O REVÓLVER DE VITORINO E A PACIÊNCIA DE D. CREUSA.
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- Criado: Domingo, 26 Março 2023 20:36
- Escrito por Abdon Marinho
O REVÓLVER DE VITORINO E A PACIÊNCIA DE D. CREUSA.
Por Abdon C. Marinho*.
ADERSON DE CARVALHO LAGO FILHO, ex-deputado estadual, engenheiro civil de formação e o não historiador que mais conhece da história política do Maranhão e seus causos – isso, graças ao fato de pertencer a uma tradicional família de políticos, a quem o dileto e saudoso amigo, ex-deputado Benedito Ferreira Pires Terceiro, com finíssima ironia, referia-se como “os Sarney que não deram certo”; e, por possuir uma memória de “elefante” –, contou-me, certa vez, um causo que envolveria Vitorino Freire (1908 — 1977), o político originário de Pedra — PE, que foi proeminente, por décadas, na política maranhense, a ponto de denominar um movimento político: o vitorinismo, até ser substituído por outro político, esse maranhense, José Sarney (1930 — …), em 1965.
O vitorinismo foi responsável direto pela eleição/nomeação de três governadores maranhenses: Sebastião Archer, de 1947 – 1952; Eugênio Barros, de 1952 a 1956, que “batizou” o Povoado Centro dos Boas com o nome Vitorino Freire; e, por último, já como uma homenagem a sua vida política, conseguiu com, o general Ernesto Geisel, a nomeação de Osvaldo da Costa Nunes Freire, de 1974 a 1978.
Já não me recordo em qual dos três governos acima referido o “causo” que me foi relatado por Aderson teria ocorrido – poderia ser qualquer um deles –, isso não é relevante, muito embora acredite que tenha sido no de Eugênio Barros.
Pois bem, o fato é que como todo líder político que se preza, Vitorino Freire tinha diversos aliados, correligionários e amigos vivendo nas sinecuras dos governos e a eles servindo e se servindo – muitos deles, como é normal, com mais afinidades com quem indicou (Vitorino) do que o chefe imediato (o governador).
Como a residência de Vitorino Freire no estado era “pro forma”, tal qual a residência de José Sarney no Amapá, diz-se que ficava hospedado – pelo menos durante os governos dos seus aliados –, na área residencial do Palácio dos Leões.
Aí vem o nosso “causo”. Diz-se numa dessas “itinerâncias” pelo Maranhão, andando pelo palácio, encontrou-se com um correligionário que “alojara” para trabalhar com o próprio governador, no gabinete deste.
O correligionário começou a falar do governador: — ah, senador, o homem é um bruto, me trata muito mal, vive me humilhando e me desrespeitando. Nem sei como é que continuo no gabinete, acho que só em respeito ao senhor. E por aí vai.
Vitorino que tudo ouvia com acurada atenção, retrucou: —é mesmo, meu amigo, ele está fazendo tudo isso com você? Pois saiba que tens todo meu apoio e solidariedade. Já sei o que deves fazer.
O correligionário indagou: — sério, senador!? O que devo fazer?
Então, Vitorino, que carregava o revólver no bolso interno do paletó, o sacou e entregou ao correligionário com uma recomendação: —pegue meu revólver. Na hora que você entrar governador o descarregue todo na cara dele.
Foi então que o correligionário, empalidecido, diante da “solução” encontrada pelo senador balbuciou: — mas o que é isso, senador? Talvez não seja pra tanto.
Vitorino vira-se para ele diz: — ah, meu filho, você me conta uma série de coisas graves, humilhações sofridas, etcetera, eu lhe sou solidário, o apoio e até minha arma pessoal lhe empresto, mas a coragem tem que ser com você.
Muito embora fossem outros tempos, é provável que o “causo” relatado acima seja apenas mais um folclore da nossa história política, como tantos outros que se sabem e tantos outros já perdidos brumas do tempo.
Mas, apesar disso – verdade ou não –, serve-nos para lembrar o quanto que é precária a relação entre aquele que se acha chefe ou líder político e aquele que se encontra no exercício do mandato. Mesmo as amizades mais próximas e “doces” tendem a azedar, ainda mais quando os “entornos” que cercam a ambos, movidos por interesses próprios ou mesmo inconfessáveis “trabalham” nesse sentido.
