AbdonMarinho - A sucessão estadual e a pilhéria de Cizino.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A sucessão estad­ual e a pil­héria de Cizino.

A SUCESSÃO ESTAD­UAL E A PIL­HÉRIA DE CIZINO.

Por Abdon Mar­inho.

SEM­PRE que posso ligo para o ex-​deputado Ader­son Lago para bater um papo sobre assun­tos diver­sos, prin­ci­pal­mente sobre política, assunto que con­hece como poucos e sobre o qual pos­sui uma “memória de ele­fante” sobre fatos, cir­cun­stân­cias e pes­soas. Adquiri este hábito há quase vinte anos, quando ele pas­sou por um trata­mento médico em São Paulo. Como ficava muito tempo só, podia rece­ber as lig­ações e podíamos con­ver­sar por horas.

Naquele tempo, quando ainda não havia a comu­ni­cação instan­tânea ao alcance da mão, geral­mente aos domin­gos, lia todos os jor­nais locais logo cedo e lig­ava pra ele para tro­car­mos ideias sobre os acon­tec­i­men­tos.

Hoje, sem­pre que o tempo per­mite – pois nos­sas con­ver­sas são lon­gas –, cos­tu­mamos tro­car umas ideias que só enrique­cem meus tex­tos e minha memória.

Por vezes, ele começa a con­tar algo e per­gunta: — eu já te con­tei isso?

Em trinta anos de amizade já con­hece­mos muitas histórias, entre­tanto, mesmo que já tenha con­tado – até mais de uma ou duas vezes –, digo que não para que conte nova­mente, pois sem­pre vem um ou outro detalhe que não guardei ou que pas­sou despercebido.

Ader­son é uma espé­cie de arquivo vivo da política local.

Um outro político com quem sem­pre con­verso – este mais pelos casos pitorescos –, é o tam­bém ex-​deputado Mar­cony Farias.

Não faz muito tempo, estava Mar­cony no escritório, puxei um assunto com ele.

— Ah, Mar­cony, fiquei sabendo que os gov­ernistas do Maran­hão, quase todos me odeiam, um amigo me contou.

Ele olhou para mim, entre a dúvida e o espanto, e disse: — é mesmo?!

Con­tin­uei: — pois é, meu amigo, soube que é por conta dos meus tex­tos. Mas você é teste­munha que em mais de mil tex­tos, crôni­cas e car­tas que escrevi até aqui, nunca falei mal de ninguém, nunca os ataquei, nunca me afastei da ver­dade e da opinião isenta …

Mar­cony atalhou-​me com frase cor­tante: — você é louco?! Você não sabe que não se pode dizer a verdade?

Quase me acabo de rir da con­clusão que teve sobre a atração pelo ódio que trago comigo e mudamos de assunto.

Voltando ao amigo Ader­son, acho que foi há uns trinta anos – quando tra­bal­hei na ALEMA ou durante a cam­panha de 1994 –, que ele con­tou aquela pil­héria que sem­pre conto aos ami­gos próx­i­mos sobre as três coisas que se deve respeitar.

Tangido pelos acon­tec­i­men­tos e curioso por saber a auto­ria da pil­héria, que já conto esses anos todos, liguei para Aderson.

— Ader­son tu lem­bras quem era o político que dizia que só tinha três coisas que respeitava? Tu me con­teste isso há uns trinta anos.

Aí vem o show da memória:

— Ah, Abdon, quem cos­tu­mava dizer isso era um cidadão de Baca­bal chamado Cizino, ele não era político, era “metido” a empresário. Não sei se ainda é vivo. Ele foi casado com a viúva do finado Raimund­inho lá do Povoado Canaã. Era ele que cos­tu­mava dizer que só tinha três coisas que respeitava: gov­erno, rio cheio e p… duro.

Acred­ito que tais fatos e que ele tenha ouvido tal pil­héria lá pela primeira metade dos anos sessenta, quando era um ado­les­cente e seu tio Benu Lago (Bened­ito de Car­valho Lago), era o prefeito daquela urbe (1961 a 1966).

Por baixo, é uma história com quase 60 anos que conta com a pré­cisão de fatos ocor­ri­dos ontem.

Além da história, de todo o resto, só pare­ceu famil­iar o Povoado Canaã, lugarejo onde o tio do meu sócio, Wal­ter Lima Gomes, ex-​prefeito de São Luís Gon­zaga, pos­suía uma linda pro­priedade.

A pil­héria de Cizino, con­forme já con­tada e recon­tada inúmeras vezes é a seguinte:

Dizia Cizino: — doutor, só tem três coisas que respeito: o rio cheio; o gov­erno e p … duro. Prosseguia expli­cando ao inter­locu­tor ou numa roda de con­ver­sas: o rio cheio, você tá vendo aí o Mearim, quando enche, vem destru­indo tudo, expul­sando as famílias, destru­indo as plan­tações, quando rio está cheio, você respeite; o gov­erno, você tam­bém sabe, gov­erno pode tudo, prende, solta, demite, admite, nomeia, trans­fere, faz coisas que até Deus duvida, gov­erno é gov­erno, você respeite. Dava uma parada e esper­ava pela curiosi­dade de alguém da audiên­cia. Se algum per­gun­tava: — e p… duro, Cizino? Ele não se fazia de rogado e virando-​se para inter­locu­tores, prosseguia: — você vira para um lado tem gay, vira para outro um veado – virando a cara para os que o cer­cava –, quando você vê alguém de p … duro mesmo, você respeite.

E caía na gar­gal­hada jun­ta­mente com os demais que já con­heciam a pil­héria.

Quando, lá atrás, lem­brei da pil­héria e per­gun­tei a Ader­son, foi a propósito da artic­u­lação política dos gov­ernistas com vis­tas as próx­i­mas eleições.

