AbdonMarinho - Entre a cruz e a caldeirinha.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 24 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Entre a cruz e a caldeirinha.


ENTRE A CRUZ E A CALDEIRINHA.

Por Abdon Marinho.

QUANDO mais jovem e, até, mesmo hoje, sem­pre que algo que não é pos­i­tivo ou que rep­re­senta uma con­trariedade, cos­tumo dizer: — só posso ter ati­rado pedra na cruz; ou, devo ter sal­gado a Santa Ceia.

Cer­ta­mente nen­hum dos meus antepas­sa­dos ou mesmo eu, em outra encar­nação, par­ticipou de tais even­tos. Dize­mos isso como forma de jus­ti­ficar as “marés de azar” que vez ou outra ameaçam nos­sos pro­je­tos ou son­hos.

Refle­tia sobre isso e pon­derei que os brasileiros não ape­nas estive­mos todos lá ati­rando pedras por ocasião da cru­ci­fi­cação de Nosso Sen­hor Jesus Cristo como, tam­bém, erramos a mão no tem­pero da Santa Ceia e, se duvi­dar, é capaz ter­mos sido nós a gri­tar por Barrabás diante de Pôn­cio Pilatos.

Ape­nas isso para jus­ti­ficar o atual quadro político nacional.

Imag­inem que no mesmo dia que ouvi (ou li) um pres­i­dente da República min­i­mizar ou tratar com menos importân­cia o fato de um brasileiro, com prob­le­mas de saúde, ter mor­rido um cam­burão da Polí­cia Rodoviária Fed­eral — PRF, trans­for­mada em câmara de gás, numa abor­dagem abso­lu­ta­mente desastrada, jus­ti­f­i­cando que “esse tipo de coisa acon­tece até nas Forças Armadas”, li, tam­bém, que um ex-​presidente da República que se ensaia can­didato ao retorno do comando da nação, fez críti­cas ao gov­erno amer­i­cano pelo fato daquele gov­erno – e a crítica deve se esten­der a out­ros líderes mundi­ais –, man­ter uma rede de ajuda mil­i­tar e human­itária ao gov­erno ucra­ni­ano e ao seu povo que resiste brava­mente con­tra uma invasão injus­ti­fi­cada, desproposi­tada e cruel que, em mais de cem dias, já deixou mil­hares de mor­tos, cidades inteiras destruí­das e mil­hões de refu­gia­dos.

Pois é, no mesmo dia, no inter­valo de min­u­tos, fiquei sabendo destes posi­ciona­men­tos de um pres­i­dente e de um ex-​presidente que dis­putam com chances reais de um dos dois coman­darem o país a par­tir do ano vem.

O pres­i­dente não tem a com­preen­são de um fato de tal gravi­dade, memo que os autores não ten­ham tido a intenção de causar o evento morte – e até acred­ito que não tiveram –, não é algo a ser min­i­mizado, pelo con­trário, é algo para ser recrim­i­nado e colo­cado como exem­plo daquilo que não deve mais acon­te­cer.

No mín­imo, é dev­ido à família da vítima um pedido de des­cul­pas, pois o cidadão/​vítima é filho de alguém, esposo de alguém, irmão de alguém, pai de alguém, etc., não pode se min­i­mizar uma situ­ação como aquela com o argu­mento tosco de que tal fato ocorre noutras cir­cun­stân­cias “até nas Forças Armadas”.

Ora, se ocor­rem, não dev­e­riam ocor­rer. Uma família não coloca um ente querido para servir a pátria para que o mesmo mor­rer em “aci­dentes” que pode­riam ser evi­ta­dos se as autori­dades respon­sáveis agis­sem com zelo e com­petên­cia.

Quer dizer que para “limpar” a imagem do país per­ante o mundo diante da ater­radora imagem de uma viatura da PRF trans­for­mada em “câmara de gás” o mel­hor que o chefe da nação elab­ora é uma des­culpa de que “a vítima não foi a primeira e não será a última” e que isso acon­tece noutros lugares, até nas Forças Armadas?

Deve­mos ter sal­gado a Santa Ceia.

Já a incursão do ex-​presidente pela política inter­na­cional não pode­ria ser mais infe­liz. Quer dizer, pode­ria, a des­graça no Brasil, sem­pre pode ir além do imag­inável.

Desde sem­pre alin­hado com o atual pres­i­dente, que às vésperas da invasão russa foi a Moscou hipote­car sol­i­dariedade ao “povo russo” e não aos ucra­ni­anos, o ex-​presidente todo esse tempo nunca se ocupou de apon­tar sua “artil­haria ver­bal” para o ver­dadeiro cul­pado pela tragé­dia human­itária que ocorre no leste da Europa.

Sem­pre que falou con­seguiu provar que em matéria de asneiras não fica devendo nada (ou muito pouco) ao atual ocu­pante da presidên­cia.

Lem­bram que chegou a agrade­cer a Deus o surg­i­mento do vírus da COVID que já ceifou quase 700 mil vidas no Brasil?

Em relação a invasão russa, já min­i­mi­zou a tragé­dia human­itária; já disse que resolve­ria a guerra em duas ou três rodadas de cerve­jas; já fez “grac­in­has” para o car­ni­ceiro de Moscou; e, prin­ci­pal­mente, sem­pre que pode, colo­cou a culpa na vítima, como fez na última intervenção.

