AbdonMarinho - A BATALHA DA INSENSATEZ E O VOCÁBULO ESSENCIAL.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A BATALHA DA INSEN­SATEZ E O VOCÁBULO ESSENCIAL.

A BATALHA DA INSEN­SATEZ E O VOCÁBULO ESSEN­CIAL.

MUITAS vezes, quando per­gun­tava ao extinto jor­nal­ista Wal­ter Rodrigues sobre a razão de não ter escrito sobre “esse ou aquele tema” (a polêmica da hora), ele cos­tu­mava respon­der: “— Ah, Abdon, não deve­mos escr­ever sobre tudo”.

Pen­sava sobre estas palavras diante do assunto incon­tornável dos últi­mos dias: o con­flito envol­vendo a classe dos mag­istra­dos e a classe dos advo­ga­dos – esta última a qual inte­gro com muito orgulho.

Refle­tia sobre escr­ever sem ter estado no local dos fatos e teste­munhado a origem da celeuma e só pos­suir infor­mações baseadas nas ver­sões dos envolvi­dos ou nos inter­es­sa­dos em “vender” sua própria ver­dade.

Como minha intenção é escr­ever sobre ideias e não sobre pes­soas, tenho que o texto não será prej­u­di­cado.

A primeira impressão, a par­tir da “guerra” sem tréguas e quar­téis, travada, sobre­tudo, nas mídias soci­ais, com ofen­sas e acusações mútuas, é que o con­flito não se dar por conta do episó­dio “iso­lado” ocor­rido em uma audiên­cia qual­quer, quer me pare­cer que este (episó­dio) ape­nas foi a gota d’água que trans­bor­dou o copo de anos de mágoas, ressen­ti­men­tos e incom­preen­sões.

Então, ao meu sen­tir, dever-​se-​ia inves­ti­gar mais a fundo as razões de tudo isso.

Como cheg­amos a este ponto? A quem, afi­nal, inter­essa que se instale esse clima de “guerra”, ani­mosi­dade e desre­speito, não ape­nas entre pes­soas, mas entre cat­e­go­rias que pos­suem imen­sas respon­s­abil­i­dades sociais?

A despeito de sem­pre ter tido uma boa relação com mag­istra­dos, nos mais de vinte anos em que exerço a advo­ca­cia, é certo que exis­tem entre estes alguns que jul­gam “donos” da Justiça, que tratam os advo­ga­dos como se estes fos­sem sub­al­ter­nos; os indo­lentes; os que fogem de suas respon­s­abil­i­dades para as quais são regia­mente pagos (bem acima, aliás do que ganha a média dos cidadãos).

Mas, estou certo, estes são uma mino­ria, que não con­segue empa­nar o brilho de tan­tos que tem na difí­cil mis­são de jul­gar um sac­erdó­cio e que a exerce com retidão e dignidade.

Às vezes, para o estran­hamento do meu inter­locu­tor, digo que em tan­tos anos de profis­são nunca con­heci um mag­istrado cor­rupto. Ante a per­plex­i­dade dele explico que não digo que eles não exis­tam – é até pos­sível que exis­tam, quase certo que sim –, acon­tece que nunca nen­hum me fez alguma pro­posta inde­cente e, tam­bém, de minha parte nunca a rece­beu, daí nunca ter con­hecido nenhum.

Pois é, o fato de não con­hecer não quer dizer que, por­ven­tura, não exis­tam. Até porque, vez ou outra tomamos con­hec­i­mento que algum foi “punido” com a aposen­ta­do­ria com proven­tos totais, numa das maiores excrescên­cias do orde­na­mento jurídico pátrio.

Assim, como, do mesmo modo, exis­tem entre os pro­mo­tores aque­les que pouco ou nada fazem para cor­re­spon­der ao dis­pên­dio que o Estado faz com com seus salários. Mas, tam­bém estou certo, estes não rep­re­sen­tam a maio­ria dos nos­sos valentes rep­re­sen­tantes do Min­istério Público, muitas das vezes enfrentando quixotesca­mente seu múnus. E aqui, coloco o adje­tivo como sendo “que é nobre, hon­esto, mas que tem ideais dis­so­ci­a­dos da real­i­dade, geral­mente fada­dos ao insucesso”.