A ambos, aos que teimam em não “desencarnar” do governo que não é seu e aquele que luta para imprimir a própria marca de gestão, a recomendação é apenas uma: paciência.
O “causo” supostamente envolvendo o ex-senador Vitorino Freire me veio à lembrança após lê em alguns veículos de comunicação (blogues, principalmente) e lê em outros tantos, os desmentidos à respeito de uma possível ruptura política entre o atual governador e o ex-governador, senador da república investido cargo de ministro de estado.
Verdade ou não, esse não é o assunto do texto.
Em todo caso, sendo verdade, acho que seja uma grande “bobagem” e falta de inteligência politica, uma vez que não são adversários (pelo contrário) e concorrem, politicamente, em faixas totalmente distintas.
Quaisquer divergências ou discordâncias entre ambos, um no poder estadual e outro no poder federal é de fácil solução.
No poder tudo é fácil de se resolver, é como carregar melancia no caminhão: você pensa que não vai dá certo, mas depois elas se “encaixam” e não cai uma.
Difícil é resolver divergências fora do poder.
Há uma sentença que sempre digo por onde passo: no poder, só os tolos arranjam motivos para brigar.
Em outra oportunidade, se instado, farei tal análise.
Antes porém que algum tolo afoito vá em busca do revólver de Vitorino, recomendo a leitura do resto do texto.
Na minha já longeva carreira jurídica – advogando para municípios há mais de vinte e cinco anos –, uma das políticas mais argutas que conheci foi a senhora Creüsa Braga Queiróz, ex-prefeita de Luis Domingues, um município pequenino, menos de dez mil habitantes, no noroeste do estado.
E não digo pelo fato dela já ter nos deixado em 2020, vítima de um câncer agressivo.
Há mais de 20 anos, desde que comecei a trabalhar com ela, que a citava como exemplo para outros gestores.
Imaginem uma mulher que mal concluiu os anos iniciais do ensino fundamental, dona de casa, mãe de seis filhos, esposa de ex-prefeito, conseguir administrar seu município sem permitir a intromissão de nenhum deles, ela conseguiu.
Embora o marido, o amigo e saudoso Didi, tenha sido prefeito, ela que era a verdadeira política da casa. Acolhendo um e outro sempre que podia; conversando com quem aparecesse na sua cozinha para conversar, almoçar ou tomar um café.
O marido foi prefeito no quadriênio de 1989 a 1993 – antes da reeleição –, depois uma disputa sem sucesso, em 2000, elegeu-se prefeita.
Quando assumiu, em janeiro de 2001, uma das primeiras aquisições foi uma agenda onde anotava de tudo: desde alguma coisa que precisava lembrar ou instrução que passava aos saldos das contas do município.
Tinha tudo anotado e controlava a administração como poucos prefeitos vi fazer, não deixando que o marido ex-prefeito ou qualquer um dos filhos desse qualquer “pitaco”.
Assim, conseguiu a reeleição em 2004, eleger e reeleger o sucessor nos dois mandatos seguintes e depois, eleger o filho, atual prefeito, em 2016.
Ela entre nessa crônica porque, como política, conseguiu, como poucos administrar essa precária relação entre ex-gestor e liderança política com o sucessor, sem colocar os interesses políticos maiores submissos a interesses menores ou pessoais.
Nos mais de vinte anos em privamos de uma amizade sincera, me tornei uma espécie de confidente. Sempre que o sucessor a contrariava ou fazia alguma coisa que não gostava ou mesmo quando ia alguém à sua cozinha fazer alguma reclamação ou se queixar de algo, ela me ligava para conversar ou desabafar.
Na máximo, depois de conversarmos, se resignava: —pois é, doutor, temos que aturar esse tipo de coisa.
Quando muito zangada já sabia, ela falava o nome do prefeito e compadre dela, dizia: — ah, doutor Abdon, o “homem” fez isso ou aquilo.
Já sabia: ela estava zangada.
Mesmo assim nunca “dava recibo”, não sei se com mais alguém, além de mim, expressava suas contrariedades.
Foi assim durante os oito anos do sucessor, ao término do qual elegeu o filho prefeito.
Em situações de conflitos reais ou imaginários entre ex e atuais gestores sempre recomendo que antes de se fazer uso do revólver de Vitorino que se adote a serenidade e paciência de Creüsa.
Abdon C. Marinho é advogado.