AbdonMarinho - FALTA PÃO NO CENTRO HISTÓRICO.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

FALTA PÃO NO CEN­TRO HISTÓRICO.

FALTA PÃO NO CEN­TRO HISTÓRICO.

VEJO nos veícu­los da mídia local uma falsa polêmica entre um dep­utado estad­ual e um sub­prefeito da admin­is­tração munic­i­pal de São Luís.

A crítica e a “con­tracrítica», como não pode­ria de ser ocor­reram em veícu­los dis­tin­tos. Para os que não estão famil­iar­iza­dos, no Maran­hão, como acon­tece desde sem­pre, com rarís­si­mas exceções, a imprensa alinha-​se de um lado ou de outro.

Assim, tendo lido primeiro sobre a resposta do sub­prefeito, fui pesquisar, noutros veícu­los, as colo­cações do dep­utado e que foram objeto da repulsa da autori­dade municipal.

O dep­utado criti­cou o aban­dono do Cen­tro Histórico da cap­i­tal, a sujeira, a falta de segu­rança. O sub­prefeito retruca dizendo que o crítico é despreparado que não con­hece o assunto, que nunca des­ti­nou nen­huma emenda par­la­men­tar para requal­i­fi­cação do local e que prefe­ria inve­stir em expressões cul­tur­ais aliení­ge­nas, nom­i­nando deter­mi­nado artista cearense.

Essa dis­cursão, tola, ao meu sen­tir, trouxe-​me a mente um ensi­na­mento do meu velho pai: «Em casa que falta pão, todo mundo falar e ninguém tem razão». Vem daí o título: Falta pão no Cen­tro Histórico.

Falta pão no Cen­tro Histórico porque as autori­dades ao invés de bus­carem uma solução con­junta para o prob­lema se per­dem em dis­cussões que, quando muito, apon­tam prob­le­mas, solução nenhuma.

A ver­dade é uma só: a cap­i­tal do Maran­hão está per­dendo sua maior riqueza que é o patrimônio histórico e que não per­tence ape­nas a ela mas a toda humanidade con­forme res­olução da UNESCO. Não tem dia que um casarão não se dete­ri­ore, que os azule­jos sejam rou­ba­dos, que as pedras de can­tarias sejam ven­di­das. E a pior dos males: a falta de povo. Os habi­tantes foram emb­ora, as repar­tições públi­cas seguiram o mesmo cam­inho e até as empre­sas que vivem da explo­ração dos negó­cios no setor não sen­tem mais quais­quer estí­mu­los para continuar.

O último gov­er­nante maran­hense a demon­strar genuína pre­ocu­pação com esse patrimônio foi Epitá­cio Cafeteira que gov­ernou o estado de 1987 ao começo de 1990. Naquele fina dos anos oitenta, tive­mos um pro­jeto, igual em mag­ni­tude aos que eram empreen­di­dos nos grandes cen­tros de cul­tura mundial. Para nossa cap­i­tal vieram profis­sion­ais que, jun­tos com out­ros profis­sion­ais daqui com igual sen­si­bil­i­dade e zelo, devolveram parte da cul­tura da cidade que se encon­trava destruída e abandonada.

De lá para cá, pouco ou quase nada tem sido feito pelos gov­er­nantes maran­henses ou da cap­i­tal, não há, sequer, a pre­ocu­pação na con­ser­vação do que foi feito há trinta anos.

O Pro­jeto Reviver teve esse nome porque o seu propósito era reviver o cen­tro histórico, lhe devolver a vida. Após o gov­erno Cafeteira esse obje­tivo foi esque­cido, deix­ado de lado. Aqui ou ali se recu­pera um pré­dio, se faz um esco­ra­mento para evi­tar a ruína e só.

A vida não voltou ao cen­tro e cada vez mais se torna dis­tante da ideia original.

Aos poucos, mas de forma per­sis­tente, a cidade de São Luís vai per­dendo sua identidade.

Outro dia, pas­sando em frente à Bib­lioteca Bened­ito Leite uma imagem me chamou a atenção: colo­caram um gradeado cer­cando toda bib­lioteca, cer­cando sua frente, sua escadaria. Uma ati­tude nor­mal para evi­tar o van­dal­ismo a que são sub­meti­dos os logradouros públi­cos? Mais que isso, um sinal de que os cidadãos não são mais os donos da cidades. Não têm mais o dire­ito de usufruir seus serviços, seus espaços.

O lugar dos cidadãos pas­sou a ser suas residên­cias e olhe lá.

Não deixa de ser emblemático que uma casa de cul­tura e saber tenha que ser cer­cada com grades. Lem­bro, que não só a bib­lioteca em si, mas tam­bém aquela escadaria fiz­eram parte da nossa juven­tude. Muitas foram às vezes que a usamos para realizar debates, reuniões públi­cas ou mesmo, ape­nas sen­tar no fim da tarde à espera do pôr do sol – aos que não sabem, a Bib­lioteca Bened­ito Leite está local­izada no ponto mais alto da cidade. Talvez ten­hamos per­dido a escadaria para as grades antes, assim como perdemos as praças, as pon­tas de ruas, para a vio­lên­cia. Quem ainda se arrisca a fre­quen­tar estes lugares?

A solução que enx­ergo é uma política de Estado que retome o Pro­jeto Reviver e faça o que inúmeras out­ras cidades fiz­eram ao redor do mundo: habitar o cen­tro da cidade, seja na Praia Grande, seja nas demais áreas. Todas as cap­i­tais europeias e out­ras cidades históri­cas – difer­ente do que acon­tece aqui –, a pop­u­lação habita seus centros.

Outro dia, durante uma oper­ação da poli­cia na Europa, vimos a prisão de um envolvido ocor­rer em um aparta­mento avali­ado em mais US$ 3 mil­hões de dólares, no cen­tro de Lis­boa, Por­tu­gal, em pré­dio antigo, como tan­tos que temos aqui. É de se per­gun­tar por que os pré­dios históri­cos da nossa cidade não podem seguir este mod­elo, virando aparta­men­tos ou residên­cias. Que mal have­ria nisso? Seria uma forma de preser­var e val­orizar aque­las edi­fi­cações. Seria uma forma de não deixar o cen­tro mor­rer. Ou, de fazê-​lo reviver. Quem se arrisca a per­cor­rer o cen­tro da cidade à noite ou nos fins de sem­ana, não encon­tra quase ninguém, um deserto desolador.

As autori­dades pre­cisam com­preen­der a importân­cia da região cen­tral da cidade e encon­trar alter­na­ti­vas para que ela volte ao seu papel de protagonista.

Isso é jus­ta­mente o oposto do que vêm fazendo hoje.

Abdon Mar­inho é advogado.