E, de igual modo, é a classe dos advo­ga­dos: tam­bém temos os cor­re­tos, altruís­tas, leais, os que respeitam aos demais oper­adores da lei e, prin­ci­pal­mente, os cidadãos que lhes con­fiam a vida e o seu patrimônio, mas temos, tam­bém, infe­liz­mente, os des­on­estos, lenientes, os enganam (ou ten­tam) juízes e pro­mo­tores; os que são infiéis aos mandatos que lhes são con­fi­a­dos; os que enganam, inclu­sive, aque­les que lhe con­fi­aram à vida e/​ou seu patrimônio.

Não faz muito tempo “gan­hei” um elo­gio indi­reto. Um amigo a quem apre­sen­tara um antigo cliente sugeriu-​lhe que me con­tratasse para atuar em suas deman­das. Foi então que esse ex-​quase-​cliente saiu-​se com essa: — gosto muito do Dr. Abdon, mas não podemos contratá-​lo. Ele é muito “cert­inho”.

Gan­hei o elo­gio mas perdi o cliente. Faz parte.

Mas, estes – os que não são “cert­in­hos” e que, muitas vezes não agem como man­dam as boas regras –, tam­bém, são mino­rias den­tre os mil­hares de advo­ga­dos que tra­bal­ham dia e noite, devotando o mel­hor de si, na defesa da Justiça, da sociedade e dos seus clientes.

Como já disse, repito, são mino­rias. Não é com­preen­sível que as maio­r­ias de todas estas cat­e­go­rias se deixem manip­u­lar por estas mino­rias, que não rep­re­sen­tam o sen­ti­mento das classes envolvi­das nestes con­fli­tos.

Den­tre as causas para tan­tos des­gastes, acred­ito, esteja a inob­servân­cia do que manda a Con­sti­tu­ição Fed­eral. Está lá, explic­i­tado, o papel de cada um, os lim­ites de cada um destes agentes.

Na Carta Con­sti­tu­cional con­sta as garan­tias dos sen­hores juízes e os lim­ites de sua atu­ação, explic­i­tando, ainda, as com­petên­cias e atribuições de cada um dos órgãos que com­põem o Poder Judi­ciário nacional.

O leg­is­lador con­sti­tu­inte só não achou opor­tuno incluir um man­ual de boas maneiras, mas de resto, tudo estar bem posto.

Além de esmi­uçar as atribuições do Poder Judi­ciário, o leg­is­lador con­sti­tu­inte esta­b­ele­ceu, em capí­tulo próprio, no caso, o Capí­tulo IV, as Funções Essen­ci­ais à Justiça.

É bom que se com­preenda bem o vocábulo “essen­cial”, pois muitas das vezes o mesmo é com­preen­dido como sendo “aux­il­iar” à Justiça.

O leg­is­lador, entre­tanto, optou, com razão, pelo vocábulo “essen­cial” que sig­nifica: “que con­sti­tui a parte necessária de algo; indis­pen­sável. Que existe como parte iner­ente de algo ou de alguém. Que é a parte mais impor­tante em alguma coisa; fundamental”.

Os mal-​entendidos, como o próprio nome diz, decorre do erro de inter­pre­tação do vocábulo “essen­cial”.

Quando o leg­is­lador diz no “Art. 127. O Min­istério Público é insti­tu­ição per­ma­nente, essen­cial à função juris­di­cional do Estado, incumbindo-​lhe a defesa da ordem jurídica, do régime democrático e dos inter­esses soci­ais e indi­vid­u­ais indisponíveis”. Ou quando diz no “Art. 133. O advo­gado é indis­pen­sável à admin­is­tração da justiça, sendo invi­o­lável por seus atos e man­i­fes­tações no exer­cí­cio da profis­são, nos lim­ites da lei”. Está dizendo que a Justiça não pode “exi­s­tir” sem eles. Ambos, Min­istério Público e Advo­ga­cia – além de out­ros, como a defen­so­ria pública, advo­ca­cia pública –, con­stam do Capí­tulo IV, das Funções Essen­ci­ais à Justiça.

