MARANHÃO — O ESTADO PROIBIDO.
- Detalhes
- Criado: Sábado, 21 Maio 2022 14:56
- Escrito por Abdon Marinho
MARANHÃO — O ESTADO PROIBIDO.
Por Abdon Marinho.
QUEM acompanha meus escritos já deve conhecer a história de seu João da Silva – falei dele bem mais que uma vez.
Os que chegam agora darei uma “palhinha”. O seu João da Silva (nome fictício) é um deficiente visual que costuma pedir esmolas alternadamente em Belém, Pará e em Fortaleza, Ceará. Passa um mês ou dois em Belém e vai para Fortaleza e vice-versa, conforme a arrecadação.
Seu João da Silva entra na nossa crônica porque sempre que faz esse percurso, em um sentido ou noutro, ao ingressar no Maranhão, ele “avisa” ao motorista: — entramos no Maranhão, né motorista?! Fazendo a mesma coisa quando sai do estado: — saímos do Maranhão, né motorista?! Mesmo quando a “travessia” para o estado o alcança enquanto dorme, ao acordar, consegue se situar para perceber que se encontra ou saiu do Maranhão.
Essa alegoria inicial é apenas para mostrar que somos tão mal servidos de rodovias – federais e estaduais –, que mesmo um cego consegue saber quando entra e quando sai do estado. Entra governo, sai governo, entretanto, parece que uma cabeça de burro enterrada no solo maranhense impede que por aqui se façam estradas ou mesmo recuperação de vias com um “prazo de validade” superior a um ano.
Uma vez, sentado na Praça da Matriz de Luis Domingues, em um fim de tarde depois de cumprir uns compromissos, um amigo de longas datas, cunhou a frase enquanto tratávamos deste tema: — ah, doutor, essas são obras de “morder”. Sem entender bem olhei-o intrigado, que completou: — todo governante que entra quer morder um pedaço.
Sobre obras de morder e estradas ruins temos muitos quilômetros rodados.
Lembro no início dos anos 2000, a estrada que ligava a BR a Carutapera (MA 101) era uma tão ruim, mas tão ruim, que voltando de lá ao avistar uma sumaúma que fica a 6km da BR, dizia: — chegamos em casa. Havíamos vencido apenas 80 km dos mais quinhentos de distância. Depois que a rodovia foi feita, ainda no governo Zé Reinaldo, continuei usando a frase a para lembrar aos colegas de viagens muitas das dificuldades enfrentadas.
Completando a série de infortúnios relacionados à infraestrutura do nosso estado, nos últimos dias não se fala de outra coisa que não o colapso – ou quase colapso –, do sistema de ferry-boat que é o principal meio de deslocamento para a Baixada Maranhense e para quem quer diminuir a distância, saindo de São Luís, para a região do alto Turi ou para o estado do Pará.
Desde que me tornei advogado, há vinte e cinco anos, que faço uso deste meio de transporte nas minhas andanças pela baixada ou nas idas até os limites com o Pará. Noutras palavras: já ouvi em demasia o apito do ferry-boat.
A última vez foi há menos de duas semanas.
Como não gosto de improvisação, sempre compro minhas passagens com quase um mês de antecedência.
Ao longo deste quarto de século acostumei-me a dizer que pessoa importante para mim é quem consegue passagem no ferry em cima da hora. Essa, sim, é importante.
Havia me programado para atravessar no ferry das 17:30 horas. Como os compromissos marcados não iriam acontecer ou consegui resolvê-los antes do previsto, pelas 9 horas já estava em Governador Nunes Freire, o antigo Encruzo, voltando.
Fiz alguns contatos para tentar antecipar a passagem, não tive êxito, nenhum amigo “importante” conseguiu trocar a passagem. Consultei os companheiros de viagem se preferiam voltar pela BR ou de ferry argumentando que chegaríamos até antes do horário marcado para travessia. Quedei-me vencido sob o argumento de que as estradas estão tão ruins que era preferível esperar para depois das 17:30 horas que seguir viagem rodando.
Rodando devagar, parando mais do que o necessário na estrada para fazer alguma coisa ou mesmo para apreciar a cheia dos rios, antes do começo da tarde já estávamos livres, mesmo tento parado para atender uns compromissos de última hora em Pinheiro e Bequimão, ainda estava longe da hora da travessia quando resolvemos ir para o Cujupe, tentar “in loco” trocar a passagem.
Quando nos aproximamos vi o tamanho do problema e porque os amigos “importantes” não tiveram êxito em antecipar a passagem comprada com um mês de antecedência: a fila de espera, ou seja, dos “sem passagem”, estava chegando na curva oposta à Igreja Assembleia de Deus do Povoado Cujupe. Quem conhece sabe a distância até o ponto de embarque e a dificuldade para embarcar estes veículos.