Para o ex-​presidente, os ucra­ni­anos dev­e­riam ter se ren­dido diante das primeiras ameaças e entre­gado a nação à potên­cia inva­sora; pode­riam hoje, “em paz” estarem sendo admin­istra­dos pela mãe-​Rússia e de que­bra, pode­riam, até, terem entregue o atual gov­erno, as autori­dades estrangeiras para que fosse jul­gado pelo crime de ter resis­tido.

Este é o o pen­sa­mento do ex-​presidente e do seu entorno.

Há uma total falta de empa­tia pelas víti­mas dire­tas ou indi­re­tas de uma guerra que só tem um único cul­pado: o gov­erno russo.

Do ponto de vista da humanidade é injus­ti­ficável que em um con­flito onde a vítima esteja sendo ata­cada fique­mos do lado do agres­sor.

A crítica feita pelo ex-​presidente ao gov­erno amer­i­cano (e aos demais gov­er­nos) é um posi­ciona­mento a favor do agres­sor e con­tra a vítima.

E vai além, respon­s­abi­liza indi­re­ta­mente a vítima pela fome que a guerra provoca ao redor do mundo. A escassez de ali­men­tos, o aumento do preço das mer­cado­rias não foram provo­cadas pela Ucrâ­nia, que é a vítima (é bom que se afirme isso) mas por quem ini­ciou e man­tém a guerra, inclu­sive retendo os navios nos por­tos que tomou de assalto.

Imag­ino que nas brigas de escola o ex e o atual pres­i­dente se por­tavam do lado dos “grandões” quando aque­les estavam batendo nos coleguin­has menores.

Para eles, o Brasil dev­e­ria ter ficado “neu­tro” o que, em out­ras palavras, sig­nifica ter se ali­ado ao gov­erno russo con­tra a Ucrâ­nia, quando muito, dividir a respon­s­abil­i­dade pela guerra entre inva­sor e inva­dido.

Não deixa de ser curioso que tanto o atual quanto o ex-​presidente “nutram” tanta afinidade pelo diri­gente russo a ponto de nunca tê-​lo respon­s­abi­lizado pela guerra e sem­pre que se man­i­fes­taram tenha sido para menosprezar, min­i­mizar ou colo­car a culpa na vítima.

Pas­sa­dos mais de cem dias de guerra não têm uma con­de­nação firme à carnific­ina pro­movida pelo diri­gente russo, sequer existe uma clara man­i­fes­tação de apoio a resistên­cia ucra­ni­ana ou de sol­i­dariedade ao povo que sofre.

Não que estes posi­ciona­men­tos sejam sur­presa para ninguém. Infe­liz­mente, dos lábios de ambos já ouvi­mos coisas infini­ta­mente piores, seja em relação a vio­lên­cia, a tor­tura, pre­con­ceitos, nega­cionismo, mis­oginia e diver­sas out­ras sandices que vão muito além do atual con­flito.

São tan­tas colo­cações estapafúr­dias de ambos que chego à con­clusão de que o que sep­ara o atual pres­i­dente do ex-​presidente é menos que um “ded­inho”, e digo isso desprovido de qual­quer pre­con­ceito pelo fato de fal­tar o pro­longa­mento em uma das mãos de um deles.

O “ded­inho” que falo é mesmo no sen­tido diminu­tivo de medida.

No caso da invasão russa a Ucrâ­nia nem um “ded­inho” sep­ara ambos. Parece que enx­er­garam no líder russo o “macho alfa” que bus­cavam.

Essa pouca difer­en­ci­ação, tam­pouco, é uma novi­dade para aque­les que acom­pan­ham min­has ideias, desde sem­pre que chamo a atenção para a sin­er­gia entre eles no propósito de deixarem os brasileiros sem qual­quer outra opção de escolha.

Não rep­re­senta novi­dade, ainda, a pos­si­bil­i­dade da eleição ser deci­dida no primeiro turno.

Tal hipótese, não chega a ser de todo mal, pois nos livra de ter­mos que escol­her entre os dois can­didatos quem vai diri­gir o país – o que, con­fesso, para mim, seria algo muito penoso.

Os brasileiros que tiverem que fazer tal escolha, à luz do seu con­venci­mento pes­soal, deve fazê-​lo tendo por norte, não o que seja bom ou mel­hor para o país, mas o que seja menos ruim ou pior.

A menos que um cat­a­clismo acon­teça, se tiver­mos um segundo turno nas eleições pres­i­den­ci­ais de out­ubro, serão esses dois que estarão lá e temos vivên­cia o bas­tante para saber que não rep­re­sen­tam nada bom para o país.

Agora mesmo, ficamos sabendo que o atual pres­i­dente ded­ica ao tra­balho tempo igual –

ou um pouco supe­rior que ded­ica um estag­iário destes não muito apli­ca­dos –, se não me falha a memória, tal con­statação é basi­ca­mente um “remake” de um certo gov­erno do pas­sado.

Como não ficar­mos angus­ti­a­dos sabendo que pelos próx­i­mos qua­tro anos é isso que teremos?

Abdon Mar­inho é advogado.