AbdonMarinho - O escasso recurso da temperança.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Quarta-​feira, 22 de Janeiro de 2025



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O escasso recurso da temperança.


O escasso recurso da tem­per­ança.

Por Abdon C. Marinho.

OUTRO dia um amigo que atual­mente é prefeito, con­ver­sando com um amigo comum, con­ta­dor do setor público – um dos mel­hores –, dispensou-​me um elo­gio indi­reto ao falar com ele: —você é da escola do doutor Abdon, gosta de agir com prudên­cia, é cauteloso, não gosta de arriscar-​se em dema­sia. Algo do tipo.

Ao saber do elo­gio o que me veio a mente foi a lem­brança daquele outro amigo e cliente, já fale­cido que ao ser lem­brado do meu nome para dar-​lhe uma asses­so­ria ou con­sul­to­ria no cargo de prefeito para o qual acabara de eleger-​se me descar­tou com um elo­gio: — doutor Abdon é “cert­inho demais” para o que pre­tendemos fazer nessa gestão.

Lembrei-​me, ainda, daquele antigo cliente que certa vez ao orientá-​lo a fazer a coisa certa deu-​me uma resposta descon­cer­tante: — ora, Abdon, se é para fazer a coisa de forma cor­reta para que vou pre­cisar de advogado?

Os anos de fac­ul­dade, o tempo ded­i­cado aos livros, e ainda a exper­iên­cia acu­mu­lada ao ouvir os mais anti­gos, moldaram esse ideário de cautela e a con­vicção de que em tudo deve­mos mais pre­venir do que reme­diar.

O “defeito” da prudên­cia agre­gado ao “crime” da sin­ceri­dade tem me ren­dido elo­gios demais e con­tratos de menos. Mas, é a vida e já sou velho demais para mudar.

Tenho “gas­tado” horas da minha vida refletindo sobre o sen­tido da vida e sobre a fini­tude das coisas.

Outra coisa a me chamar atenção é o clima de beligerân­cia dos dias atu­ais, tenho refletido se não falta aos agentes políti­cos um pouco de tem­per­ança para admin­is­trarem os con­fli­tos.

A política surgiu como um recurso às guer­ras que destruíam vidas e recur­sos dos povos levando reis e súdi­tos à mis­éria e a morte. Logo a primeira qual­i­dade do bom político é esgo­tar os recur­sos da diplo­ma­cia ao invés de entrar em guerra.

Quanto mais reflito sobre os dias atu­ais mais aumenta sen­sação que me faz pare­cer que cada um dos, dig­amos assim, “gen­erais” em con­flito estão escu­tando ape­nas “os seus” que, pelos motivos diver­sos, “querem apa­gar incên­dios com gasolina” ao invés de pen­sarem no con­junto da situ­ação para agirem com um pouco de prudên­cia.

Aos “gen­erais” ou líderes cabe pen­sar no con­junto da flo­resta ao invés de “se perderem” na defesa de uma ou outra árvore.

Sou amante da história antiga – ao longo dos anos acu­mulei e perdi dezenas de livros de histórias das civ­i­liza­ções –, uma das estraté­gias dos grandes con­quis­ta­dores quando par­tiam para suas guer­ras era incen­diar as pontes antecedentes aos cam­pos de batal­has não deixando espaço para deserções, mais do que uma con­quista os solta­dos lutavam pela própria vida.

O mesmo acon­te­cia quando par­tiam para a con­quista de ter­ras dis­tantes: ao aportarem para as guer­ras tratavam de incen­diar os navios.

Os sol­da­dos só tin­ham uma escolha: vencer ou mor­rer em mãos inimi­gas. Se vencessem seguiam em frente ou recon­struíam as pontes e bar­cos para retornarem para suas ter­ras.

A história é tam­bém boa con­sel­heira ao apon­tar que quando duas forças mil­itares se aniquilam ou se frag­ilizam mutu­a­mente “abre uma avenida” para que uma ter­ceira força passé a “reinar”.

Parece-​me que nas con­tendas da política atual querem reed­i­tar as guer­ras da antigu­idade quando, mesmo que a razão volte a impor-​se as pontes e os bar­cos já estarão incen­di­a­dos.

Esque­cem, entre­tanto, os tem­pos são out­ros.

Um vaso porce­lana, por exem­plo, quando se que­bra ainda que você con­siga jun­tar e colo­car todos os pedaços jamais será o mesmo vaso porce­lana. As relações humanas pade­cem das mes­mas cir­cun­stân­cias: ainda que o dinamismo da vida reaprox­ime pes­soas se as pontes foram destruí­das e os bar­cos incen­di­a­dos a reaprox­i­mação será como o vaso de porce­lana par­tido em mil pedaços.

A tem­per­ança é a trincheira der­radeira entre os ressen­ti­men­tos e os dese­jos de vin­gança.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.