UM VELÓRIO DEMORADO.
CONFESSO: se tem algo que gosto é uma frase bem feita. Admiro quem sabe juntar letras e palavras e expressar uma um ideia singular, única, inscrevê-la para a posteridade. Talvez por isso também dê tanto valor aos ditos populares.
Nos últimos dias tenho pensado numa frase dita pelo senador Delcídio do Amaral, ex-líder do Partido dos Trabalhadores - PT e do governo. Segundo ele próprio, teria dito ao ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva:
" – Presidente, enterramos nossos mortos em covas rasas, quando menos esperamos, eles ressuscitam".
Difícil perquerir sobre o que tinha em mente ao proferir frase tão certeira e adequada aos dias atuais. Refiro-me às consequências e desdobramentos da operação da Polícia Federal dentro das investigações da Lava Jato e que ganhou o sugestivo nome de "Carbono 14" – aos desavisados, um dos vários métodos de investigar o passado, fazer datação.
A operação investiga, entre outras coisas, um possível repasse de dinheiro ao empresário Ronan Maria Pinto, como objeto de uma possível chantagem aos integrantes do partido, para que não contasse o que sabia sobre esquemas de corrupção que teriam relação com a morte do ex-prefeito de Santo André (SP), Celso Daniel.
Em sendo verdadeira, ainda em sentido figurado, o afirmado pelo senador Delcídio do Amaral de que seus companheiros de partido enterraram os seus mortos em cova rasa, no caso Celso Daniel, em sentido material, a cova (nem mesmo rasa) nunca existiu. Para o assombro das lideranças políticas do partido, este cadáver nunca foi enterrado em cova alguma, permanece o espectro mortuário em um velório sem fim desde o já longínquo ano de 2002. Volta e meia surge uma fato, uma situação nova a perturbar o sossego da companheirada.
Se se tratasse o presente texto de um ensaio sobre o espiritismo poderíamos dizer que a recusa do morto em deixar este plano deve-se aos negócios não resolvidos e que precisam ser esclarecidos para que possa, em fim, descansar em paz. Claro que esta ideia passa longe da originalidade. Vimos e nos emocionamos com algo assim no filme Ghost – Do Outro Lado da Vida, com Patrick Swayze, Demi Moore, Whoopi Goldberg, Tony Goldwyn e Rick Aviles como protagonistas.
Assim como no filme, o prefeito de Santo André, segundo apontam algumas linhas de investigação e especulações pode ter tido a morte encomendada por seus companheiros pela eminência de vir atrapalhar esquemas corruptos milionários, desvios de recursos da prefeitura dirigida por ele. No filme era a lavagem de dinheiro de cartéis mafiosos através do banco.
O velório de Celso Daniel já dura mais de 14 anos. O seu assassinato, passado todo esse tempo, ainda é envolto em mistérios, a começar pela motivação, circustância ou pelo tanto de mortes de pessoas relacionadas a ele – já foram sete até aqui –, bem como, pelas suspeitas veladas e as diversas histórias de chantagens envolvendo pessoas da cúpula do Partido dos Trabalhadores – PT.
As suspeitas, ainda que nunca provadas, sempre encontraram eco no comportamento dissimulado com que trataram a questão. No poder há treze anos, os companheiros de partido do morto nunca mostraram muito interesse em elucidar sua morte. Sempre mantendo uma estranha distância, quando poderiam ter solicitado, inclusive, que a Polícia Federal entrasse nas investigações junto com a polícia paulista. Nada. Até parece que trabalhavam com o hipótese de que tudo seria perdido nas brumas do tempo.
Os fatos são teimosos. Aparecem ainda que sejam através de "Carbono 14". Ou como diria o senador Delcídio ao ex-presidente Lula, os mortos ressuscitam quando menos esperam.
Aliás, um fato novo lança ainda mais suspeição ao comportamento já "esquisito" das lideranças do Partido dos Trabalhadores - PT. Como largamente noticiado, tão logo foi desencadeada a operação "Carbono 14", advogados de Paulo Okamoto, presidente do Instituto Lula, ingressaram na justiça com diversas medidas para anular essa operação, incluindo reclamação ao STF sob o argumento de que aquele tribunal já proibira que a 13ª Vara da Justiça Federal do Paraná, fizesse investigação relacionada ao ex-presidente Lula, e que esta operação seria um desdobramento de uma anterior em que o mesmo estivera implicado.
O que temem essas lideranças partidárias com essa investigação que pode elucidar o assassinato ainda hoje não totalmente esclarecido de um companheiro de partido que foi coordenador da campanha presidencial vitoriosa que os levou ao poder? Que razões possuem para não querer que estes fatos seja esclarecidos? Não parece estranho?
Um dito popular, bem antigo, pode lançar – em reverso – luz a esta questão, diz: "Quem não deve não teme".
Uma frase, esta de autor maranhense conhecido, Coelho Neto, soa como um rasgo de esperança: "A mentira é um manto esfarrapado e curto, que não consegue jamais esconder a verdade".
As pessoas de bem, precisamos acreditar que a verdade sobre aquele crime virá a tona para, finalmente, sabermos quem foram os culpados e as circunstâncias – devemos isso a família –, que sejam os culpados punidos (todos eles), encerrando-se um velório que já duram quatorze longos anos e o morto possa descansar em paz.
Abdon Marinho é advogado.