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Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Domingo, 24 de Novembro de 2024



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho

UMA FÁBULA SERTANEJA NA ATUALIDADE. 

Por Abdon Marinho.

FOI quando menino em uma “boca de noite” enluarada, clara como um dia, o verdadeiro luar do sertão tão lindamente cantado e encantado, que –  enquanto debulhávamos o milho ou feijão, como sempre fazíamos no terreiro de casa sobre um encerado –, ouvi sobre a fábula sertaneja do retorno – ainda sem tal nome. 

Dizia tal fábula que um homem muito zangado levou o velho pai doente e alquebrado para que morresse em uma área deserta. 

Chegando ao destino disse ao pai: — Pronto, velho! É aqui que você fica. 

O velho já com vista cansada, virou-se pra ele e pediu-lhe: — Ô meu filho, não poderias levar-me um pouco mais adiante, onde avistamos aquela árvore, próximo aquela ravina? O filho virou-se para ele e perguntou-lhe com voz zangada: —Por que queres ficar lá, velho? O pai, então, explicou-lhe: — Lembro que foi lá, há muitos anos, que deixei meu pai. 

Aquela foi a primeira vez que ouvi tal fábula. Eu, menino, embora sem entender muito bem sobre a “moral da história”, ou seja, que colhemos aquilo que plantamos ou que existe uma tal “lei de retorno”, apenas achei a fábula triste e cruel. 

Imagina, abandonar o próprio pai para que morra, devorado por feras, com fome, sede, doente em meio a um deserto. 

Com o passar dos anos, já mais “taludinho”, ouvindo a fábula outras vezes, acabei por entender melhor o seu real significado. 

Ainda hoje escuto-a. Vez ou outra, o Dr. Welger Freire, meu sócio e sertanejo como eu, só que de Paulo Ramos, repete a antiga fábula pelo escritório. 

Coincidentemente enquanto pensava sobre isso e mudava os canais da televisão em uma tarde ociosa de sábado, deparei-me com uma reprise da novela “amor com amor se paga”. 

Embora para esta crônica o que interessa seja o título do folhetim, não lembrava mais dele, muito embora nunca tenha esquecido do seu personagem principal, o célebre Nonô Correia, inesquecível interpretação de Ary Fontoura e, acredito, destaque ímpar de sua excelente carreira. 

Pois bem, como dizia, por estes dias assaltou-me a lembrança daquela fábula ouvida na infância.

Conforme já lhes disse – acredito, mais de uma vez –, quando conheci o ex-governador José Reinaldo ele tinha pelo atual governador Flávio Dino o apreço e carinho que só um pai muito zeloso tem por um filho. 

Foi em 2006. Rompido como grupo Sarney, ele e sua família eram alvos constantes dos ataques de cunho pessoal dos integrantes do grupo e dos seus xerimbabos. Fomos chamados para apresentar uma proposta de honorários para cuidar de suas defesas e para acionar juridicamente aqueles que ultrapassassem os limites da lei. 

O encontro deu-se na residência de veraneio de São Marcos. Após tratarmos da agenda que nos levou a ele, conversamos um pouco sobre política queria saber nossa opinião sobre o quadro sucessório, as campanhas de Jackson Lago e de Edson Vidigal, que ele achava que iria para o segundo turno. 

Já assentei, também, que naquele encontro o que mais me chamou a atenção foram os planos que ele revelou ter para o “filho” Flávio Dino. 

Dizia: — Nestas eleições o Flávio se elege deputado federal, na de 2010, a governador, e depois quem sabe?

Os planos e propósitos, assim como a afeição pareceram-me tão inusitadas (ou exageradas) que ao sair do encontro, já no carro, comentei com o sócio que estava comigo: — O governador está equivocado com este rapaz. 

Veio a eleição e o prognóstico de Zé Reinado só confirmou-se em parte: quem foi para o segundo turno contra a candidata do grupo Sarney foi Jackson Lago e não Vidigal, como imaginava. 

Em relação ao “filho” elege-o com folga, muito embora digam que fez tudo que podia (e também o que não podia) para alcançar tal resultado. 

O resto é história. 

Jackson Lago derrotou Roseana Sarney no segundo turno das eleições e foi cassado dois anos e quatro meses depois. 

O ex-governador José Reinaldo poderia, como fizeram tantos outros, ter renunciado ao governo em 2006 para candidatar-se ao Senado da República, preferiu ficar sem mandato para contribuir para uma mudança que acreditava que ocorreria no estado. 

