AbdonMarinho - O INFERNO É A INTOLERÂNCIA.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sexta-​feira, 22 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O INFERNO É A INTOLERÂNCIA.

O INFERNO É A INTOLERÂNCIA.

Pas­sei minha primeira infân­cia na roça, meus pais eram agricul­tores, anal­fa­betos por parte de pai mãe e parteira. O cen­tro urbano mais próx­imo ficava a 6 km de dis­tân­cia, como não tín­hamos estrada ou veículo, pare­cia ser bem mais longe.

As lem­branças que guardo daque­les dias, das pes­soas sim­ples, são todos de tol­erân­cia. Lem­bro que minha família era católica, minha mãe devota de São Fran­cisco, tinha um pequeno oratório na sala onde guar­dava os san­tos e acen­dia velas. Um dos meus irmãos, o que nasceu logo antes de mim, em hom­e­nagem ao santo, levou o nome de Fran­cisco. Acometido de poliomielite com um ano e pouco de vida, minha promessa foi vestir-​me como fran­cis­cano por um ou dois anos. E, sem­pre que algum amigu­inho vinha com goza­ção por conta da batina – as cri­anças sabem ser cruéis e os mais vel­hos tam­bém – já a lev­an­tava e mostrava o cacho e dizendo: – olha aqui quem é mul­herz­inha. Já não usava cue­cas para isso. Talvez, por isso mesmo tenha crescido um pouco mais. Rsrs.

Pois bem, emb­ora fosse um povoado pequeno, tin­ham pes­soas lig­adas às igre­jas protes­tantes e out­ros cre­dos. Lem­bro bem de ver alguns par­entes, ami­gos, uma vez por sem­ana arrumarem-​se todos para irem a um Terecô num ou noutro povoado viz­inho. No dia seguinte as ouvia comen­tar que o Terecô tinha sido assim ou assado, alguém tinha rece­bido este ou aquele espírito. Mais para frente, lá mesmo no povoado, em algu­mas noites da sem­ana ou do mês, prat­i­cavam a crença. Uns pri­mos e ami­gos mais vel­hos chegavam a dizer que até se aproveitavam de alguma cunhã nov­inha quando lhes baix­avam alguma pomba-​gira e as fazia cor­rer pelo capinzal.

Isso nunca nos cau­sou qual­quer con­strang­i­mento ou insatisfação.

Emb­ora cada um prat­i­cando seu credo, vivendo sua fé, estas não eram coisas que nos sep­a­r­avam. Nunca ouvi de nen­hum dos meus pais, tios, irmãos mais vel­hos o esboçar de qual­quer con­trariedade ou intol­erân­cia quanto à profis­são de fé de cada um. Eram pes­soas sim­ples, sem qual­quer for­mação int­elec­tual ou acadêmica que pos­suíam a certeza que a mel­hor forma de con­vivên­cia era o respeito mútuo.

Um pouco maior – e já órfão – fui morar e estu­dar o primário, primeiro em Gov­er­nador Archer e depois em Gonçalves Dias, onde fiquei até a oitava série. Em ambas as cidades con­vivi com pes­soas lig­adas a várias denom­i­nações reli­giosas, católi­cos, protes­tantes da Igreja Batista ou da Assem­bleia de Deus, umban­dis­tas. Nunca senti ou ouvi falar de qual­quer dis­crim­i­nação com relação à fé que praticavam.

His­tori­ca­mente, sabe­mos, da existên­cia de intol­erân­cia reli­giosa, pes­soas sendo lev­adas à fogueiras por pro­fes­sar esta ou aquela fé, out­ros acu­sa­dos de bruxaria, etc. Entre­tanto, pen­sá­va­mos que este tipo de coisa tinha ficado no pas­sado dis­tante, no período medieval.

Outro da soube de um caso, aqui mesmo, no Brasil de uma menina que fora agre­dida porque estava vestida toda de branco, sendo, por­tanto, prat­i­cante de cul­tos afros. Não faz muito tempo era um pas­tor chutando a imagem de uma santa, mais recente, uma destru­ição de diver­sas ima­gens por um fanático.