Comentei com os colegas de viagem: — meus filhos, a coisa aí está feia. Fazia tempo que não via a “fila de espera” deste tamanho, fora os áureos tempos dos concorridos carnavais de Cururupu ou Pinheiro.
Munidos do “salvo-conduto” da passagem, avançamos na contramão até o terminal, uma vez que a pista é simples e “mão” já estava tomada pelos veículos estacionados na “fila de espera” quilométrica – e sem previsão de embarque.
Ainda não eram 15 horas, calor de fazer inveja as caldeiras do inferno, ainda teríamos um tempinho até a hora do embarque.
Um colaborador da empresa que opera o sistema de transporte informou-nos a razão do “caos”: só dois ferry-boat estavam operando – mesmo quando tínhamos sete ou oito já era complicado.
Sem internet ou telefone para trabalhar ou mesmo nos distrair fiquei a pensar que o Maranhão tornara-se um “estado proibido” com sua população ou mesmos os transeuntes de outros estados em poderem se locomover com um mínimo de conforto ou dignidade.
Diante do caos instalado e em véspera de eleições não faltaram foi políticos – com ou sem mandatos –, apontando culpados e tentando se promover.
Na verdade, todos tem uma parcela de responsabilidade no caos que vivenciamos, não apenas no sistema de ferry-boat, mas, também, nas rodovias federais e estaduais que são feitas e reformadas todos os anos e, raramente, encontramos uma que dure mais que um inverno.
Não é de hoje ou de agora que a população reclama das péssimas condições das estradas – tanto que os que moram nas áreas limítrofes com outros estados preferem transitar pelas rodovias dos estados vizinhos –, das péssimas condições do transporte de ferry-boat ou se ressentem da falta de trens de passageiros ou das condições desumanas do transporte urbano, etc.
Essas reclamações vêm de décadas.
O que fizeram ou têm feito os representantes do povo que estão há vinte, dezesseis, doze, oito ou mesmo quatro anos no poder? As excelências federais, estaduais ou mesmo municipais só se deram conta do que são as dificuldades dos cidadãos agora? Por que nunca reclamaram ou cobraram providências dos responsáveis antes do caos se instalar? Por que nunca cobraram satisfações pelo fato das emendas parlamentares que destinam as obras viárias serem tão mal empregadas?
O sistema de ferry-boat – assim como o viário -, não ruiu do dia para noite, assim como funcionará com eficiência “do dia pra noite”, não tem ferry-boat no supermercado para comprar um, dois, três ou uma dúzia, colocar em funcionamento para resolver o problema. De igual forma, é impossível, mesmo que tivéssemos disponíveis, “buscar” um ferry-boat de helicóptero para colocá-lo na travessia de vapt-vupt.
No máximo, o que podem fazer é tentar consertar algumas “sucatas” para tentar aliviar o sofrimento das pessoas que diariamente precisam atravessar a baía de São Marcos.
Ajudaria bastante, também, se nos dois lados da baía tivéssemos um mínimo de estrutura.
Por incrível que pareça as autoridades não se preocupam nem em cobrar das operadoras de telefonia móvel que disponibilizem internet e/ou telefone que “preste” nas imediações dos dois terminais. Já na Ponta da Madeira é sofrível, no Cujupe sequer tem sinal.
Vejam que situação: não basta o cidadão ser privado do sagrado direito de locomoção, ele deve, também, ficar incomunicável.
Presos e incomunicáveis é a sensação dos cidadãos enquanto aguardam a vez de embarcar em um serviço cada vez mais ineficiente e perigoso, pois com apenas dois ou três ferry-boat, funcionando sem parar, é quase certo que não segurarão o “tranco” levando ao colapso total do sistema.
Esse é o preço que pagamos por termos escolhido, aos longo de décadas, representantes sem visão de futuro, que não conseguem enxergar além do almoço do dia seguinte.
Vejam um problema que participamos diariamente: as MA’s que cortam e interligam os municípios da região metropolitana precisam ser duplicadas com urgência.
Até aqui os governos não apenas não fazem isso como permitem que façam edificações quase dentro da pista de rolamento.
Com isso os engarrafamentos são cada vez mais frequentes na estrada de Ribamar, na estrada da Maioba, na estrada da Raposa e até mesmo na MA 204, que interliga as três vias.
Há décadas sabemos da importância de termos uma ponte ligando a capital à baixada.
É inviável uma ponte marítima? Por que não fazermos uma ponte ligando a Estiva a Tauá-Mirim e de lá, para Ilha dos Caranguejos e a sede de Cajapió? Seria o caminho mais curto para baixada.
Tudo bem que o governo anterior demorou mais de sete anos para fazer uma ponte sobre o Rio Pericumã e que três pontes sobre a foz do Mearim demandaria mais tempo, mas se nunca planejarem ou iniciarem, nunca serão feitas, e como costuma dizer o amigo Andinho, lá de Santa Helena: o “baixadeiro” continuará a sofrer.
Abdon Marinho é advogado.