AbdonMarinho - O ERRO DE PENSAR QUE O BRASIL É O MARANHÃO.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O ERRO DE PEN­SAR QUE O BRASIL É O MARANHÃO.

O ERRO DE PEN­SAR QUE O BRASIL É O MARAN­HÃO.
Por Abdon Mar­inho.
O TÍTULO, uma clara rem­i­nis­cên­cia a famosa matéria que atestou o naufrá­gio da can­di­datura de Roseana Sar­ney à presidên­cia da república no iní­cio dos anos dois mil, desta vez, parece-​me muito mais apro­pri­ado que seja usado em refer­ên­cia ao atual inquilino dos Leões.
O atual gov­er­nador tem cometido o erro de pen­sar o Brasil a par­tir do que ocorre no Maran­hão e colhe nesta reta final de ano uma inigualável saraivada de críti­cas por isso de parte da imprensa nacional.
Pou­cas vezes, aliás, a chamada grande mídia pegou tão “pesado” com uma autori­dade quanto pegou com o sen­hor Dino por conta da entre­vista con­ce­dida à Folha de São Paulo.
Mas, registre-​se, a culpa por isso é mais do gov­er­nador (e seus asses­sores) que da imprensa. Esta, a imprensa, está fazendo o seu papel de ques­tionar o posi­ciona­mento das autori­dades em relação aos temas pos­tos.
Ocorre que as autori­dades maran­henses – e isso já acon­te­cia no gov­erno Roseana Sar­ney – não estão habit­u­a­dos a serem ques­tion­a­dos por ninguém. Lem­bro que a ex-​governadora con­vo­cava cole­ti­vas onde os jor­nal­is­tas (só os “dela”) sequer per­gun­tavam algo, só ouviam. Uma ino­vação: “cole­tiva” onde só a entre­vis­tada falava.
Com o atual gov­er­nador, as cole­ti­vas (tam­bém para os seus) não mudaram muito, ainda que haja algu­mas per­gun­tas, estas são cer­cadas de cer­tos pudores, quase pedindo des­cul­pas por per­gun­tar.
Não se tem notí­cia de ninguém ques­tio­nando sobre as incon­sistên­cias ide­ológ­i­cas ou temas igual­mente espin­hosos, como as oper­ações na saúde, aluguéis cama­radas, obras exe­cu­tadas por empre­sas lig­adas a agio­tas. Nem para que o gov­er­nador tenha a opor­tu­nidade de negar, lhe são feitos os ques­tion­a­men­tos.
Este é o cam­inho do desas­tre. Para o jor­nal­ismo e para as autori­dades.
As críti­cas sofridas pelo gov­er­nador do Maran­hão por conta da entre­vista à Folha é o retrato disso: os jor­nal­is­tas que a comen­taram, prin­ci­pal­mente, na rádio Jovem Pan, só explo­raram algu­mas con­tradições do que disse o entre­vis­tado, e nem foram muito longe.
Fiz­eram o pre­visto. Lem­bro que bem antes da can­di­datura do sen­hor Dino ao gov­erno do estado, em 2014, o aler­tava para os diss­a­bores que teria de enfrentar por ser fil­i­ado ao Par­tido Comu­nista do Brasil — PCdoB, um par­tido que, den­tre out­ros exo­tismos, defende as ditaduras norte-​coreana, cubana e a venezue­lana, como mod­e­los de sociedade, inclu­sive com doc­u­men­tos ofi­ci­ais sobre o tema.
Este embaraço ide­ológico e as próprias con­tradições de se dizer comu­nista pas­sou ao largo das dis­cussões políti­cas no ano eleitoral.
O despreparo dos adver­sários e mesmo o cansaço com o longevo sane­y­sismo deu-​lhe a vitória. O poder, fez com que pas­sasse até aqui dizendo e fazendo todo tido de insanidade político-​ideológicas, sem sus­ci­tar ques­tion­a­men­tos de ninguém.
Este foi o erro. Pelo que soube o gov­er­nador ini­ciou a entre­vista da Folha afir­mando “ser comu­nista graças a Deus”.
A frase, em si, já é de uma tolice sem tamanho.
A dout­rina comu­nista é essen­cial­mente mate­ri­al­ista, incom­patível com os dog­mas fé reli­giosa. Aliás, todos sabem, o comu­nismo com­pete com a fé ou a aniquila pelo fer­vor e favores do povo.
A questão se agrava na even­tu­al­i­dade do gov­er­nador ser um cristão católico. Por alto, acred­ito que exis­tam mais dez Encícli­cas papais afir­mando – e reafir­mando – a incom­pat­i­bil­i­dade do comu­nismo com a fé católica e mesmo com o cris­tian­ismo.
Assim, se o gov­er­nador se diz católico (ou mesmo cristão) não pode, a menos que esteja “enganando” a igreja dizer-​se comu­nista. E vice-​versa.
Doutri­nar­i­a­mente, ou é uma coisa ou outra.
Essa ideia de comu­nismo cristão é alguma invenção de quem não tem o que fazer ou de quem descon­hece a história. Pois a incom­pat­i­bil­i­dade é tam­bém histórica.
A ascen­são dos regimes comu­nistas no mundo, perseguiu, como pouco se viu, as igre­jas cristãs (e todo tipo de igreja). Em muitos países os tem­p­los reli­giosos foram pos­tos abaixo, por ordem de seus líderes, e o patrimônio das igre­jas expro­pri­a­dos. Não pouparam nem pré­dios de valor histórico e arquitetônico extra­ordinário, no afã de apa­gar a fé da memória do povo.