Multiplicam-​se os casos de van­dal­is­mos con­tra igre­jas católi­cas, ter­reiros de umbanda. Nem a Igreja da Sé, em São Paulo, escapou do van­dal­ismo da intol­erân­cia, sendo tola­mente pichada por gru­pos que defen­dem posições difer­entes das defen­di­das pela Igreja Católica, como a posição em relação ao aborto, casa­mento entre pes­soas do mesmo sexo, etc.

Não falo aqui de atos de van­dal­ismo a que estão sub­meti­das todos os demais pré­dios públi­cos e/​ou pri­va­dos nas cidades brasileiras.

O que acon­te­ceu em São Paulo foi um ato de van­dal­ismo moti­vado pela intol­erân­cia a uma posição política ou dog­mática da igreja. É diferente.

O mundo inteiro ainda está chocado com os aten­ta­dos em Paris, na França, moti­va­dos pela intol­erân­cia reli­giosa de fun­da­men­tal­is­tas islâmicos.

Os aten­ta­dos – emb­ora muitos, até mesmo aqui no Brasil, ten­tem jus­ti­ficar colo­cando a respon­s­abil­i­dade no capitalismo/​imperialismo das nações oci­den­tais – são inde­s­culpáveis. Ninguém, sobe qual­quer pre­texto, tem o dire­ito de sair por aí, empun­hando um rifle e ati­rando em pes­soas porque estas não pro­fes­sam a mesma fé que elas. Ninguém, sob qual­quer argu­mento, tem o dire­ito de invadir a esfera pri­vada de out­rem para impor seu pen­sa­mento ou seus val­ores. Qual­quer um tem o dire­ito de – desde que não atra­palhe a vida do outro e respeite as regras da con­vivên­cia em sociedade – viverem da forma que quiserem.

Com que dire­ito alguém pode querer o Deus para o qual devo rezar ou fazer algo na minha vida pri­vada que não prej­udique o próx­imo? Como pode ser razoável alguém querer impor seus val­ores e sua fé a outros?

Grandes atos de ter­ror começam com pequenos gestos de intol­erân­cia. Isso vale para Europa, Ásia, Africa, Améri­cas – e tam­bém para o Brasil.

A fé de cada um, a vida ide cada um é ter­ritório pri­vado onde não se admite a pre­sença de ninguém sem o con­sen­ti­mento do titular.

Todos (qual­quer um) têm o dire­ito de viver sua fé (e a sua não fé se assim quis­erem) e serem respeita­dos, terem garan­ti­dos os mes­mos dire­itos dos demais cidadãos. Assim como as igre­jas (qual­quer uma) têm o dire­ito ao seu credo. A igreja católica, por exem­plo, tem o dire­ito de ser con­tra o aborto, o casa­mento gay; tem o dire­ito de dizer isso a seus fiéis. Os protes­tantes têm, tam­bém, este dire­ito, assim como os umban­dis­tas têm o dire­ito de rev­er­en­ciar seus orixás e os ateus têm o dire­ito de dizer que não acred­i­tam em nada disso.

Um amigo me recla­mava que deter­mi­nada igreja ten­tara o con­verter à força, levá-​lo, segundo ela, ao Céu. Como não perco a piada fui logo dizendo: – pois é, fulano, trata-​se de uma con­cor­rên­cia desleal pois não tem nen­hum dia­binho te chamando para ira para o inferno, né?

O que pre­cisa é cada um respeitar os espaços dos demais. Ninguém pre­tender ser mel­hor que o outro e impor, à força ou na marra, suas convicções.

O mundo não acaba porque um padre ou bispo recusa-​se a casar pes­soas do mesmo sexo ou repu­diam o aborto e out­ras coisas, pois nos lim­ites da lei, pode-​se fazer isso de outra forma. Não sendo motivo para van­dalizar seus templos.

As religiões ou cre­dos não é dado o monopólio de Deus (aos que acred­i­tam), assim, cada um pode man­ter sua fé e até mesmo criar sua própria igreja se assim dese­jar. Ou não ter fé nenhuma.

Se muitos cam­in­hos que levam ao Céu, para o Inferno o cam­inho mais curto é a intol­erân­cia e o ódio.

Abdon Mar­inho é advogado.