Como no tempo dos coronéis.
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- Criado: Quarta, 11 Novembro 2020 12:16
- Escrito por Abdon Marinho
COMO NO TEMPO DOS CORONÉIS.
Por Abdon Marinho.
EXISTIU um tempo no Maranhão em que os “coronéis” eram os donos dos votos. Eram eles quem decidam, nas suas terras e mesmo municípios. as pessoas que seriam ou não votadas e/ou eleitas.
Certa vez até contei em um dos textos a história de um destes coronéis durante determinada eleição.
O “coronel”, escrupulosamente, ia preenchendo as cédulas e entregando uma a uma devidamente dobrada para que os “eleitores” da freguesia as depositassem na urna que lhe estava à vista dos olhos.
Determinado “eleitor” tendo recebido a cédula fez menção de abri-la quando o “coronel” o admoestou: — o que você pensa que está fazendo, caboclo?
Ao que este respondeu: — ah, seu “coronel”, estou vendo em quem votei.
O coronel então retrucou de pronto: — e você não sabe que o voto é secreto?
Por estes dias deparei-me com uma situação inusitada e semelhante àquela dos coronéis «donos dos votos” de outrora.
Tendo recebido uma notificação para que um dos candidatos a quem presto assessoria removesse uma propaganda irregular, contactei a direção da campanha para que cumprisse a determinação do juízo e nos encaminhasse a fotografia do ato.
Expirando o prazo voltei a questionar a direção da campanha de que, até aquele momento, a fotografia com a remoção da propaganda não tinha me sido encaminhada.
Foi aí que me foi confessado o motivo.
Relatou-me o coordenador da campanha que algum eleitor desavisado colocara a propaganda e que a direção da campanha não tinha como ir lá removê-la por se tratar de área de domínio de uma facção criminosa e que esta não estava permitindo que alguém fosse lá retirar a propaganda.
Por incrível que pareça aqui na ilha do Maranhão e mesmo na capital do estado, temos áreas em que o “poder paralelo” dos traficantes e facções criminosas se tornaram “donas” do pedaço dominando a vida das pessoas e até mesmo as preferências sobre em quem votar ou não votar, quem pode e quem não pode fazer propaganda. Tal qual os coronéis de antigamente.
Mas não pensem os senhores que os traficantes e/ou faccionados estão sozinhos neste intento atentatório à democracia brasileira nestas eleições.
O governo estadual que se ausenta de tais rincões e permite que o crime se instale deixando a população ao abandono e aos traficantes e ou faccionados se igualam quando tentam por todos os meios, modificar ou manipular a vontade do eleitorado.
À vista de todos e sem constrangimentos, usando o aparelho do estado, temos os atuais governantes “trabalhando”, usando, literalmente, a máquina pública para beneficiar os seus aliados, em detrimento das regras básicas da democracia.
O que digo, por óbvio, não é uma novidade. Já nas eleições de 2016, as primeiras depois do atual governo ser instalado, tivemos notícias – e denunciamos –, toda sorte de abusos praticados contra os adversários.
Abusos que foram desde a execução de obras eleitoreiras em diversos municípios, como asfaltamento, distribuição de títulos de propriedade e tantos outros, até a presença física e intimidatória da força policial contra os adversários.
Já nas eleições de 2018, além do “cardápio” da eleição anterior, revelou-se à patuleia, supostos levantamentos de inteligência sobre a situação política de cada município com a identificação dos “possíveis” adversários do candidato à reeleição ao governo e aos demais membros de sua “facção política”.
Até onde se sabe os responsáveis ainda não foram devidamente punidos.
Mas não pensem que as denúncias ou reprimendas éticas afetaram estes novos «coronéis» na intenção de manipularem a vontade dos eleitores aos seus interesses.
Se é verdade que as disputas em grande parte dos interiores ocorrem entre correligionários das facções que apoiam o atual governo e por isso a ação estatal direcionada contra este ou aquele candidato torna-se menos ostensiva o mesmo não ocorre em relação à disputa eleitoral na capital.
Na capital – uma espécie de jóia da coroa –, o governo estadual até aquiesceu com a formação de um consórcio de candidatos entre as várias facções políticas uma vez que os integrantes do tal consórcio foram ou possuem ligações com o governante e para os quais não poucas vezes derramaram-se elogios, que no pleitos fazem questão de expor.
Compreensível que o governante, embora filiado a um partido não tenha, desde o início, vestido a camisa de um candidato específico, muito embora tenha autorizado ou liberado o secretariado para que o fizesse.
