AbdonMarinho - DE ÁPIO CLÁUDIO CEGO PARA FLÁVIO DINO
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sexta-​feira, 22 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

DE ÁPIO CLÁU­DIO CEGO PARA FLÁVIO DINO


DE ÁPIO CLÁU­DIO CEGO PARA FLÁVIO DINO.

Por Abdon Marinho.

Meu caro Flávio Dino,

É muito provável que tu nunca ten­has ouvido falar de mim ou, se ouviu, muito provavel­mente destes pouca ou nen­huma importân­cia. Não faz mal.

Permita-​me uma breve apresentação.

Fui um político romano da gente Cláu­dia que viveu entre os anos 340273 a.C., na minha car­reira pas­sei por quase todos car­gos públi­cos mil­itares de Roma, ape­nas para se ter ideia, fui côn­sul por duas vezes, e, antes mesmo de ser côn­sul, fui eleito cen­sor, o que não era algo usual.

Se ainda assim não lem­brares quem fui, informo que as min­has obras ainda se encon­tram à vista de todos.

Ainda como cen­sor con­struí o primeiro aque­duto de Roma, fazendo a água subir e descer mon­tan­has e col­i­nas para aten­der as neces­si­dades dos meus con­ci­dadãos, o chamado “Água Ápia”.

Uma outra obra muito impor­tante, ainda dos meus tem­pos como cen­sor, foi a Via Ápia, que leva esse nome em minha hom­e­nagem, o mesmo ocor­rendo com o aque­duto.

O Appia que car­regam é uma refer­ên­cia ao meu nome.

A razão desta mis­siva é jus­ta­mente essa segunda obra, a Via Ápia, que ainda hoje serve de cam­inho em Roma e nos seus arredores. Aliás, segundo soube, muitos dos seus patrí­cios a uti­lizam com final­i­dades menos edificantes.

Foi con­struída ini­cial­mente para ligar Roma a Cápua, numa dis­tân­cia de 300 km, depois esten­dida por mais 300 km, até Brin­disi, no cal­can­har do que hoje é a Itália.

Como podes perce­ber uma obra que fiz a quase 2.400 anos ainda hoje se encon­tra em uso, servindo ao povo ou com qual­quer outra ser­ven­tia, ainda que turís­tica.

Recen­te­mente foi descoberta uma outra rodovia romana feita por um outro patrí­cio meu nos pân­tanos exis­tentes nos arredores de Veneza, com a mesma idade e que per­manece intacta e/​ou muito bem con­ser­vada para idade que tem.

Assim escrevo-​te por sen­tir um certo con­strang­i­mento, uma certa “ver­gonha alheia” ao con­statar a qual­i­dade das obras de engen­haria que real­izas no paupér­rimo Estado do Maran­hão, no igual­mente pobre Brasil, a despeito do tempo, recur­sos, maquinários e da própria evolução da engen­haria nestes dois milênios e meio.

Veja, enquanto as obras públi­cas que real­izei há quase 2.400 anos ainda estão “de pé”, ainda pos­suem util­i­dade social, as obras públi­cas que empreen­des, notada­mente as estradas, tão impor­tantes para levar o pro­gresso e con­duzir as riquezas do estado, já care­cem de reparos antes mesmo da inau­gu­ração.

Quando alguém me conta por aqui que uma obra que real­izas pre­cisa ser refeita antes da inau­gu­ração, con­fesso que fico “roxo” de ver­gonha.

Um dos exem­p­los mais bison­hos do que falo é a antiga Estrada da Raposa.

Desde que assum­istes o mandato que tra­bal­has lá, trata-​se de uma obra infe­rior a cinco quilômet­ros, con­sumindo a quase oito anos de recur­sos públi­cos e de paciên­cia dos cidadãos.

E agora, que infor­mam encontrar-​se a obra na “reta final” para inau­gu­ração, o que mais se vê são máquinas e homens tra­bal­hando para repara-​la e, devo dizer, fazendo um serviço “meia-​boca”, tapando um buraco e deixando outro em vias de abrir para ser tapado no dia, na sem­ana ou no mês seguinte.

O certo é que a obra que já con­sumiu quase dois mandatos con­sec­u­tivos teus e que é minús­cula, não é obra de dois inver­nos. Ou seja, se antes da inau­gu­ração já reclama reparos, não terá vida útil alguma, será uma obra para irri­tar os cidadãos por muitos e muitos anos.

O mesmo acon­tece no Maran­hão inteiro.

Se tu pegares a rodovia MA entre o Povoado Cujupe e o Municí­pio de Gov­er­nador Nunes Freire, o seu mandato inteiro se encon­tra em reparos e esse tempo todo com bura­cos dan­i­f­i­cando os veícu­los dos cidadãos.

