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Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novembro de 2024



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho


UMA TRAGÉDIA SE ANUNCIA NO HORIZONTE DO PAÍS. 

Por Abdon Marinho.

QUANDO falo que uma tragédia se anuncia no horizonte do país é provável que o leitor desavisado ou impaciente pense que eu vá falar de uma provável eleição do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva ou da reeleição do atual presidente Jair Messias Bolsonaro. 

Muito embora, um ou outro destes eventos, fatalmente ocorra – o que será trágico –, essa será uma tragédia com prazo de validade já definido. 

A natureza, na sua sabedoria, estabeleceu um “prazo de validade” para os humanos levando-nos a acreditar que todo o mal que possam fazer as pessoas e ao país, muito mais cedo do que tarde cessará.

A tragédia que falo e que, ao meu sentir, é verdadeiramente merecedora de tal adjetivo é a que tanto os governos, nos seus vários níveis, quanto a sociedade, em seus seguimentos, tem feito em relação as nossas crianças e adolescentes.

Não me recordo quem disse – mas certamente já disseram –, que o grau de civilização de um povo se afere pela forma de tratamento que este povo dispensa às suas crianças e jovens. 

Em sendo verdadeira tal assertiva, o Brasil se aproxima cada vez mais da barbárie em detrimento da civilização. 

Aqui não estou a referir-me apenas ao trabalho infantil, a exploração sexual, a violência doméstica, que sempre existiram, mas, principalmente, ao desinteresse da sociedade em acolher e proteger o futuro da nação. 

Cada vez mais vemos crianças nascerem por interesses econômicos dos pais, como por exemplo,  receberem recursos dos programas assistenciais.

Cada vez mais assistimos aos pais não se preocuparem em mandar os filhos para as escolas ou se mandam não é para que aprendam, mas para que não percam um ou outro benefício assistencial ou mesmo para “filarem” um prato de comida. 

Cada vez mais vemos pais dizerem que não têm controle sobre os filhos ou se o tem é à base da violência contra os mesmos. 

Se não há no seio da família o interesse em cuidar e acolher seus pequenos, o mesmo desinteresse é sentido no conjunto da sociedade.

Fui alertado para tal situação outro dia quando fui avisado que em determinado município a administração pública não conseguia formar um Conselho Municipal de Defesa da Criança e do Adolescente – CMDCA, que já estava vencido há dois anos pois não encontravam membros na sociedade dispostos a integrar o mesmo. 

Fui informado que por serem os cargos do conselho honoríficos, ou seja, sem qualquer remuneração, não atraía qualquer interesse, muito ao contrário, só a recusa dos cidadãos da urbe. 

Ora, o CMDCA é o conselho responsável pelo planejamento, sugestões e acompanhamento de todas políticas públicas municipais voltadas para a defesa das crianças e dos adolescentes, cabendo-lhe cobrar ações efetivas do poder público e dos demais órgãos quando os direitos dos mesmos são violados ou não cumpridos. 

Trata-se, portanto, de um conselho importantíssimo, pois cuida do futuro do município, do estado e do país. 

Ainda assim, restava parado por falta de interesse da sociedade em compô-lo. 

E, vejam, este município, como todos os demais, possuem todos os problemas – e mais alguns –, que assistimos no dia a dia de qualquer cidade do país: exploração sexual, uso de drogas, trabalho infantil, falta de interesse pela educação, pequenos furtos, e tantos outros. 

Cuidar das crianças e adolescentes é cuidar do nosso próprio futuro; é sabermos que se dermos um rumo para as crianças hoje, estaremos evitando que amanhã essa criança neglicenciada se torne um marginal, pratique atos de violência contra nós mesmos ou contra os outros e venha sobrecarregar a nação com despesas no sistema de saúde ou penitenciário. 

A única solução que temos para assegurar o futuro do país, também, no momento, é parte do problema: a educação. 

Desde sempre que sabemos ser a educação a solução para todos os males do país. 

Apesar disso, sabemos, também, que desde muito a educação não vem cumprindo tal papel. 

Por conta de um novo projeto que cativou bastante tenho estudado e discutido muito sobre a educação brasileira, muito além do que já fazia ao longo dos meus 25 anos como advogado atuando no municipalismo e até antes, como assessor na Assembleia Legislativa ou nos movimentos estudantis no ensino médio e universitário. 

Conversando com gestores, prefeitos, secretários, assessorias pedagógicas, sinto que há quase uma unanimidade em apontar como principal problema da educação brasileira a desmotivação dos profissionais envolvidos no sistema. 

