DEU SAÚVA NO JARDIM.
NÃO É SEGREDO para ninguém: gestores inexperientes e/ou corruptos causam tantos males ao serviço público quanto uma praga de saúva às culturas agrícolas. Quanto estas condições reunidas num único lugar e a elas se somam doses cavalares de falta de compromisso ou desinteresse pela coisa pública, tem-se as condições perfeitas para uma tragédia mais que anunciada.
O município de Bom Jardim, distante 270 km da capital do estado, tornou-se "famoso" no país inteiro, e além fronteiras, pelos desatinos de seus gestores. Por diversas vezes foi manchete nos principais órgãos de imprensa nacionais – os locais e regionais, perdemos as contas. Já escrevi algumas vezes sobre a triste situação do município.
Por estes dias estive em Bom Jardim a pedido do novo prefeito para, juntamente com outros profissionais, encontrássemos soluções para virarmos a página dos escândalos dos últimos tempos.
A missão não será fácil. Em vinte anos de profissão assessorando municípios, não me recordo de ter encontrado nenhum numa situação de tamanha gravidade.
O "desmonte" ocorreu de diversas formas e contou com cumplicidade interesseira de inúmeros servidores públicos que buscaram suas vantagens corporativas, indiferentes às reais condições do município e à conjuntura econômica do país, agravada como nunca se viu desde 2012.
Um dos principais gargalos a ser enfrentado pela nova gestão é organizar a situação dos servidores públicos.
Os gestores, talvez para esconderem suas deficiências ou malfeitos, saíram a distribuir vantagens indevidas indiferentes aos estudos de impactos financeiros para os anos futuros. Como resultado disso, apenas as folhas de servidores efetivos, ultrapassam, e muito, os limites estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF.
E, embora pareça piada, o município não possui servidores suficientes para atender os serviços básicos, como saúde, educação, limpeza pública.
Pois é, o descalabro acabou por gerar paradoxos como este: embora já tenha ultrapassado todos os limites da LRF, o município precisará contratar para manter em funcionamento seus serviços.
A explicação para isso é que, sobretudo, no último ano, e no período vedado, os gestores acharam por bem aumentar salários e distribuir outras vantagens aos servidores públicos já existentes.
Um exemplo disso é a emblemática situação da educação municipal. Esta, aliás, motivo de algumas matérias jornalísticas em rede nacional.
No último ano (dentro do período vedado), os gestores resolveram "revolucionar" a educação, produzindo uma lei que, dentre outras vantagens, promoveu a unificação da carga horária para 20 (vinte) horas semanais, mantendo os mesmos vencimentos que fazem jus quem trabalhava 40 (quarenta) horas, ou seja, o piso nacional de R$ 2.290,80 (dois mil duzentos e noventa reais e oitenta centavos) para o ano de 2017.
Considerando que a chamada Lei do Piso, já estabelece que um terço da carga horária deve ser usada para planejamento, os professores trabalharão apenas 14 horas, na sua missão principal de educar as crianças.
Tem mais, além desta redução de carga horária que alcança todos profissionais, uma lei municipal, do pacote de bondades, com o dinheiro do contribuinte, garante mais 30% (trinta por cento) de redução de carga horária. Com isso, inúmeros servidores trabalharão cerca de 7 (sete) horas semanais. Acham pouco? A mesma lei, garante aos profissionais que a hora/aula será de 50 e 45 minutos, respectivamente, para os turnos diurnos e noturnos. Assim, se aplicados todos os "direitos" certos professores, receberão o piso nacional do magistério para ministrarem 1.400 minutos de aula por mês ou menos, considerando a hora/aula 45 minutos, o tempo que gastam com chamadas, piadas, reclamações.
Com todo o respeito que temos pelos mestres, falta bom senso a sustentar tamanha enormidade. Não acho que faça sentido, um país como nosso, pessoas receberem R$ 2.290,80 (dois mil duzentos e noventa reais e oitenta centavos para o ano de 2017, para uma carga horária que podemos contar em minutos.