E, por­tanto, a Justiça não pode fun­cionar sem estes.

Ressalte-​se, ainda, que em relação a Advo­ca­cia existe um “plus”, além da “essen­cial­i­dade” de que trata o Capí­tulo IV, resta assen­tado no artigo 133 que o advo­gado e “indis­pen­sável”. Assim como o vocábulo “essen­cial”, este não deixa duvi­das sobre sua sig­nifi­cação, quer dizer: “Que não se pode dis­pen­sar ou pre­scindir; urgente. De grande neces­si­dade para certa final­i­dade. Que é cos­tumeiro e não pode faltar”.

Vejam que são coisas bem fáceis de enten­der.

E, con­siderando, que não se pre­nun­cia uma mudança na ordem con­sti­tu­cional capaz de reti­rar o vocábulo “essen­cial” ou “indis­pen­sável” do seu texto ou excluir a Advo­ca­cia, o Min­istério Público ou a Defen­so­ria Pública do capí­tulo que torna tais funções essen­ci­ais, o mel­hor que todos os envolvi­dos dev­eríamos fazer é procu­rar­mos con­viver de forma har­mo­niosa e respeitosa, cada sabendo o seu papel e se con­duzindo com urban­idade.

Um bom man­ual de boas maneiras e um con­hec­i­mento mín­imo da Con­sti­tu­ição Fed­eral, na parte que per­tence, tam­bém aju­daria.

Forçoso recon­hecer que parte deste desprestí­gio da Advo­ca­cia, sobre­tudo, em relação ao Poder Judi­ciário, se deve à pos­tura débil, sub­missa da Ordem dos Advo­ga­dos do Brasil — OAB. E, acred­ito, que em nen­hum outro lugar do país essa “debil­i­dade” ou falta de pos­tura se faz tão pre­sente quanto no nosso estado. E isso se fazem sen­tir em relação a tudo. Desde a falta de con­sulta sobre situ­ações em que a rep­re­sen­tação dos advo­ga­dos se faz necessária até o lugar des­ti­nado ao rep­re­sen­tante da classe nas “mesas de honra”.

Não sou muito de fre­quen­tar solenidades e coisas afins, mas me con­tam que nestes even­tos, o rep­re­sen­tante da cat­e­go­ria que, repito, é função essen­cial à Justiça é con­vi­dado a sentar-​se no “pro­longa­mento” da mesa. Depois que con­vi­dam “todo mundo” con­vo­cam o rep­re­sen­tante da OAB. Por vezes, nem isso.

Vejam, não se trata de se defender a falta de humil­dade. Pelo con­trário, trata-​se ape­nas de respeito. Não é pela pes­soa, mas pelo que ela rep­re­senta. A descon­sid­er­ação ofende a todos.

Sendo a Advo­ca­cia essen­cial à Justiça, nas chamadas “mesas de honra” os rep­re­sen­tantes do Poder Judi­ciário, do Min­istério Público e da Advo­ca­cia dev­e­riam ficar jun­tos no cen­tro dos tra­bal­hos e, só então, iniciar-​se a for­mação da mesa com os demais con­vi­da­dos. Isso se chama respeito. Fosse um pres­i­dente com pulso só fariam a des­feita uma vez.

Enquanto o rep­re­sen­tante da classe achar nor­mal e não sair quando lhe colo­carem no “pro­longa­mento” da mesa, os advo­ga­dos, ser­e­mos trata­dos como “aux­il­iares” e não como essen­ci­ais e indis­pen­sáveis à Justiça.

Como diz um certo com­er­cial de tele­visão tudo é uma questão de respeito. Se todos se respeitam e cumprem com suas mis­sões, a Justiça fun­ciona como deve e o cidadão, o desvalido que paga a conta, é aten­dido como deve ser.

Abdon Mar­inho é advo­gado.