Como integrantes da sociedade desinteressada pelo futuro de crianças e adolescentes, os profissionais da área educacional, segundo estes gestores, mal cumprem “tabela”. A figura do educador que chamava e tinha orgulho do progresso intelectual e formação profissional daquela criança que viu crescer, já é uma pálida lembrança. 

Imaginam que, quem sabe, deixando as crianças à vontade nas suas algazarras ou interditos nos smartphones durante as aulas não terão seus carros com pneus esvaziados ou riscados. 

Vejam o roteiro da tragédia anunciada: os pais que demonstram uma profunda negligência na formação dos filhos, por não saberem como criá-los ou mesmo pela irresponsabilidade de não querer fazer isso; uma sociedade que acha que não é com ela a responsabilidade por formular e cobrar do poder público políticas efetivas de proteção, formação de crianças e adolescentes; e uma escola “desmotivada”. 

Qual será resultado disso tudo?

O resultado já está aí à vista de todos: na violência praticada por crianças cada vez mais novas; nos indicadores educacionais na rabeira; no atraso econômico do país. 

Falta ao Brasil um planejamento estratégico de longo prazo. 

No rumo que estamos trilhando, nem como celeiro de mão de obra barata serviremos, pois, a ela, embora abundante, faltará qualificação mínima. 

A única forma que enxergo para mudarmos o roteiro da tragédia é através da educação, principalmente, a educação básica onde se concentra a raiz do problema. 

As crianças brasileiras, notadamente, as do ensino público, já estão, em média, oito anos atrás das crianças do ensino privado. 

Com tamanho atraso é inconcebível que as crianças tenham apenas quatro horas por dia de aula – das quais, talvez, menos de três se aproveite com conteúdo. 

Precisamos de gestores e professores que tenham consciência de que da suas ações – e omissões –, depende o futuro do país. 

O ensino fundamental brasileiro precisa, como uma emergência nacional, tornar-se integral, com as crianças, pelo menos, das 08 às 17 horas, na escola, estudando ou em atividades complementares que as retire das ruas, do ócio e das tentações do dinheiro fácil, do jeitinho ou da ignorância de achar que a falta de conhecimento e formação não são importantes ou que não precisam disso. 

A reestruturação da educação brasileira é algo que precisa ser feita com trem viajando. Não é possível se imaginar que iremos esperar dotar toda a rede de estrutura física para iniciar o ensino integral. 

Não temos tempo pra isso. Já estamos, como disse anteriormente, muito atrasados. 

Precisamos “para ontem” correr atrás do “prejuízo”. 

As crianças do ensino fundamental precisam imergirem no aprendizado para tentarem alcançar as demais crianças que tiveram a sorte estourarem não rede privada e que não sofreram tantos prejuízos com a pandemia. 

Sem o apoio das famílias, diante uma sociedade apática e com escolas “desmotivadas”, não podemos esperar muita coisa destas crianças, ainda mais agora quando elas ficaram em casa –ou nas ruas –, por dois anos, sem qualquer rotina de estudos. 

Na falta de escolas integrais, o contraturno pode ser uma alternativa aceitável, desde que não seja para poucos ou como exceção para suprir deficiência em uma outra disciplina. 

O contraturno pode e deve ser utilizado como estratégia para suprir as necessidades dos conteúdos não aprendidos nos últimos anos e, também, como forma para tentar resolver a enorme distância temporal entre as duas redes: a pública e a privada. 

Imaginar que estas crianças terão as mesmas condições de concorrer ao ENEM ou vestibular ou mesmo na via profissional é alienar-se da realidade que estamos vivenciando. 

Lembro de imaginar que o ENEM ou mesmo o vestibular eram sistemas justos, pois todos tinham as mesmas chances. 

Como imaginar isso, atualmente, se alguns concorrentes, em conteúdos e condições de aprendizagem ofertadas, estão, em média, oito anos à frente uns dos outros? 

É ilusório imaginar que sem uma reforma na base educacional brasileira dando as todas as crianças chances iguais de conhecimentos, poderemos, no futuro, falar em igualdade de oportunidades. 

Estou convencido de que não temos mais um dia a perder com discussões tolas ou debates estéreis. 

Estejam certos, caso não façamos nada, caso nos omitamos, a tragédia que se descortina para o futuro do Brasil será muito maior do que a eventual eleição de Lula ou de Bolsonaro.  

Abdon Marinho é advogado.