Veja um outro exem­plo: a MA 006, que vai de Apicum-​Açu, no extremo norte do estado a Alto Par­naíba, no extremo sul, durante a sua primeira cam­panha vito­riosa ao gov­erno prom­e­teste que faria dela a rodovia da inte­gração do Maran­hão. Nunca fez nada do que prom­e­teu e essa é uma estrada que padece dos mes­mos defeitos de todas as out­ras, con­strução defeitu­osa, reparos mal feitos e a eterna manutenção.

O desas­tre é o mesmo em todas as obras sob a tua respon­s­abil­i­dade, qual­quer uma que escol­heres no estado, mesmo as que abril­han­tam os com­er­ci­ais de tele­visão são mal feitas e recla­mam reparos.

É con­strange­dor, a menos que sejam feitas com tal intenção.

Em con­ver­sas por aqui fiquei sabendo que essa é uma “nova” modal­i­dade de desvio de recur­sos públi­cos.

As obras são mal feitas de propósito, para ficarem “eter­na­mente” neces­si­tando de reparos e inves­ti­men­tos. Têm até um nome pouco edi­f­i­cante, dizem que são as “obras de morder”, pois todos mor­dem um pedaço do recurso.

É algo que custo a acred­i­tar. Não é crível que enquanto fiz obras para durarem milênios – estão aí para com­pro­var –, agora se façam obras “para não durarem”.

E olha que nunca fomos “puros” em Roma. O termo cor­rupção, aliás, tem origem no latim corruptĭo.

Ainda assim não é aceitável que as obras públi­cas que con­stróis, com recur­sos do endi­vi­da­mento do estado e que dev­e­riam ser um fato de desen­volvi­mento econômico para povo, só lhes tragam mais empo­brec­i­mento e mis­éria.

Dizem que quando cen­sor e côn­sul endi­videi e me des­fiz de ter­ras romanas para con­struir as obras que real­izei, mas elas, difer­entes das que tu dizes con­struir pegando din­heiro emprestado jamais trarão maior ser­ven­tia que o dano que causa aos cofres públi­cos.

Agora mesmo soube que pedistes autor­iza­ção para con­trair mais um endi­vi­da­mento com o argu­mento de inve­stir em infraestru­tura.

Soube que o valor dos juros que o estado pagarás é até mesmo supe­rior ao mon­tante do emprés­timo. Muito emb­ora pouco usual que o acessório seja supe­rior ao prin­ci­pal, seria aceitável – ainda que ques­tionável –, se obras públi­cas con­struí­das com tais recur­sos “se pagassem”, o que não é o caso.

Na qual­i­dade das obras públi­cas que empreen­destes em todos os anos do teu gov­erno, os maran­henses terão duas despe­sas inúteis: o paga­mento dos ele­va­dos juros e os eter­nos reparos das obras.

O que afirmo nesta mis­siva é fácil con­statares, basta faz­eres um lev­an­ta­mento de todos os recur­sos que o tesouro despendeu em obras estru­tu­rantes nos últi­mos anos e ver­i­fi­cares a situ­ação das mes­mas atualmente.

Verás que o din­heiro público foi pelo ralo, que as obras não duraram nada, pelo con­trário, se tornaram um escoad­ouro per­ma­nente de din­heiro público.

Vês como é per­versa a política que empreen­des?

Tu endi­vi­das o estado com a des­culpa de inve­stir em obras públi­cas que irão servir, desen­volver e trazer riquezas para o povo.

Mas o que acon­tece é que tu con­trais uma dívida e duas out­ras fontes de pobreza para o povo: o paga­mento de juros e encar­gos e o paga­mento eterno na manutenção da obra.

Os recur­sos usa­dos nes­tas coisas, no paga­mento dos juros e encar­gos, e no eterno serviço de manutenção das obras mal feitas – e pelas quais ninguém é punido –, fazem falta na assistên­cia aos mais neces­si­ta­dos.

Com a des­culpa de traz­eres desen­volvi­mento, tenho por certo que trazes mais mis­éria e sofri­mento para o povo, con­forme assen­tei acima.

Não me alon­garei mais.

Avalias min­has palavras, sobre­tudo, min­has obras e com­paras com o que tens feito.

Indo a Roma ou na Itália, de um modo geral, não deixes de vis­i­tar as obras que fiz há 2.400 anos.

Serás que as tuas obras chegarão perto disso?

Com os cumpri­men­tos de

Appius Claudius Caecus

Ex-​censor e ex-​cônsul de Roma.