AbdonMarinho - FALECE DIGNIDADE AO DISCURSO SOBRE EDUCAÇÃO.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Quarta-​feira, 27 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

FALECE DIG­NIDADE AO DIS­CURSO SOBRE EDUCAÇÃO.

FALECE DIG­NIDADE AO DIS­CURSO SOBRE EDU­CAÇÃO.

Por Abdon Mar­inho.

NINGUÉM, nem mesmo os tan­sos, descon­hece a inteligên­cia do gov­er­nador do Maran­hão, Sen­hor Flávio Dino. Basta dizer que aos 18 anos, em 1986, segundo con­sta de sua biografia, já lograra êxito em ser aprovado no vestibu­lar da Uni­ver­si­dade Fed­eral do Maran­hão — UFMA. Um feito e tanto, con­siderando que a con­cor­rên­cia naquele tempo pas­sava dos quarenta por vaga, às vezes cinquenta. Com 21 anos, já emen­dara um mestrado e aos 26 anos já se fazia aprovar no con­curso de juiz fed­eral – e, como fazem questão de ressaltar seus baju­ladores: em primeiro lugar. Um pouco antes, ou con­comi­tante, já ingres­sara como docente da uni­ver­si­dade de onde acabara de sair. Extraordinário!

Não há como negar o mérito próprio, a ded­i­cação, a inteligên­cia, mas, tam­bém, há que se recon­hecer que o sucesso foi, tam­bém, o fruto de uma boa base edu­ca­cional, encer­rada na sec­u­lar insti­tu­ição dos Irmãos Maris­tas que, naque­les dias, jun­ta­mente com o Colé­gio Batista, Colé­gio Santa Tereza e Colé­gio Dom Bosco, fig­u­rava entre os mel­hores da cap­i­tal maranhense.

Um mesmo jovem que estivesse cursando/​concluindo o ensino médio na rede pública, em 1986, teria que ver adi­ado o seu sonho de entrar na fac­ul­dade e, até mesmo, con­cluir o curso den­tro do ano letivo. Lem­bro que por muito pouco, a rede de ensino pública não perdeu aquele ano letivo por conta de uma greve que durou quase 60 (sessenta) dias. No ano ante­rior foi a mesma coisa. Vivíamos dias com­pli­ca­dos.

Até o iní­cio dos anos noventa a cap­i­tal do estado só pos­suía duas uni­ver­si­dades: a UFMA e a UEMA, com vestibu­lares anu­ais. Os ricos, podendo pagar boas esco­las pri­vadas, con­seguiam pas­sar logo nos primeiros vestibu­lares ou aque­les que ape­sar do din­heiro não pos­suíam lá muita ded­i­cação, iam estu­dar noutros esta­dos onde haviam mais vagas nas fac­ul­dades públi­cas ou em fac­ul­dades pri­vadas.

Os pobres, egres­sos do ensino público, que quisessem “ser alguém”, cur­sar uma fac­ul­dade era obri­gado a ficar estu­dando e ten­tando, uma, duas, três, qua­tro, cinco vezes ou mais, até con­seguir ou desi­s­tir. Não era porque éramos bur­ros, desprovi­dos de inteligên­cia, é que muitas vezes, abria-​se a prova do vestibu­lar e percebia-​se que parte do con­teúdo que caía na prova nunca vira por onde estudou.

Como resul­tado, não “pas­sava” no vestibu­lar. Pas­sava era outro ano estu­dando apos­ti­las com questões de vestibu­lares ante­ri­ores, fazendo cursinho (os que podiam pagar) para ten­tar, mais uma vez, no ano seguinte. Excep­cional­mente, claro, alguém vindo do inte­rior con­cluir seus estu­dos na cap­i­tal con­seguia ser aprovado “de primeira” num dos vestibu­lares, mas essa era exceção da exceção, não a regra.

No fato uma con­tradição em si – e que per­siste, ainda que em menor grau, até hoje –, os pobres, que mais neces­si­tavam do ensino supe­rior gra­tu­ito não podiam auferir do mesmo, exceto após desco­mu­nal esforço, pois as vagas ficavam com os que tiveram condições de pagar o ensino pri­vado nas mel­hores esco­las da cidade nas eta­pas ante­ri­ores.

Essa foi a minha exper­iên­cia e de tan­tos out­ros mil­hares de jovens egres­sos do ensino público estad­ual. Os que, como eu, con­seguiram pas­sar no “funil” do ensino supe­rior foram bem poucos. E as nos­sas esco­las, em estru­tura e qual­i­dade do ensino, era o que de mel­hor ofer­e­cia – e ainda ofer­ece –, a rede estad­ual.

Pois bem, faço estas con­sid­er­ações ini­ci­ais porque, à mín­gua do que mostrar, em ter­mos de obras estru­tu­rantes após três anos e meio de gov­erno, o sen­hor Flávio Dino e os seus aux­il­iares – todos eles bem for­ma­dos –, ten­tam enga­nar os incau­tos “vendendo” a “ver­dadeira rev­olução” do chamado “Pro­grama Escola Digna”.

Vejam, sou um entu­si­asta do referido pro­grama, quando fui apre­sen­tado a ele, pela secretária Áurea Praz­eres, logo no iní­cio da gestão, fiquei encan­tado com a pro­posta e escrevi um texto elo­gioso à ini­cia­tiva. Podem procu­rar nos meus escritos.

