AbdonMarinho - SOBRE O CRIME E A IMPUNIDADE.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sexta-​feira, 22 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

SOBRE O CRIME E A IMPUNIDADE.

SOBRE O CRIME E A IMPUNIDADE. Acom­panho pela mídia local, prin­ci­pal­mente pelas redes soci­ais os fatos rela­ciona­dos a mais uma tragé­dia no trân­sito, desta vez envol­vendo o perec­i­mento de uma cri­ança de 8 anos. Noticia-​se que o motorista que provo­cou o aci­dente estaria ébrio e que, preso em fla­grante, teria sido solto após o paga­mento da fiança estip­u­lada, no valor de R$ 850,00 (oito­cen­tos e cinquenta reais). (Registre-​se que a vítima fatal do sin­istro só veio fale­cer alguns dias depois do aci­dente, devendo ter sido esta a situ­ação a per­mi­tir a soltura ime­di­ata do motorista). O aci­dente seguido da morte da inocente cri­ança que mal des­per­tara para vida, tem moti­vado cor­rentes de sol­i­dariedade e man­i­fes­tações de descon­tenta­mento com o fato das penal­i­dades para aci­dentes de trân­sito serem tão bran­das, ainda mais considerando-​se, segundo dizem, o fato do motorista está alcoolizado. No entendi­mento de muitos, inclu­sive de abal­iza­dos juris­tas das redes soci­ais, o cidadão, ao diri­gir após a ingestão de bebidas alcoóli­cas ou outra sub­stân­cia entor­pe­cente, assumiu, de forma con­sciente a respon­s­abil­i­dade pelo crime prat­i­cado no trân­sito, devendo, por­tanto respon­der pelo mesmo na modal­i­dade dolosa (com pena, nos ter­mos do Código Penal, de seis a vinte anos) e não cul­posa (com pena de detenção de um a três anos), que, emb­ora majo­rada pelas condições que agravam pena, rara­mente faz com que alguém cumpra algum período atrás das grades. Quando a lei fala em culpa ela refere-​se, basi­ca­mente, a situ­ação em que o cidadão, o homem médio chamado, prat­ica qual­quer con­duta sem a intenção de causar mal a alguém, ele agiu com culpa mas sem a intenção, a von­tade delib­er­ada. O prob­lema é quase tudo pas­sou a ser culpa e não intenção. Logo mais, aque­les indi­ví­duos que saíram com bar­ras de ferro no encalço de qual­quer um que ves­tiam a camisa do time adver­sário, matando um, dirão que não tiveram a intenção, que foi ape­nas culpa. Sobre a benev­o­lente leg­is­lação penal brasileira, que na minha opinião é um estim­ulo a grande parte da prática crim­i­nosa, já nos ocu­pamos algu­mas vezes, e nos ocu­pare­mos out­ras tan­tas, o obje­tivo deste texto, no entanto, é outro. Hoje, me ocu­parei deste des­per­tar cívico que motiva dezenas, talvez mil­hares de opiniões con­trárias ao fato das pes­soas come­terem crimes e sairem impunes. Outro dia vi uma reportagem do Jor­nal Nacional, da rede Globo, mostrando uma série de crimes prat­i­ca­dos por menores, na sua maio­ria, estes que são apreen­di­dos num dia e no outro já estão nova­mente soltos, prat­i­cando assaltos, esfaque­ando pes­soas, agindo em bando. Chamou-​me a atenção o depoi­mento, deses­per­ado, de uma sen­hora que a reportagem não iden­ti­fi­cou – talvez para protegê-​la de represálias –, dizendo não aguen­tar mais tan­tos assaltos no cen­tro do Rio de Janeiro; que a situ­ação está insu­portável. Dizia isso enquanto um sen­hor esfaque­ado no ponto de ônibus pelos meliantes aguar­dava, no saguão de um pré­dio, o res­gate das equipes do SAMU. O entendi­mento quanto a crim­i­nal­i­dade, para os gov­er­nantes do Brasil, é que o rigor na pena, a diminuição da maior­i­dade penal, não resolve. Ninguém é tolo em pen­sar que resolva, o que se busca, com leis mais rig­orosas e que sejam efe­ti­va­mente apli­cadas, é acabar com o clima reinante de impunidade que assola o país. Entendo que a pes­soa propensa ao come­ti­mento de deli­tos pre­cisa ter a con­vicção que o Estado não será leniente, que o seu