo: no poder, só os tolos arran­jam motivos para brigar.

Em outra opor­tu­nidade, se instado, farei tal análise.

Antes porém que algum tolo afoito vá em busca do revólver de Vitorino, recomendo a leitura do resto do texto.

Na minha já longeva car­reira jurídica – advo­gando para municí­pios há mais de vinte e cinco anos –, uma das políti­cas mais argutas que con­heci foi a sen­hora Creüsa Braga Queiróz, ex-​prefeita de Luis Domingues, um municí­pio pequenino, menos de dez mil habi­tantes, no noroeste do estado.

E não digo pelo fato dela já ter nos deix­ado em 2020, vítima de um câncer agres­sivo.

Há mais de 20 anos, desde que come­cei a tra­bal­har com ela, que a citava como exem­plo para out­ros gestores.

Imag­inem uma mul­her que mal con­cluiu os anos ini­ci­ais do ensino fun­da­men­tal, dona de casa, mãe de seis fil­hos, esposa de ex-​prefeito, con­seguir admin­is­trar seu municí­pio sem per­mi­tir a intro­mis­são de nen­hum deles, ela con­seguiu.

Emb­ora o marido, o amigo e saudoso Didi, tenha sido prefeito, ela que era a ver­dadeira política da casa. Acol­hendo um e outro sem­pre que podia; con­ver­sando com quem apare­cesse na sua coz­inha para con­ver­sar, almoçar ou tomar um café.

O marido foi prefeito no quadriênio de 1989 a 1993 – antes da reeleição –, depois uma dis­puta sem sucesso, em 2000, elegeu-​se prefeita.

Quando assumiu, em janeiro de 2001, uma das primeiras aquisições foi uma agenda onde ano­tava de tudo: desde alguma coisa que pre­cisava lem­brar ou instrução que pas­sava aos sal­dos das con­tas do municí­pio.

Tinha tudo ano­tado e con­trolava a admin­is­tração como poucos prefeitos vi fazer, não deixando que o marido ex-​prefeito ou qual­quer um dos fil­hos desse qual­quer “pitaco”.

Assim, con­seguiu a reeleição em 2004, eleger e reeleger o suces­sor nos dois mandatos seguintes e depois, eleger o filho, atual prefeito, em 2016.

Ela entre nessa crônica porque, como política, con­seguiu, como poucos admin­is­trar essa precária relação entre ex-​gestor e lid­er­ança política com o suces­sor, sem colo­car os inter­esses políti­cos maiores sub­mis­sos a inter­esses menores ou pes­soais.

Nos mais de vinte anos em pri­va­mos de uma amizade sin­cera, me tornei uma espé­cie de con­fi­dente. Sem­pre que o suces­sor a con­trari­ava ou fazia alguma coisa que não gostava ou mesmo quando ia alguém à sua coz­inha fazer alguma recla­mação ou se queixar de algo, ela me lig­ava para con­ver­sar ou desaba­far.

Na máx­imo, depois de con­ver­sar­mos, se res­ig­nava: —pois é, doutor, temos que atu­rar esse tipo de coisa.

Quando muito zan­gada já sabia, ela falava o nome do prefeito e com­padre dela, dizia: — ah, doutor Abdon, o “homem” fez isso ou aquilo.

Já sabia: ela estava zan­gada.

Mesmo assim nunca “dava recibo”, não sei se com mais alguém, além de mim, expres­sava suas contrariedades.

Foi assim durante os oito anos do suces­sor, ao tér­mino do qual elegeu o filho prefeito.

Em situ­ações de con­fli­tos reais ou imag­inários entre ex e atu­ais gestores sem­pre recomendo que antes de se fazer uso do revólver de Vitorino que se adote a serenidade e paciên­cia de Creüsa.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.