AbdonMarinho - O ESTADO, A BARBÁRIE E O CIDADÃO.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sexta-​feira, 22 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O ESTADO, A BAR­BÁRIE E O CIDADÃO.

O ESTADO, A BAR­BÁRIE E O CIDADÃO.

E O BRASIL, pelo que parece, foi a apre­sen­tado à ver­dade que teimaram em ocul­tar nos últi­mos anos. E, a ver­dade, por mais dura que possa pare­cer, é que o Estado brasileiro tornou-​se refém do crime organizado.

O capit­ulo final a retratar a capit­u­lação Estado foi con­vo­car as Forças Armadas para tomar conta de pre­sos, reforçar a segu­rança em presí­dios, e out­ras ativi­dades cor­re­latas, todas bem dis­tante de suas atribuições constitucionais.

O que está posto é que o Estado – através de seus entes fed­er­a­dos – não con­segue con­tro­lar o que acon­tece den­tro de suas insta­lações pen­i­ten­ciárias. Uma ressalva: que as autori­dades não con­trolavam o que ocor­riam nos presí­dios é algo que vem de longe. Desde sem­pre que se fala na tal «lei da cadeia» onde os líderes impõem suas von­tades aos demais pre­sos à rev­elia do chamado «estado de direito».

As autori­dades e, mesmo a sociedade, sem­pre sou­beram disso e, pas­mem, coon­es­taram com este tipo de coisa. Quan­tas vezes não vimos/​ouvimos de todos eles (tanto autori­dade quanto cidadãos) que o indi­ví­duo que come­teu deter­mi­nado delito, como por exem­plo um estupro ou outro de natureza semel­hante ou mais grave iria pade­cer quando fosse cumprir a pena imposta pelo Estado? Isso, dito com um certo regoz­ijo, como se fosse nor­mal o cumpri­mento da pena em situ­ação mais gravosa que aquela imposta pela lei.

A situ­ação diante da qual nos deparamos é a óbvia con­se­quên­cia da neg­ligên­cia estatal, prin­ci­pal­mente, nos últi­mos anos, uma vez que, enquanto o crime orga­ni­zado se estru­turou den­tro e fora dos presí­dios, o Estado não se preparou para enfrentá-​lo, não con­struiu novas, mod­er­nas e menores unidades, não com­bateu a cor­rupção no sis­tema pen­i­ten­ciário ou o modernizou.

A per­gunta que não cala é: se as autori­dades não con­tro­lam presí­dios têm como con­tro­lar 23.102 km de fron­teiras? Qual­quer um é capaz de deduzir a resposta.

Será que armas, dro­gas, celu­lares ou out­ros ape­tre­chos «bro­tam» nas celas? Não. Cer­ta­mente alguém se cor­rompeu para que estas coisas se tornem acessíveis aos presos.

Nada rev­ela mais a inca­paci­dade estatal que os inves­ti­men­tos em blo­queadores de celu­lares. Ora, só pre­cisam de blo­queadores de celu­lares nos presí­dios porque alguém os deixou entrar. Se entrou foi porque não houve vig­ilân­cia, seja de agentes públi­cos, seja de visitantes.

Incom­petên­cia pura, falta de inves­ti­men­tos. Não é admis­sível que se coloque meia dúzia de agentes para tomar conta de mil­hares de pre­sos. Não é admis­sível que não se use os recur­sos tec­nológi­cos para con­tro­lar os aces­sos aos pri­sioneiros ou impedir o con­tato físico entre estes e suas vis­i­tas ou mesmo advogados.

O Estado foi neg­li­gente e pre­con­ceitu­oso ao igno­rar a neces­si­dade de novas vagas nos presí­dios. Como não neces­si­tava de vagas se a vio­lên­cia no país só tem aumen­tado ano a ano? Só o pre­con­ceito jus­ti­fica tamanha falta de visão.

Não se abre vagas em presí­dios, não cria novas unidades por que na ver­dade acred­i­tam numa recu­per­ação idílica de tudo quanto é crim­i­noso, real­i­dade jamais exper­i­men­tada no mundo.

Mas, fiz­eram pior, as condições degradante dos presí­dios ali­a­dos a perda de con­t­role e a abso­luta leniên­cia com a qual apli­cam a lei penal, tornou o Estado o prin­ci­pal fornece­dor de mão de obra para o crime organizado.

As denún­cias que se tem – e não é de agora – é o preso, qual­quer um, quando chegava ou chega a unidade pri­sional era/​é com­pelido a escol­her uma facção crim­i­nosa, mesmo aque­les que antes de come­ter o delito não o fazia por per­tencer a nenhuma.