Longe de mim dizer que não mereçam. Devem merecer até mais, o problema é que os municípios, nenhum deles, não apenas Bom Jardim, possui condições de arcar com tais salários. Nem mesmo os estados federados podem. Faltam condições materiais. Significa a mesma coisa que tentar colocar a Sé na capela de Santaninha.
O municipio que já gasta mais de 80% (oitenta por cento) com salários de professores, vai ultrapassar mais de 100% (cem por cento) com as contratações que será obrigado a fazer para compensar a carga horária excessivamente camarada.
Os professores deveriam saber a matemática básica: para cada dois educadores com carga horária reduzida (apenas para 20 horas) necessário se faz a contratação de mais um na situação extrema de usar todas as vantagens, necessário será a contratação de dois para cada efetivo. Não há economia que resista. Estão matando a galinha dos ovos de ouro.
O pior é que este tipo de vantagens traz implicações a todas outras carreiras. Pois os gestores não têm como melhorar suas condições de trabalho e salariais por conta dos limites a que estão obrigados a respeitar.
Será que alguém faz ideia do que acontecerá com a implantação de uma carga horária maior para os alunos, conforme começa-se a exigir como forma de melhorar a qualidade do ensino?
Sem uma correção de rumo, o município não terá como investir um centavo na manutenção e recuperação das unidades escolares, que estão caindo sobre a cabeça dos alunos, como já vimos nos meios de comunicação.
O quadro da educação torna-se ainda mais desolador quando consideramos que nos últimos quatro anos o município perdeu para municípios vizinhos (também graças a incompetência da gestão pública) mais de 3 mil alunos, uma perda ano, em recursos financeiros, de mais de 7 milhões de reais.
Os pacotes de "bondades" vão além dos dispensados aos professores, se estenderam a diversas outras categorias, gerando o caos já referido acima. Isso sem contar a infinidade de ações judiciais – centenas delas –, nas quais servidores e ex-servidores, cobram, com ou sem razão, sua parte no butim.
Os efeitos colaterais, caso não se consiga reverter tais absurdos, serão sentidos por toda a população, por longo tempo. A começar pelo fato do município não poder celebrar convênios ou contratos de repasses se não cumprir os índices estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
A praga de saúvas não se deu apenas na desestruturação administrativa relacionada aos servidores públicos, um levantamento preliminar aponta quase trinta convênios em aberto, ou seja, mais de 11 milhões de reais, que viraram esqueletos de unidades de saúde, escolas e outros serviços urbanos.
Apesar da visível falta de controle administrativo da gestão da ex-prefeita que ficou nacionalmente conhecida, ou talvez por conta dele, choveram convênios para o município, dos quais grande parte dos recursos foram repassados sem que as obras tenham acontecido.
Estes e outros mistérios estão sendo objeto de investigação interna e logo mais entregues as autoridades competentes.
A inadimplência de tantos convênios, o descumprimento do que determina a LRF no que tange as informações para os cadastros de regularidade junto ao SIAFI (RREO, RGF; SIOPS, SIOP e SINCONFI) e, ainda, ausência de prestação de contas dos programas PDDE, PNAE, PNATE, SACOP, dentre outros, só agrava o já desalentado quadro de desorganização.
A solução, a curto e médio prazo, para tantos problemas, passa por um amplo "Pacto Social", com a classe política, servidores, Ministério Público, Poder Judiciário e a sociedade, principalmente esta, que fim de tudo é quem paga as contas, unidos e contribuindo cada um destes agentes com as soluções para o município.
Não adianta cada um pensar em si, em como tirar alguma vantagem ou fingir que nada têm com os problemas pois são problemas de todos com consequências para todos, principalmente para os que mais precisam.
Sem uma correção de rumos, com colaboração mútua, acontecerá o que já previsto desde os séculos pretéritos: as saúvas vencerão.
Abdon Marinho é advogado.
Escrito por Abdon Marinho
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