O escasso recurso da temperança.
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- Criado: Domingo, 15 Dezembro 2024 14:16
- Escrito por Abdon Marinho
O escasso recurso da temperança.
Por Abdon C. Marinho.
OUTRO dia um amigo que atualmente é prefeito, conversando com um amigo comum, contador do setor público – um dos melhores –, dispensou-me um elogio indireto ao falar com ele: —você é da escola do doutor Abdon, gosta de agir com prudência, é cauteloso, não gosta de arriscar-se em demasia. Algo do tipo.
Ao saber do elogio o que me veio a mente foi a lembrança daquele outro amigo e cliente, já falecido que ao ser lembrado do meu nome para dar-lhe uma assessoria ou consultoria no cargo de prefeito para o qual acabara de eleger-se me descartou com um elogio: — doutor Abdon é “certinho demais” para o que pretendemos fazer nessa gestão.
Lembrei-me, ainda, daquele antigo cliente que certa vez ao orientá-lo a fazer a coisa certa deu-me uma resposta desconcertante: — ora, Abdon, se é para fazer a coisa de forma correta para que vou precisar de advogado?
Os anos de faculdade, o tempo dedicado aos livros, e ainda a experiência acumulada ao ouvir os mais antigos, moldaram esse ideário de cautela e a convicção de que em tudo devemos mais prevenir do que remediar.
O “defeito” da prudência agregado ao “crime” da sinceridade tem me rendido elogios demais e contratos de menos. Mas, é a vida e já sou velho demais para mudar.
Tenho “gastado” horas da minha vida refletindo sobre o sentido da vida e sobre a finitude das coisas.
Outra coisa a me chamar atenção é o clima de beligerância dos dias atuais, tenho refletido se não falta aos agentes políticos um pouco de temperança para administrarem os conflitos.
A política surgiu como um recurso às guerras que destruíam vidas e recursos dos povos levando reis e súditos à miséria e a morte. Logo a primeira qualidade do bom político é esgotar os recursos da diplomacia ao invés de entrar em guerra.
Quanto mais reflito sobre os dias atuais mais aumenta sensação que me faz parecer que cada um dos, digamos assim, “generais” em conflito estão escutando apenas “os seus” que, pelos motivos diversos, “querem apagar incêndios com gasolina” ao invés de pensarem no conjunto da situação para agirem com um pouco de prudência.
Aos “generais” ou líderes cabe pensar no conjunto da floresta ao invés de “se perderem” na defesa de uma ou outra árvore.
Sou amante da história antiga – ao longo dos anos acumulei e perdi dezenas de livros de histórias das civilizações –, uma das estratégias dos grandes conquistadores quando partiam para suas guerras era incendiar as pontes antecedentes aos campos de batalhas não deixando espaço para deserções, mais do que uma conquista os soltados lutavam pela própria vida.
O mesmo acontecia quando partiam para a conquista de terras distantes: ao aportarem para as guerras tratavam de incendiar os navios.
Os soldados só tinham uma escolha: vencer ou morrer em mãos inimigas. Se vencessem seguiam em frente ou reconstruíam as pontes e barcos para retornarem para suas terras.
A história é também boa conselheira ao apontar que quando duas forças militares se aniquilam ou se fragilizam mutuamente “abre uma avenida” para que uma terceira força passé a “reinar”.
Parece-me que nas contendas da política atual querem reeditar as guerras da antiguidade quando, mesmo que a razão volte a impor-se as pontes e os barcos já estarão incendiados.
Esquecem, entretanto, os tempos são outros.
Um vaso porcelana, por exemplo, quando se quebra ainda que você consiga juntar e colocar todos os pedaços jamais será o mesmo vaso porcelana. As relações humanas padecem das mesmas circunstâncias: ainda que o dinamismo da vida reaproxime pessoas se as pontes foram destruídas e os barcos incendiados a reaproximação será como o vaso de porcelana partido em mil pedaços.
A temperança é a trincheira derradeira entre os ressentimentos e os desejos de vingança.
Abdon C. Marinho é advogado.