A ação do Estado gerando mão de obra. Depois o sis­tema pri­sional «evoluiu». Criou-​se o grupo dos «neu­tros», que, sem qual­quer apoio do Estado – e falo ape­nas no sen­tido de garan­tir min­i­ma­mente as condições para o cumpri­mento da pena –, pas­sou a ser abu­sado pelas facções crim­i­nosas ou aderindo a elas como forma de mino­rar o padec­i­mento den­tro sis­tema carcerário que se tornou, nada mais, que um depósito de gente.

O resul­tado é o que temos visto: o Brasil e o mundo estão sendo apre­sen­ta­dos, neste iní­cio de ano, à cul­tura de bar­bárie que impera no sis­tema pri­sional brasileiro, por obra e graça de anos de neg­ligên­cia, incom­petên­cia e cor­rupção do Estado brasileiro.

O mundo civ­i­lizado deve chocar-​se ao desco­brir que no Brasil em menos de 30 dias – ao menos pub­li­ca­mente –, já se decapi­tou mais seres humanos do que no imag­inário cal­i­fado do Estado Islâmico.

Com razão, deve inda­gar como uma nação tão ale­gre e hos­pi­taleira é capaz de con­viver com uma real­i­dade carcerária da Idade Média, com pes­soas cumprindo penas além da con­de­nação, sendo sevi­ci­a­dos, decap­i­ta­dos, retal­ha­dos, numa espé­cie de bar­barismo que não se deve dis­pen­sar a qual­quer ser vivo.

Em meio à incom­petên­cia estatal para lidar com suas respon­s­abil­i­dades, o cidadão – que no final de tudo é quem paga a conta –, primeiro, pelos seus recur­sos que não foram usa­dos como dev­ido, e isso é mais que patente.

A cor­rupção é um dos fatores pre­pon­der­antes da atual crise.

Será que alguém duvida que os recur­sos investi­dos no sis­tema pen­i­ten­ciário – inclu­sive supe­rior ao que se gasta com um aluno –, não seriam sufi­cientes para a con­strução de sis­temas ade­qua­dos, den­tro das bal­izas legais, com ali­men­tação digna, espaço, etc.? Cer­ta­mente seriam. Acon­tece que ninguém põe freios à cor­rupção. E, dela (cor­rupção) resulta presí­dios con­struí­dos sobre dunas, celas frágeis, a ponto do preso romper sem esforço suas estru­turas. Resulta, ainda, a maior parte das maze­las: do desvio dos recur­sos para con­strução, do ali­mento, da segu­rança à vio­lên­cia que orde­nam de den­tro de suas celas para a população.

Mais, acaba por incen­ti­var as peque­nas cor­rupções dos que estão na ponta. Aquele cidadão que dev­e­ria impedir que o preso tenha acesso a um celu­lar, a droga ou, até mesmo, a out­ros pre­sos, rivais ou aque­les não fazem parte de qual­quer facção, seja fazendo vis­tas grossas, seja con­tribuindo ati­va­mente com os criminosos.

Segundo, pagando a conta diária da vio­lên­cia que chega para todos, e que não nos faz seguros nem tran­ca­dos den­tro das nos­sas casas.

O cidadão comum não con­segue enten­der quando é infor­mado que os gov­er­nos estad­u­ais onde ocor­reram a matança de pre­sos já se artic­u­lam para ind­enizar as famílias, falando-​se se val­ores em torno de cinquenta mil reais por preso morto.

Não se dis­cute a respon­s­abil­i­dade obje­tiva do Estado em ind­enizar as famílias daque­les que estavam sob sua responsabilidade.

O cidadão deve pagar pela incom­petên­cia de um Estado que não con­segue man­ter ordem ou con­tro­lar as pes­soas, que teori­ca­mente, dev­e­riam está desar­ma­dos, em celas cumprindo suas penas e não man­dando em quem está do lado de fora entre elas, as autoridades.

Pois é, Esta é mais uma novi­dade do Brasil: os pre­sos man­dam nas cadeias, se matam e man­dam a conta para as víti­mas que estão do lado de fora, ou seja, nós os cidadãos pagadores de impos­tos, acabamos por pagar mais está conta.

Deve­mos admi­tir, não é fácil para o cidadão enten­der isso. O cidadão foi preso por matar, por exem­plo, um pai de família que ia ou vinha do tra­balho. O Estado não cogita ind­enizar a família que perdeu seu arrimo, aquele tra­bal­hador que lev­ava uma vida reta, tra­bal­hando seis meses por ano só para pagar impos­tos. Mas, a família daquele que o matou e teve o azar de ser preso – já que pren­der no Brasil tornou-​se cada vez mais raro –, será ind­enizada pela família de tan­tas víti­mas pre­sas den­tro de suas casas.

Não é mesmo uma equação fácil de enten­der. Assim como não é fácil enten­der que a alter­na­tiva ao crime, apre­sen­tada pelo Estado, seja a con­de­scendên­cia com os criminosos.

O Brasil, como alguém disse certa vez, não é para amadores.

Abdon Mar­inho é advogado.