Já em 2007 pagou um preço alto por sua opção política ao ser preso e conduzido a Brasília pela Polícia Federal. 

Um mandato de senador o teria “salvado” de tal constrangimento. 

Em 2010 ao tentar eleger-se senador pelo PSB, não teve êxito ficando na terceira posição. 

A condição de candidato permitiu que questionasse a reeleição de Roseana Sarney, quando os outros candidatos majoritários achavam que estava tudo bem e não quiseram discutir em juízo todas as irregularidades e ilegalidades praticadas. 

Em 2014, em nome da eleição do “filho” e pela unidade das forças políticas oposicionistas sequer questionou que o candidato ao Senado da República fosse outro, disputando e elegendo-se deputado federal. 

Mesmo tentando contribuir com o governo do “filho” e até pedindo desculpas por dele discordar num ou noutro momento, como no caso do impeachment da presidente Dilma Rousseff, o “aliado” e “pai” do governador nunca teve o respeito ou consideração dos integrantes do governo, que não pediam reservas ao destratá-lo ou falar mal dele.

Em determinado momento, incomodado com aquilo escrevi um texto intitulado “Respeitem o Zé”, onde mostrava toda a contribuição que deu para que chegassem ao poder.

Não surtiu qualquer efeito, mesmo os xerimbabos da mais baixa estirpe tinham “autorização” para falar mal e destratar o “aliado”.

Ora, na minha casa não admito que se fale mal de amigo meu, muito menos de alguém com tanta história prestada, inclusive pessoalmente a minha pessoa. 

Estoico, Jose Reinaldo, nunca respondeu, “cobrou” o que  ou deu-se por “sentido”. Permaneceu aguardando o reconhecimento que nunca veio. 

Tudo isso para dizer que em 2018, com duas vagas de senador a serem preenchidas, tudo que o ex-governador queria era contar com o apoio do “filho”. Afinal, já tinham doze anos que demonstrava carinho, apreço e fidelidade a ele. 

Esperou, esperou, pediu, insistiu até a undécima hora pelo apoio que nunca veio ou reconhecimento que nunca tiveram. 

Muito pelo contrário, o “filho” por quem tanto fizera em 2006 e nas eleições subsequentes, estava de braços dados e dedos entrelaçados com seus dois candidatos, seus adversários. Poderia ter apoiado só um e deixado a outra vaga para o “pai” brigar por ela. Não, só servia se a eleição fosse com a chapa completa. 

Com orgulho ainda dizia, quem estiver comigo vota em fula e em beltrano. 

Em uma analogia e sem fazer qualquer juízo de valor, José Reinaldo foi, em 2018, aquele “pai” da fábula sertaneja deixado pelo próprio “filho” para perecer no deserto. E foi um deserto inclemente. 

A sua falha, o seu delito? Talvez a sua contribuição para aqueles que teriam dificuldades de chegar ao poder sem ele chegassem onde chegaram, inclusive aqueles que não possuíam votos para eleger-se vereadores.  

Com 82 anos de idade, engenheiro de formação e com toda a sua vida dedicada ao serviço público, onde foi deputado, ministro de estado, vice-governador e governador, muito diferente de quase toda a classe política maranhense (e brasileira), dele não se conhece as fazendas, as mansões para residir ou de veraneio, os aviões, as emissoras de televisão, as redes de postos de combustíveis, os apartamentos luxuosos, iates e tantas outras coisas. 

Dele outro dia disseram, como se fosse um defeito e não mérito, que estava em uma casa de crédito tentando pegar ou prorrogar algum empréstimo. 

Talvez por isso mesmo o “filho” tenha preferido fazer mais por outros, por outros deputados, por outros senadores. 

E como o mundo não gira, como diz um amigo meu, e sim, dá cambalhotas, na fotografia política de 2022, o que vemos é o Flávio Dino, agora no papel de pai sendo deixado para atravessar o seu “deserto” ou nele perecer. 

Vejam como a realidade teima em arremedar a fábula sertaneja. 

Há quatro anos deixava para perecer no “deserto” o pai que tanto o ajudara na política, inclusive fazendo-o nascer pra ela, agora é ele que é deixado no “deserto” por aqueles por quem tanto fez. 

A fotografia não deixa de ser irônica ao reproduzir com tanta fidelidade a fábula do meu sertão. 

A sorte do atual “pai” é ser queixado onde deixara outrora o seu pai, poderá contar com ele, mais uma vez, na travessia do deserto. 

Qual será o desfecho desta fábula sertaneja da atualidade?

Abdon Marinho é advogado.