Um secretário, inclusive, disse com todas as letras e vírgulas que nada do que estava fazendo era fato oculto do mandatário.
É assim que temos secretários de estado inaugurando obras em benefícios de candidatos, participando de comícios e até ameaçando de prisão os adversários.
Mas não prometeram, lá atrás, que iriam libertar o Maranhão dos quase cinquenta anos de atraso?
Outro dia assisti, estarrecido, a divulgação de uma reunião de secretários de estado – que deveriam se darem ao respeito –, em apoio a um dos candidatos do consórcio governista.
Assisti, em plena pandemia, secretários de estado participarem de comícios de candidatos nas quais se aglomeravam milhares de pessoas, na maior naturalidade.
Assisti a um secretário de segurança dizer em pleno palanque que «prenderia” os adversários caso alguma anormalidade ocorresse contra o seu candidato.
Embora se possa dizer que os secretários de estado não estavam em horário de expediente e, portanto, legítima a sua participação política, trata-se de manifestações em que levam a força e o poderio estatal para desequilibrar o pleito eleitoral.
O mais grave, entretanto, é ver que o próprio governador, eleito com a promessa de mudar os velhos costumes, não apenas faz pior que os seus antecessores – e aí nem me refiro ao grupo Sarney, que diante do que vejo, comportavam-se como lordes –, como ressuscita o velho coronelismo dos tempos de Vitorino Freire, o tristemente famoso vitorinismo.
Os atuais governantes do estado, pelo que vejo, perderam a noção de limites – e aqui não me refiro apenas aos limites entre o que podem ou não fazer –, mas, também, a compreensão do que seja um comportamento ético numa campanha eleitoral, uma evolução moral tanto pregada como desejada pelos homens de bem.
O mau exemplo vem “de cima”. O governador não satisfeito «apenas” em gravar vídeos a favor de seus “preferidos” ou permitir que façam uso de sua imagem, nos últimos dias retirou a “máscara” da imparcialidade para atacar aqueles que considera seus adversários.
Malograda a estratégia do consórcio de candidatos, vez que os ataques dos seus integrantes ao «adversário comum” não foram suficientes para retirá-lo da disputa, passaram a se atacarem mutuamente, cada um pleiteando a possibilidade de ir ao segundo turno com ele.
Ao lado disso, escolheram uma cabo eleitoral de “peso” para ajudá-los: o próprio governador.
A desculpa de sua excelência para retirar a “máscara” de democrata e vestir-se nos trajes de Vitorino Freire, foram supostos ataques que seu governo teria recebido na gestão da CAEMA, a Companhia de Águas e Saneamento, da parte do candidato adversário.
Ora, pelo que tenho acompanhado, o que o assim nomeado «inimigo número um”, o I-Jucá Pirama, do atual governo, fez, foi tão somente, defender-se dos ataques dos integrantes do consórcio governista, que, desde o início da campanha, elegeram como ponto de ataque, a sua gestão frente a CAEMA, fato ocorrido há 15 anos.
Na defesa, o candidato pontuou isso, além de autoelogiar-se, como é de se esperar, e mostrou que os problemas daquela empresa, passados tantos anos, na atual gestão, continuam maiores do que naquela época.
Qual é a inverdade disso?
As línguas negras avançam para o mar em quase toda extensão da orla; os rios da ilha tonara-se esgotos a céu aberto; o atendimento à população, principalmente a de baixa renda, continua precário.
O candidato não disse, mas poderia dizê-lo, sem medo de errar, que o atual governo estadual piorou quase todos os indicadores sociais do Maranhão, inclusive o do aumento da pobreza extrema, que já eram sofríveis.
A situação do Maranhão é de retrocesso absoluto, inclusive, nas práticas politicas em que os governantes se esmeram em copiar práticas de mais de cinquenta anos atrás, ombreando-se com os milicianos e traficantes na estratégia de dominarem territórios.
Se aqueles, os milicianos e traficantes, fazem uso das armas para impedirem o acesso das pessoas as suas áreas de influência e as manipularem, o governo estadual, utiliza-se de um exército de incontáveis “jagunços”digitais, todos de alguma forma, a soldo dos cofres públicos, para destruir a honra e a história dos seus adversários – ou inimigos, que é a forma como os tratam.
O legado do atual governo para o futuro é como um verso de Cazuza: “vejo o futuro repetir o passado, vejo um museu de grandes novidades”.
Abdon Marinho é advogado.