INTERVENÇÃO E VIOLÊNCIA: A ÚLTIMA CARTADA.
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- Criado: Sexta, 02 Março 2018 11:50
- Escrito por Abdon Marinho
INTERVENÇÃO E VIOLÊNCIA: A ÚLTIMA CARTADA.
Por Abdon Marinho.
O GOVERNO federal decidiu pela intervenção no Rio de Janeiro, tendo conseguido o apoio de larga maioria nas Casas do Congresso Nacional.
A intervenção, pelo ineditismo – a primeira desde a redemocratização do país –, como era de se esperar, causa polêmicas de toda ordem.
Confesso que tenho sérias dúvidas quanto ao instrumento usado: o governo federal assumir a segurança pública de uma unidade da federação nos deixa reféns da ideia de que não podemos falhar. A falha numa missão como esta representará a decretação de falência do Estado e a bandidagem retornará aos seus postos bem mais fortalecida.
Este é o meu “senão”. Mas não tenho dúvidas que alguma medida precisaria ser adotada e com urgência.
Os números da violência são acachapantes: mais de sessenta mil homicídios por ano; policiais sendo abatidos como moscas; os bandidos afrontando o Estado de todas as suas formas.
Não são apenas bandidos fantasiados disparando fuzis ou metralhadoras ou promovendo arrastões nas areias das praias, nas avenidas de grande circulações, temos em diversos cantos do país, quase todos os centros urbanos, zonas onde o crime organizado domina, faz o direito, diz o que o cidadão de bem, trabalhador, deve ou não fazer, já estabelecendo a pena no caso de desobediência.
O sentimento da sociedade é que a guerra contra a criminalidade está perdida. Os investimentos na segurança pública, nos instrumentos de investigação e inteligência, em todo país são pífios.
Na outra ponta temos a criminalidade cada vez mais “profissionalizada” com uma imensa capacidade de adaptação, com recursos de sobra para corromper todos aqueles que se disponham a serem corrompidos.
Na questão da segurança uma imagem bem ilustrativa é que na corrida o Estado vai de elefante e a criminalidade vai de tigre. Ou, ainda, a difícil missão de enxugar gelo.
A sociedade ao apoiar uma intervenção militar na segurança do Rio de Janeiro tem na mesma uma espécie de derradeira “tábua de salvação”, quer acreditar que os militares irão “resolver” aquilo que as autoridades civis prometem há mais de trinta anos e não resolvem, pelo contrário, nas últimas décadas temos um recrudescimento da criminalidade em todo país até chegarmos aos inacreditáveis números de hoje.
E vejam que no quesito segurança a morte violenta intencional, talvez, nem seja o indicador mais grave – embora o mais radical –, temos os roubos, furtos, arrombamentos, o tráfico de drogas, de pessoas, as várias modalidades de extorsão, etc.
A intervenção – ainda que em um único setor da administração –, é uma medida excepcional. O princípio é o da “não intervenção”, conforme se depreende da leitura do texto constitucional: “Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: … III — pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;”
Assisto debates, vejo as manifestações da classe política e, infelizmente, fico com a impressão de que muitos não sabem a gravidade da situação pela qual vem passando país. Não se dão conta que o Brasil é um paciente enfermo precisando de cuidados excepcionais e não terá cura sem um conjunto de medidas dos seus dirigentes.
Qualquer pessoa com um mínimo de bom senso é sabedora que a intervenção federal é uma medida que, se bem empregada, vai apenas diminuir os impactos da violência na vida dos cidadãos, estando, sobretudo, sozinha, longe de representar uma solução definitiva.
Ainda assim, retirar os cidadãos da situação de guerra em que se encontram, onde cada saída de casa representa um risco a vida; onde mesmo dentro de casa correm o risco de serem alvejadas por balas perdidas; onde os crianças não conseguem estudar sobressaltadas por mais de uma dezena de tiroteios diários, representa um relativo avanço, um trégua enquanto se busca soluções reais.
O crime organizado cresceu, também, como consequência do preconceito com qual sempre se encarou a segurança pública, principalmente nas últimas décadas.
Não sei quem colocou na cabeça dos dirigentes deste país que os criminosos são, necessariamente, vítima da sociedade e que toda violência é possível se combater apenas com políticas públicas.
Presos neste raciocínio, vicejaram os discursos de idolatria a bandidos ou a vitimização de todos que fizessem da violência um método de dominação e sobrevivência.
Ainda hoje, diante de tanta crise, não são poucos os que tratam as forças de segurança como “inimigas” da população civil. Havendo, inclusive os que pregam a extinção das Forças Armadas e das Polícias. Um idiotismo sem qualquer amparo na realidade. Estes últimos, felizmente, são minorias.
Voltando à questão específica da intervenção federal no Rio de Janeiro, acredito que é chegada a hora de colocarmos as instituições da República em sintonia com suas atribuições constitucionais, fazendo isso desprovidos de preconceitos.
As Forças Armadas, as polícias têm responsabilidades claramente estabelecidas.
Assim, não há que se falar em inconstitucionalidade ou ilegalidade da intervenção. Ela está posta, decretada pela autoridade e referendada pelas Casas do Congresso Nacional.
Assim, a intervenção federal não é um golpe nas instituições, suas atividades serão monitoradas por diversos mecanismos de controle das instituições de Estado.
Ao meu sentir trata-se de um grande equívoco das forças políticas (parte dela) colocar em segundo plano a grave questão da segurança pública, para tratar a intervenção federal como jogada de marketing dos atuais inquilinos do Planalto.
Não duvido que isso possa acontecer – os incapazes são capazes do inimaginável. Entretanto, não acredito que isso ocorra com o consórcio das Forças Armadas, estas, estou certo, estarão preocupadas em se desincumbirem de sua missão e tudo farão neste sentido.
Acredito, também, que sem outras medidas: controle das fronteiras, um Judiciário e um Ministério Público engajados, além das polícias, e ainda uma legislação mais rigorosa, não iremos muito longe no esforço de combater a violência, tão sedimentada.
Vejam, não faz muitos dias noticiou-se os assassinatos de importantes figuras de um dos maiores grupos criminosos do país – provavelmente um acerto interno da própria quadrilha –, estes bandidos, pelo menos um deles, estava foragido graças a uma decisão do STF.
Em outras palavras, e fazendo coro ao discurso comum, não adianta a polícia investigar, prender se na outra ponta temos leis especialmente bondosas com os criminosos, leis que fazem o crime compensar.
Não adianta dizer que vão enfrentar o crime organizado sem leis mais duras, que leve os bandidos a temê-las.
Não adianta dizer que vão combater o crime se vão insistir com essa cultura do “solticídio”, para a qual bandido bom é bandido solto.
Precisamos de um conjunto de medidas que desestimule e puna com rigor os delitos.
Sem a compreensão da gravidade da situação, a violência tenderá a aumentar.
Se isso ainda for possível.
Abdon Marinho é advogado.