Como na pil­héria, o “gov­erno agiu como gov­erno”. Ou, nas palavras de Ader­son Lago, em situ­ações análo­gas, atirou sem “tomar chegada”.

Em pouco tempo tirou dos prin­ci­pais adver­sários ali­a­dos que se prom­e­teram juras de amor eterno.

Foram artic­u­lações bem efi­cientes e efi­cazes a tal ponto de um amigo, destes que perde o amigo mas não a piada, dizer-​me, a propósito de uma certa jogada: — Abdon, acho que nesta artic­u­lação “empen­haram” um dos leões que orna­men­tam a entrada do palá­cio.

Rindo da graça com­pletei: — é pos­sível, mas ainda tem o outro. Rsrs

Muito emb­ora seja recon­hecida a maes­tria dos artic­u­ladores gov­ernistas na atual tran­sição, não existe eleição fácil – pelo menos não são comuns –, e até a con­sagração nas urnas muita coisa pode acon­te­cer.

Aliás, eleição fácil, ainda das con­ver­sas com Ader­son Lago, só a de 1986, quando prati­ca­mente todas forças políti­cas estatais, gov­erno fed­eral, estad­ual, se uni­ram em torno da can­di­datura de Cafeteira. Segundo ele, era uma festa, os coor­de­nadores de cam­panha pen­savam em uma coisa e logo ela se “mate­ri­al­izava” como se fosse mág­ica.

Uma outra “eleição fácil” essa con­tra os clientes com os quais tra­bal­hava foi a de 1998, quando Roseana Sar­ney reelegeu-​se “sem sair de casa”, der­rotando Cafeteira.

Na atual quadra política, ape­sar das hostes gov­ernistas terem feito com certa efi­ciên­cia o “dever de casa” o avanço da cam­panha e do xadrez político out­ros “tal­en­tos” pre­cisam ocor­rer, entre os quais o do atual gov­er­nador “fin­gir” que não gov­erna de sorte a man­ter inque­brável a aliança com o ante­ces­sor.

Em out­ras palavras, não só ele mas os “seus” man­terem exces­siva dis­crição no exer­cí­cio das suas funções evi­tando que­brar os cristais que rep­re­sen­tam tais relações – ainda mais com os adver­sários apo­s­tando e tra­bal­hando para fomen­tar as intri­gas e cizâ­nias.

Ape­sar de, como dizia Cizino, “gov­erno ser gov­erno”, e talvez até reforçando tal assertiva, a política do Maran­hão reg­istrou um fato inédito, pelo menos para quem acom­panha a política desde a rede­moc­ra­ti­za­ção do país, em 1984.

Não me recordo, em nen­huma das eleições que assisti e até tra­bal­hei como advo­gado, da união de quase todos os par­tidos políti­cos do campo oposi­cionistas em torno de uma can­di­datura ao Senado da República.

Este é um acon­tec­i­mento político “espe­cial” e emblemático.

Se anal­is­ar­mos bem, há cerca de um mês o senador Roberto Rocha, atual tit­u­lar da vaga em dis­puta nas eleições de out­ubro, não tinha sequer leg­enda, grupo político estru­tu­rado ou qual­quer outra condição que o colo­casse na dis­puta majoritária de forma “viável”.

Em menos de um mês, estava apre­sen­tando em cole­tiva de imprensa que será can­didato à reeleição com o apoio de, nada menos, que onze par­tidos e de qua­tro can­didatos ao gov­erno estad­ual.

Como deixar de recon­hecer que esse é um fato político extra­ordinário? De repente, um político que não tinha um par­tido que lhe abri­gasse passa a ter onze e qua­tro can­didatos ao gov­erno lhe apoiando, onde pelo menos três destes têm chances de dis­putar o segundo turno.

É bem provável que nós, os comuns mor­tais, jamais saibamos dos basti­dores desta que ao meu sen­tir, foi a mais bem suce­dida artic­u­lação política, no Maran­hão, desde a rede­moc­ra­ti­za­ção do país, repito.

Resta-​nos espec­u­lar o que podemos fazer usando os próprios adá­gios da nossa política.

Aquele antigo político maran­hense cos­tu­mava dizer que jabuti em cima de árvore ou foi enchente ou mão de gente.

Emb­ora este­jamos em tempo de rios cheios, acredita-​se que o mila­gre da mul­ti­pli­cação dos par­tidos deu-​se pela mão fed­eral, no caso aquela mesma mão que prom­e­tera “var­rer o comu­nismo do Maran­hão”.

O que antes pode­ria pare­cer um arroubo retórico, imag­ino, ainda na espec­u­lação, que tenha se trans­for­mado numa ação prática em bene­fí­cio do senador maran­hense ou mais que isso, con­tra a pre­ten­são do ex-​governador virar senador da República.

Se assim for, esta­mos ape­nas no princí­pio de uma “par­tida” que será jogada sem lim­ites de val­ores, pois como dizia Cizino “gov­erno é gov­erno” e esse “cimento” – que une tanta gente e par­tidos em torno do senador pete­bista para der­ro­tar o social­ista –, “é fed­eral”.

Como dizia, tudo isso é no campo da espec­u­lação, pois os “jogadores da política” fazem suas apos­tas con­forme seus inter­esses e instinto de sobre­vivên­cia.

O apoio dis­pen­sado agora, além das con­tra­partidas pre­sentes, é uma moeda para uma ret­ribuição futura.

E, por fim, valendo-​me de outro adá­gio, este de meu pai, que dizia: — meu filho, no Maran­hão o que din­heiro ou “taca” não resolver, você pode ter certeza, é porque foi pouco.

O jogo está ape­nas no iní­cio, aguardemos os próx­i­mos lances.

Abdon Mar­inho é advo­gado.