OLIMPÍADAS: FIZEMOS BONITO. MAS, E DAÍ?
AINDA no sábado, quando o Brasil conquistou o ouro sonhado – logo em cima da Alemanha –, um amigo faz uma piada: — ganhamos o ouro, mas continuo liso. E, pior, cheio de contas.
Há, claro, um excesso de ranhetice na colocação desde amigo. O Brasil fez muito bonito nas olimpíadas do Rio de Janeiro. Como, aliás, fez na Copa em 2014. Este é um fato.
Não pretendia falar sobre este tema, mas me sentiria em débito se dele não tratasse. Pouco antes da abertura dos jogos escrevi um texto criticando a realização das olimpíadas no Rio de Janeiro, chamado "Fracasso Olímpico". Volto ao tema, não para me retratar, mas para reafirmar o que disse e acrescentar outras coisas mais.
Logo depois dos jogos – embora não tenhamos alcançado a meta proposta –, talvez por influência do inédito ouro no futebol, pelo sucesso na canoagem; no boxe, no tiro, na ginástica ou pela emocionante vitória no vôlei, o povo brasileiro passou a demonstrar um certo ufanismo com relação ao evento.
A mídia, favorecida pelos milhões que faturou, as autoridades do passado e do presente, também, tentando tirar uma "casquinha" do sucesso – quase sempre individual e fruto do sacrifício dos atletas e suas famílias – e, da cordialidade do povo brasileiro, trataram de tecer loas ao evento, dizendo que foram os responsáveis por isso ou aquilo. Por muito pouco, não chegaram a propor uma olimpíada permanente no Rio de Janeiro. E, o povo brasileiro, entrando na onda.
Faz parte da índole do nosso povo "comprar" a causa dos outros. Como a festa – tanto nas arenas, quanto nas ruas – foi muito boa, com as pessoas dentro e fora falando bem do país, muitos cidadãos acabam por achar que foi o melhor negócio do mundo trazermos os jogos para cá. E. acabam por achar que os críticos – entre os quais me incluo –, somos do "contra", torcemos pelo insucesso e pelo fracasso dos nossos atletas, pelo fracasso do país.
Antes de mais nada, não é nada disso. Eu, pelo menos, durante estes dezessete dias, virei um "cidadão olímpico", destes de passar o fim de semana inteiro assistindo todas as modalidades esportivas, – até aquelas que não entendo muito bem o que significa.
Como todos, fiquei constrangido com o ataque de algas que deixou as piscinas verdes ou com o assassinato do policial da Força Nacional de Segurança, abatido por traficantes, e indignado com o nadador americano que tentou tratar o país como uma republiqueta de bananas.
Apesar de tudo, isso não me impede de achar que foi um equívoco trazer os jogos para o Brasil, assim como foi trazer a Copa do Mundo de 2014.
Reportagem da Folha de São Paulo aponta que as Olimpíadas custaram 39 bilhões, destes, cerca de 17 bilhões de reais foram pagos pelo contribuinte, eu, você, nós. Acredito que a matéria não se refira aos custos indiretos, com segurança, logística, etc.
Mas ainda que tenha sido "apenas" 17 bilhões – o que significa 1 bi por dia –, será que para um país que passa por problemas tão sérios e tão crônicos, despender 17 bilhões – ainda que numa coisa nobre como um olimpíada, não é um excesso?
Um dos principais problemas brasileiros atende pelo nome de educação. As nossas escolas, estão sucateadas e muitas simplesmente não teriam condições de existir. Acredito que com R$ 1,5 milhão é possível fazermos uma escola nos melhores padrões do mundo (claro, se retiramos pelo menos parte da corrupção do meio), com os 17 bilhões daria para construir 11 mil escolas, inclusive com quadras poliesportivas para as crianças se prepararem para as olimpíadas futuras, além de estudar.
E a saúde, quantos não são os brasileiros que morrem por falta de atendimento, ou medicamentos; e pelo fato da morte ter chegado antes da cirurgia prometida? Milhares. Todos os dias.
Nada mais ilustrativo que uma reportagem exibida pelo Jornal Nacional, da Rede Globo, um dia depois dos jogos. Em meio ao fogueio olímpico, ao ufanismo, que ela, globo, vende como ninguém, exibiu uma reportagem retratando o sofrimento de inúmeros maranhenses que percorrem por quase doze horas as esburacadas estradas do estado para serem atendidas em centros de hemodiálise. Dia sim, dia não, estes cidadãos têm que enfrentar esse suplício que exaure suas forças e lhes roubam dias, meses, talvez, anos de suas vidas.
Quantos centros de hemodiálise ou de outras especialidades não poderíamos construir no Brasil inteiro e assim garantir um mínimo de dignidade e respeito aos nossos cidadãos?
Apenas ao Maranhão, o governo federal deixa de repassar cerca de 300 milhões de reais/ano, se comparamos à média da per capita. Entretanto, as autoridades do estado ao invés de "brigar" por isso, parecem não enxergar que não há nada demais "torrarem" R$ 17 bilhões, em 17 dias de evento. Pior, ainda ficaram dando vivas ao Lula, vivas a Dilma e aos ex-ministros comunistas Aldo Rebelo e Orlando Silva, segundo eles, responsáveis pelas olimpíadas do Rio de Janeiro. Chega a ser patético.
Fico, às vezes, com impressão que as autoridades brasileiras não se dão conta do que sejam prioridades nacionais. Olimpíadas, Copas do mundo, são eventos maravilhosos, momentos ímpares de congraçamento entre os povos e nações, mas, sejamos francos, isso não nos pertence, estes eventos devem ficar ao encargo das nações que não têm os problemas que o Brasil, ainda, infelizmente, não conseguiu superar.
Será que não passa pela cabeça de ninguém o quanto é ilógico e desumano num bloco do jornal exaltar a maravilha da festa olímpica e no outro mostrar a miséria dos cidadãos enfermos tendo que ficar dez, doze horas dentro de veículos, percorrendo centenas de quilômetros, três vezes na semana, para conseguir uma simples sessão de hemodiálise? Isso, só para ficar neste exemplo.
Ora, se o Brasil é essa potência toda para organizar grandes eventos, deveria candidatar-se a "promoter" do mundo. Só que, ao invés de pagar, deveria receber por organizar tais festas.
O brasileiro não consegue sair do Hino Nacional: "deitado eternamente em berço esplêndido..." A festa olímpico foi linda? Foi. O Brasil fez bonito? Fez. Mas a realidade é que foi uma festa para inglês ver. Nós, que ficamos indignados com a mentira do nadador norte-americano, precisamos acordar para o fato de que aquilo – que não aconteceu com ele –, acontece toda hora, em todos os cantos do país, com muito mais brutalidade que jamais ousamos imaginar.
A festa foi linda. Mas, e daí?
Abdon Marinho é advogado.