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Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Segunda-feira, 25 de Novembro de 2024



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho

A IMPUNIDADE LAVADA NA LAMA. 

Demorei, propositadamente, a me manifestar sobre o desastre ambiental causado pelo rompimento das represas de contenção de rejeitos em Mariana (MG). 

Esperei para ver o posicionamento das autoridades diante de uma dos maiores desastres ambientais já registrados no país.

Até agora não temos tido qualquer surpresa: indenizações pífias, a serem administradas pela própria empresa causadora do desastre;  multas, que parecem quererem levar no “bico”, como, aliás, sempre fizeram; reparações às famílias feitas de qualquer jeito.

Claro que haverão de argumentar que tudo ainda está muito recente, que não se tem, ainda como aquilatar todas as situações.

Um assunto, entretanto, parece não constar da pauta de ninguém, nem das autoridades, nem dos implicados: a responsabilização criminal dos que deram causa ao crime ambiental e as mortes de mais de uma dúzia de pessoas, desaparecimentos de outras tantas, a morte dos rios e afluentes com suas centenas de espécies de flora e fauna. Tratam o assunto como se fosse obra do acaso, como se não houvessem culpados, como se não houvessem responsáveis. 

Decerto que há inquérito aberto sobre o fato. Algum delegado deve está investigando. Apesar disso,  tal é a posição secundária que o mesmo tem ocupado que é como se não existisse. Não duvidem que ao fim de longos anos ninguém seja apontando como culpado. Ou, pior, caso seja encontrado alguns responsáveis – devem ter inúmeros, tanto nas empresas quanto entre as autoridades que tinham o dever de fiscalizar –, o processo se arraste por tanto tempo nos encaminhou da justiça que ninguém, efetivamente, pague pelos crimes cometidos.    

Até aqui as coisas se encaminham assim, para a impunidade.

A gentileza dispensada pelas autoridades brasileiras aos proprietários das empresas que destruíram rios, dezenas de espécie de peixes, mariscos, árvores, ocasionou a destruição de comunidades inteiras, sendo responsáveis por mortes e desaparecimentos, é de brutal contraste com o tratamento que dispensam a um ribeirinho que é pego pescando para sustentar a família durante a piracema ou ao cidadão que matou um palmeira para lhe retirar o palmito ou, ainda, aquele que mata, apreende ou negocia uma ave ou caça. 

Quem não conhece casos de pescadores que foram detidos, tiveram os instrumentos de trabalho aprendidos, responderam a processos e foram condenados por pescar durante a piracema? Quem nunca soube de casos de caçadores artesanais a quem sucedeu o mesmo? Quem não tomou conhecimento do caso do cidadão que foi preso por destruir uma palmeira numa área de reserva?

Situações acima não são figuras retóricas. Aconteceram efetivamente. A lei ambiental é aplicada com muito mais freqüência que acostumamos presenciar quando os seus destinatários são os pobres, os despossuídos, cidadãos humildes que saem para passarinhar ou para pescar, sem sequer saber, se o estão fazendo constitui crime. 

O mesmo rigor, ao que nos parece não vem sendo observado no caso do rompimento das barragens de Mariana. Até aqui nenhum executivo ou controlador das empresas foram detidos ou mesmo constrangido, o mesmo se diga daqueles que tinham o dever funcional de fiscalizar, das autoridades.         

Chama a atenção a incrível rapidez com que os órgãos ministeriais, Ministério Público Estadual e Federal aceitaram a proposta de criação de um fundo a ser administrado pela empresa causadora dos danos, no valor de um bilhão para recuperação ambiental. Embora o número pareça significativo, é ínfimo diante dos danos causados e fica muito aquém dos valores oferecidos por outras empresas em idênticas situações. Basta comparar com outros desastres ambientais ao redor do mundo. 

Ainda com as multas aplicadas, os valores que as empresas irão desembolsar (se desembolsar) não chegam sequer perto de sanear todo o mal causado. São famílias sem seus entes queridos; é a historia da comunidade destruída que jamais será reposta; o patrimônio histórico, paisagístico, as histórias não serão devolvidas; é o transtorno causado as populações que dependiam dos rios para o abastecimento de água, o comércio, o turismo. Nada será como antes.

O Rio Doce deverá levar décadas para se recuperar, a vida materializada através suas espécies talvez nunca  seja mais a mesma. O mesmo acontecendo com a vida das milhares de espécies existentes e que se reproduzem no seu estuário.

Apesar disso, até aqui, os bacanas não estão sendo incomodados (não como deveriam). E, nem mesmo no bolso sentirão o suficiente pelos danos que causaram.

O mesmo se diga dos agentes públicos que tinham e têm o dever de fiscalizar e verificar o cumprimento das normas de segurança. Estes não sofrerão nada e ainda devem ser promovidos.  

Um rio inteiro vale menos que um quilo de peixe? Uma palmeira vale mais que seiscentos quilômetros de matas ciliares? Um tatu vale mais que dezenas de vidas perdidas?

A omissão das autoridades brasileiras é tamanha que a ONU se manifestou reclamando. Trata-se de mais um vexame. 

Abdon Marinho é advogado.