ato terá uma con­se­quên­cia, que ele respon­derá por seu delito nos lim­ites e no rigor da lei, que pas­sará uma tem­po­rada vendo o sol nascer quadrado. Me respon­dam: o cidadão sabendo que ao diri­gir bêbado, ainda que tire a vida de alguém, o máx­imo que poderá lhe acon­te­cer é ser con­de­nado a uma pena de até qua­tro anos que será con­ver­tida em pena pecu­niária ou prestação de serviços a comu­nidade, quando muito, mudará seus hábitos? Pode até mudar, mas são raros os casos. O número de aci­dentes oca­sion­a­dos por motorista alcooliza­dos têm aumen­tado nos últi­mos anos. O mesmo vale para todos os demais deli­tos, se o cidadão sabe que não será punido por nada que faz con­tin­uará a come­ter deli­tos, inclu­sive tirar a vida de out­ros cidadãos. Esta é a situ­ação dos chama­dos “de menor”, eles sabem que podem praticar todo tipo de crime e que sairão impunes, que tem uma licença do Estado para matar, estuprar, assaltar, esfaquear um transe­unte enquanto este, após um dia de tra­balho para sus­ten­tar o gov­erno inepto, aguarda o ônibus na parada. A respeito da redução da maior­i­dade penal, ouvi­ram um deste menores. E, ele disse tex­tual­mente: se diminuir (a maior­i­dade) nós vamos nos revoltar mais. A impressão que fica é o país aceita esse tipo de chan­tagem. Li, não faz muito tempo, o depoi­mento de um irmão do médico Luiz Alfredo Soares, no qual nar­rava o fato de um dos assas­si­nos do médico, menor de idade, já haver cometido dois homicí­dios antes de matar o seu irmão e que depois de matá-​lo ainda come­tera mais um (na conta até aqui, do jeito que são trata­dos, é capaz que cometa uma dezena ou mais, sem ser molestado, enquanto dura sua licença para matar). A sociedade, pelo menos grande parte dela, parece com­preen­der que a repressão penal tem o caráter inibidor de deli­tos, não existe para colo­car menores atrás da grades em presí­dios féti­dos, mas para que saibam que se delin­quirem, podem e serão punidos. Em qual­quer sociedade a impunidade só con­duz a bar­bárie, a vin­gança pri­vada. As man­i­fes­tações que tenho visto em relação ao aci­dente que ceifou a vida da cri­ança, o protesto daquela sen­hora no Rio de Janeiro e tan­tos out­ros posi­ciona­men­tos mostram que a sociedade começa a des­per­tar para gravi­dade da situ­ação que vive­mos e que é ina­ceitável con­tin­uar assim. O papel dos meios de comu­ni­cação e das redes soci­ais, que fazem cir­cu­lar as noti­cias e fatos, tem sido essen­cial neste processo, pois o cidadão não fica mais refém só de uma ou duas nar­ra­ti­vas de fatos, ou de nen­huma nar­ra­tiva, como tan­tas vezes ocor­reram, mais de diver­sos pen­sa­men­tos e posi­ciona­men­tos. Esse des­per­tar crítico é fun­da­men­tal para con­sol­i­dação da democ­ra­cia e para o apri­mora­mento da cidada­nia. Lem­bro de um fato ocor­rido na cidade e que não tem dez anos, acred­ito, em que dois menores fazendo um “racha» em plena Avenida da Ponta da Areia, cei­faram a vida de duas sen­ho­ras, mãe e filha, que iam ou saiam do tra­balho. A mídia silen­ciou ou foi silen­ci­ada com relação ao delito, acho que a sociedade sequer chegou a saber o nome dos autores do delito, Wal­ter Rodrigues, um dos poucos a divul­gar o ocor­rido, certa vez me disse em tom de desabafo: – Abdon, o Min­istério Público Estad­ual, inter­veio no feito em favor dos autores, por serem menores, impedindo até a divul­gação de notí­cias a respeito do aci­dente, duas tra­bal­hado­ras, com famílias, que mor­reram, de graça e que os autores jamais serão punidos. Se fosse hoje, com tan­tas for­mas de cir­cu­lação de noti­cia e com a sociedade mais con­scientes que crimes são crimes, não impor­tu­nando quem os cometa, isso, talvez, não ocor­resse. Ao menos se saberia quem os come­teram. Abdon Mar­inho é advogado.