A CRENÇA DE TOMÉ E O VOTO DE SARNEY.
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- Criado: Sábado, 01 Novembro 2014 12:51
A CRENÇA DE TOMÉ E O VOTO DE SARNEY.
No evangelho de João consta que: …”Tomé, um dos doze, chamado Dídimo, não estava com eles quando veio Jesus. Disseram-lhe, pois, os outros discípulos: ‘Vimos o Senhor’. Mas ele disse-lhes: ‘Se eu não vir o sinal dos cravos em suas mãos, e não puser o dedo no lugar dos cravos, e não puser a minha mão ao seu lado, de maneira nenhuma o crerei’. E oito dias depois estavam outra vez os seus discípulos dentro, e com eles Tomé. Chegou Jesus, estando as portas fechadas e apresentou-se no meio, e disse: ‘Paz seja convosco’. Depois disse a Tomé: ‘Põe aqui o teu dedo, e vê as minhas mãos, e chega tua mão, e põe-na no meu lado, e não sejas incrédulo, mas crente’. E Tomé respondeu, e disse-lhe: ‘Senhor, Deus meu’. Disse-lhe Jesus: Porque me vistes, Tomé, crestes, bem-aventurados os que não viram e creram\»”. Evangelho de João, Capitulo 20, versículos 24 –29.
Faço essas considerações antes de adentrar na questão do suposto voto do senador Sarney em Aécio Neves, no segundo turno das eleições, conforme já foi amplamente divulgado por diversos meios de comunicação.
As imagens que correram o mundo, segundo informa um site de notícias, foram periciadas pelo especialista Ricardo Molina, professor da Unicamp, que atestou a veracidade das mesmas e confirmando que o senador teria digitado os números 4 e 5 e depois a tecla confirma. Votando, portanto no candidato oposicionista, Aécio Neves.
Desde que as noticias do suposto voto começaram a circular que pessoas e assessores do senador se ocupam em negar, acusaram o vídeo de ser fraudulento, que o fato não ocorrera, que era montagem, etc.
A principal coluna política do jornal “O Estado do Maranhão”, edição do dia 31 de outubro último, se ocupou do assunto, dizendo trata-se de uma fraude, o título é até neste sentido “Desmonte de uma fraude”, apresenta como fundamento uma suposta declaração da empresa TV Amapá, afiliada da Rede Globo e membro da Rede Amazônica de Televisão, onde constaria a seguinte declaração: “Declaro para todos os fins que não é autêntico o vídeo atribuído a esta emissora. Trata-se, na verdade de uma montagem fraudulenta”.
São palavras fortes e, por isso mesmo, merecedoras de esclarecimentos.
A emissora diz que o vídeo que lhe é atribuído não é autêntico. Beleza, tudo estaria perfeito se não houvesse uma perícia técnica atestando sua autenticidade e que não há qualquer montagem no mesmo.
Mas é compreensível que a empresa não poderia – embora contradizendo uma perícia feita por técnico de reconhecida competência –, dizer algo diferente do que disse, primeiro pela pressão que deve ter sofrido por parte do senador e segundo por ter cometido um crime.
O código eleitoral, em seu arte 317 é claro: \«Violar ou tentar violar o sigilo da urna ou dos invólucros. Pena — reclusão de três a cinco anos”. Caso se entenda que houve uma violação ao sigilo da própria urna – caracterizado pela gravação indevida do depósito do voto na mesma – ou do invólucro – caso entenda filmar o ato de votar estaria se violando o depósito do voto –, por parte da empresa, os responsáveis se sujeitam a pena estabelecida, que convenhamos, não é uma pena branda. No caso de se entender que apenas houve a violação do sigilo do voto, isto também é crime, tipificado no CEL, artigo 312, a pena que é um pouco mais branda: Violar ou tentar violar o sigilo do voto: Pena — detenção até dois anos.
Em qualquer dos casos uma pena, uma condenação criminal.
O voto, nos termos da Constituição Federal, é direto e secreto. Trata-se de uma garantia constitucional a evitar que as pessoas escolham seus representantes motivados por qualquer coisa, que não sua vontade livre e soberana, e sem receber qualquer tipo de pressão ou represália posterior.
A solução encontrada – não fosse a contradição com a informação técnica –, atende tanto ao senador que pode escapar à pecha de “traíra”, quando da empresa que escapa ao processo por violação a legislação criminal eleitoral.
Apesar de tudo, o episódio tem um sentido positivo. Serve para que a Justiça Eleitoral torne ainda mais indevassável as cabines de votação. A garantia do sigilo do voto e da urna é um pressuposto para a manutenção da democracia brasileira. O voto, de ninguém, rico ou pobre, famoso ou anônimo, politico ou não, pode ser exposto da forma como vem sendo hoje em dia. O ato de votar é solene, formal e precisa ser valorizado. Não é por que se diz que a eleição é uma festa da democracia que se possa prescindir dos rituais. Cada eleitor um voto. Ninguém pode votar pelo pai, mãe, amigo, vizinho. Menos ainda divulgar por qualquer meio o voto, nem o próprio.Trata-se uma garantia constitucional, não podemos esquecer disso.
Encerro dizendo que é aqui onde Sarney encontra-se com Tomé. No caso de Tomé, somente vendo passou a crente, no caso de Sarney, nem vendo ou periciado é licito acreditar que votou em quem disse que que não votou.
Abdon Marinho é advogado.