Na antiga União Soviética, isso se deu por ordem direta de Lenin e Stálin.
Ainda hoje, no que restou de comu­nismo no mundo, a religião é restringida (ou proibida). Os casos de prisões e bani­men­tos pelo fato das pes­soa pro­fes­sarem uma fé ou, sim­ples­mente, pos­suírem uma bíblia são cor­rentes.
Uma pes­soa dizer que defende um régime, como o norte-​coreano, e dizer-​se cristão não faz sen­tido pois são situ­ações inc­on­cil­iáveis.
Mais. Depreende-​se da entre­vista a FSP a infor­mação de que o gov­er­nador man­tém no seu gabi­nete ima­gens de diver­sos san­tos. Antes ape­nas São Fran­cisco orna­men­tava o gabi­nete, agora são diver­sos.
Pois bem, esse apreço por ima­gens de san­tos – e digo isso com a sin­ceri­dade de quem tem enorme admi­ração pela arte sacra –, é incom­patível com a cena que vi (e não acred­itei) do gov­er­nador (que estava junto com o prefeito da cap­i­tal), prostrado, sob chuva tor­ren­cial durante um culto evangélico.
Veja, qual­quer um pode pro­fes­sar a fé que queira e da forma que quiser, mas não faz sen­tido – e isso não tem nada a ver com desprestí­gio à fé de ninguém –, você prostrar-​se diante de um pas­tor se você não é evangélico, se você não respeita na essên­cia aquilo que aquela fé defende, sem lhe respeitar os dog­mas.
Um dos princí­pios do protes­tantismo é a não idol­a­tria.
Já vimos até pas­tores evangéli­cos destru­indo ima­gens de sacras. E, para nossa tris­teza, mesmo cidadãos comuns, por conta destes dog­mas – e tam­bém insanidade –, van­dalizarem igre­jas católi­cas.
Assim, não faz nen­hum sen­tido, você prostrar-​se como o mais fiel dos devo­tos diante de um pas­tor (e o que me chamou a atenção: sob chuva tor­ren­cial) e man­ter uma san­taria em casa ou no tra­balho como forma de pro­teção.
Quem está enganando quem?
Além dIsso tudo ser incom­patível entre si, o é com a dout­rina comu­nista. Pois esta é, repito, essen­cial­mente, mate­ri­al­ista, anti-​religiosa e anti­cler­i­cal.
Não sou eu que digo isso, é a história, são os exem­p­los do dia a dia.
Do mesmo modo, chega às raias da bizarrice o fato de muitos, no Maran­hão e no Brasil, se diz­erem comu­nistas e pos­suírem ver­dadeira ado­ração pelo din­heiro, pelo luxo, pela osten­tação.
E aqui é o que mais tem.
O cidadão se diz comu­nista e mora nos mais exclu­sivos endereços da cap­i­tal, pos­sui os mais valiosos aparta­men­tos ou man­sões, car­rões impor­ta­dos e muito din­heiro nas con­tas bancárias.
E nem se fale da forma pouco repub­li­cana como tais patrimônios foram obti­dos.
Con­forme alertei, desde sem­pre, estas con­tradições, emb­ora todos fin­jam não ver por aqui – e talvez não vejam mesmo, pois não sabem o que é uma coisa ou outra ou ainda por acharem que tudo que sai da boca do rei é ver­dadeiro e dog­mático –, mais cedo ou mais tarde, cer­ta­mente, não pas­saria des­perce­bida no restante do país.
Foi o que se deu quando o sen­hor Dino, pen­sando falar para o público interno – parte dele com­posto por sub­or­di­na­dos –, começou a falar sandices para a imprensa nacional.
O Brasil pos­sui bons jor­nal­is­tas, capazes de enten­der o que está dito e o que ficou oculto nas palavras, como a inter­pre­tação que deram à defesa que faz de Lula e o temor de Bol­sonaro.
Inter­pre­taram que o gov­er­nador maran­hense pos­sui pouco ou nen­hum apreço pela democ­ra­cia –emb­ora fale tanto em povo –, pois no mesmo pará­grafo em que defende a can­di­datura de um con­de­nado pela Justiça – chegando a insul­tar as decisões do Poder Judi­ciário –, rev­ela que, se pudesse, impediria a can­di­datura do seu prin­ci­pal opo­nente, quando esta decisão – certa ou errada –, per­tence ao povo.
A esta imprensa restou claro, em um ou dois pará­grafos, que o gov­er­nador dos maran­henses tem um pendão pelo autori­tarismo bem semel­hante do posto em prática pelas ditaduras comu­nistas, das quais quer­e­mos dis­tân­cia e das quais não sen­ti­mos saudades.
As con­tradições em si, com a história, com os princí­pios jurídi­cos ou democráti­cos, fiz­eram da entre­vista de estreia do gov­er­nador na mídia nacional foi algo próx­imo do desas­tre.
E olhem que foi só a “inter­pre­tação da entre­vista”. Pode­ria ser bem pior, se fosse sub­metido a uma cole­tiva onde ques­tionassem estes e out­ros por­menores.
Cer­ta­mente iriam pen­sar que somos gov­er­na­dos por alguém que pos­sui a con­sistên­cia ide­ológ­ica de um cole­gial do século pas­sado.
Espera-​se que aprenda com a entre­vista e que, antes de uma nova incursão no cenário nacional, enfrente estas e tan­tas out­ras con­tradições.
O Brasil não é o Maran­hão.
Abdon Mar­inho é advogado.