Acon­tece que, difer­ente do que me foi mostrado – ou talvez do que imag­inei, pois acred­itei na pro­posta –, o que o gov­erno vem apre­sen­tando como sendo a redenção do Maran­hão na área edu­ca­cional é ape­nas a sub­sti­tu­ição das taperas, as escol­in­has de taipa e chão batido, por uma escol­inha de tijolo, com tel­hado e piso cerâmico.

Não duvido que rep­re­senta um avanço em relação ao mod­elo que admi­tia como “esco­las” estru­turas sem as condições mín­i­mas de fun­ciona­mento, como disse, taperas ver­gonhosas. Mas isso está longe de rep­re­sen­tar o que seja, efe­ti­va­mente, uma escola digna.

Estão gas­tando ver­dadeiras for­tu­nas em pro­je­tos que não con­sid­eram efe­ti­vas mel­ho­rias nas condições de ensino das cri­anças e jovens. E, pior, vendendo-​lhes a ilusão de que estão pro­movendo uma evolução na edu­cação.

Quais são as condições de ensino que estão sendo ofer­e­ci­das nes­tas e nas demais esco­las da rede estad­ual? Estão for­mando pes­soas capazes de ingres­sar nas mel­hores uni­ver­si­dades do país e futu­ra­mente serem aprova­dos nos mel­hores con­cur­sos? Capazes de com­pe­tirem, em condições de igual­dade, para o ingresso nas mel­hores uni­ver­si­dades e no mer­cado de tra­balho? Esta­mos pos­si­bil­i­tando as mes­mas condições aos estu­dantes da zona rural e urbana? Esta­mos for­man­dos pes­soas com capaci­dade de desen­volver ideias críti­cas ou meros dis­cur­sos sec­tários e boloren­tos? Temos uma pro­posta de ensino igual­itária ou os mel­hores alunos con­tin­uarão a sair da rede pri­vada, ficando os ori­un­dos da rede pública rel­e­ga­dos as funções secundárias?

Ao venderem uma falsa ilusão, estão, na ver­dade, gas­tando mau os recur­sos públi­cos que pode­riam ser investi­dos num pro­jeto edu­ca­cional de qual­i­dade e “atrasando” o desen­volvi­mento da educação.

Tais recur­sos, numa ação coor­de­nada com os municí­pios pode­riam ser investi­dos em esco­las polos, com estru­tura ade­quada, com lab­o­ratórios diver­sos, inter­net, com giná­sios e quadras polies­porti­vas, com os recur­sos edu­ca­cionais que estão sendo apli­ca­dos pelas mel­hores insti­tu­ições de ensino do país. Ou out­ros mod­e­los que efe­ti­va­mente levam uma edu­cação de qual­i­dade às cri­anças e jovens.

Temos diver­sas exper­iên­cias exi­tosas de boas práti­cas edu­ca­cionais, inclu­sive empreen­di­das por municí­pios. Imag­inem o que não se pode­ria fazer com a abundân­cia de recur­sos públi­cos que dis­põe o estado. Optaram pelo dis­curso fácil ao com­pro­misso com o futuro.

Emb­ora sig­nifique um “avanço”, repito, a sub­sti­tu­ição das taperas por escol­in­has de tijo­los, telha e piso cerâmico, está longe de, efe­ti­va­mente, trazer dig­nidade ao ensino público maran­hense. Ao reverso disso, o mod­elo que veem empreen­dendo, com o propósito mera­mente eleitor­eiro, porque fica bonito “chutar” números altos na con­strução e reforma de esco­las e, tam­bém, porque causa um forte impacto visual/​emocional na pro­pa­ganda ofi­cial a destru­ição daque­las taperas, estão pre­stando um desserviço ou, na mel­hor das hipóte­ses, “atrasando” uma ver­dadeira inter­venção na edu­cação, esta, capaz de ele­var o nível do apren­dizado de nos­sas cri­anças e jovens.

Uma edu­cação ver­dadeira­mente digna é aquela em que não haja difer­enças entre o ensino público e o pri­vado, ou mesmo entre esco­las da rede pública.

Uma edu­cação digna é aquela que rompa o apartheid entre ricos e pobres, bran­cos e negros e todas as demais for­mas de segregação.

Não con­sigo enx­er­gar como “estru­tu­rante”, “rev­olu­cionário” ou “mod­erno” um mero mod­elo de sub­sti­tu­ição de esco­las fun­cio­nando em situ­ações avil­tantes por out­ras com mais condições, mas que não ofer­ece a todas nos­sas cri­anças e jovens as mes­mas opor­tu­nidades para que, cada um, con­forme suas aptidões pes­soais, pos­sam ser o que quis­erem. Esta é a razão de ser da edu­cação: operar a trans­for­mação na vida das pes­soas; elevá-​las de pata­mar; torná-​las livres.

O gov­er­nador do estado e sua equipe, toda com­posta por pes­soas estu­dadas e cul­tas – as mel­hores “cabeças”, poder-​se-​ia dizer –, são mel­hores sabedores da importân­cia de uma edu­cação de qual­i­dade para todos.

Falece de dig­nidade o dis­curso que não con­sid­era a pos­si­bil­i­dade de que todos ten­ham os mes­mos dire­itos as chances que a vida ofer­ece.

Abdon Mar­inho é advo­gado.