AbdonMarinho - Politica
Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Sexta-feira, 07 de Março de 2025



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho


Imperadores e Ladrões.

Por Abdon C. Marinho.

 

AO MEU SENTIR um dos pontos mais emblemáticos da obra apelidada de “O Sermão do Bom Ladrão”, do padre Antônio Vieira e pronunciado na Misericórdia de Lisboa em 1655, e não na Capela Real, como o próprio autor expõe no inicio da pregação é aquela parte em que o pároco é o que narra o encontro de Alexandre Magno com um pirata quando esse navegava com sua poderosa armada pelo Mar Eriteu em sua campanha para conquistar a Índia.

 

Narra o pároco que tendo sido levando à presença de Alexandre um pirata que por ali andava a roubar pobres pescadores. Alexandre repreendeu-o muito por andar em tão mau oficio, o pirata que não era medroso ou lerdo, respondeu ao poderosíssimo imperador, o mais poderoso de todos os tempos com estas palavras, segundo Vieira: –– Basta, Senhor, que eu, porque roubo em um barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imperador?

 

Vejam a profundidade de tais palavras. Ambos eram ladrões o que os diferenciava era o montante do roubo. Enquanto um roubava apenas uma pessoa, uma residência, o outro roubava nações inteiras, espoliava os reinos e fazia parte de sua população escrava. 

 

Ao pirata que roubava apenas uma pessoa o populacho pedia que sofresse duras penas, que fosse morto em praça pública. Ao outro o mesmo povo rendia lautas homenagens.  

 

Milhares de anos se passaram desde que ocorreu o suposto encontro entre o imperador e o pirata, quase 400 anos apenas que o fato foi narrado pelo pároco naquela manhã de domingo na Misericórdia de Lisboa.

 

Qualquer um afastado das paixões examine os fatos da atualidade haverá de concordar que aquilo que disse Vieira nunca esteve tão atualizado: os versados na arte do roubo e salteiam estados inteiros são festejados enquanto aqueles que roubam tostões ou mesmo para sobreviver são reprimidos ou punidos. E, muitas das vezes os repressores e/ou aplicadores das sanções são aqueles que tem como principal ofício roubo, o latrocínio de estados inteiros.

 

E citando São Basilio Magno dizia o pregador: “Não são só ladões os que cortam as bolsas ou espreitam os que vão banhar, para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título, são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos”.

 

Mas deixemos as lições de Vieira para adentrar à cruenta realidade dos nossos tempos.

 

A primeira pergunta que o leitor mais atento fará é que as lições de Vieira pregadas a exatos 370 anos tem com os nossos dias. E a resposta a tal indagação não pode ser outra senão: tudo. Seja em relação aos déspotas de agora, seja em relação as mesmas hipocrisias.

 

Os exemplos disso estão aí, às de todos. Não precisamos sequer descer aos rincões do atraso para constatá-los. 

 

Vejam a Europa, não faz muito tempo uma nação invadiu outra numa clara guerra de conquista imposto indizível sofrimento a toda uma população: fome, frio, deslocamento em massa, sequestros de crianças, ocupação territorial e todos os demais flagelos que uma guerra traz. 

 

Muito embora haja uma resistência da nação invadida e apoio de muitos países à mesma o o país invasor e o seu tirano de plantão encontra quem o apoie e o saude como se fosse algo diferente do que é: um déspota que causa sofrimento a pessoas inocentes. 

 

Vejamos um outro exemplo: não há quem não saiba que o regime venezuelano tornou-se uma ditadura fraudulenta e que a última eleição perderam vergonhosamente e à custas da opressão se mantém no poder. 

 

Ainda assim, muitas nações ditas democráticas (inclusive o Brasil) lá estiveram presentes como a chancelar aquela excrescência. 

 

Vi inclusive “autoridades” e lideranças políticas fazerem coro para o regime venezuelano como se ele fosse um modelo de democracia. 

 

E que papelão fez o Brasil em todo esse processo. 

 

Fruto da loucura de nossos tempos o grande império do norte elegeu um aprendiz de tirano para o cargo mais importante do mundo. Os Estados Unidos, para ficar no exemplo de Vieira, é a Macedônia de Alexandre com muito mais poderio bélico. 

 

E o que faz o Alexandre genérico? Antes mesmo de assumir já falava em retomar o Canal do Panamá, que integra uma nação soberana; em “tomar” a unidade autônoma da Groenlândia, que integra o reino da Dinamarca desde sempre; e até em tornar o Canadá o 51º estado americano. 

 

Ah, isso não é para ser levado a sério. Como não levar a sério o homem que detém o maior poderio bélico do mundo e que tem o poder para destruir o mundo com as decisões que toma ou que insinua tomar.

 

Como ignorar o que diz um homem que pelo poderio que tem, usando cargo público para o qual nem tomara posse fez um operação financeira que lhe rendeu lucros pessoais de mais de 5 bilhões de dólares? 

 

Percebe-se claramente que não haverá distinção entre delírios e realidade. Entre o poder público e os desejos de lucros privados. 

 

As coisas são ditas e divulgadas com tamanha naturalidade que fico com a impressão que eu sou o alienista, que eu estou errado ao não encontrar naturalidade em nada disso, ao achar um absurdo tais colocações ou que se utilize do poder público para auferir lucros privados. 

 

Mas se os déspotas e tiranos pouco ou nada mudaram nos últimos milênios os hipócritas também permanecem os mesmos. 

 

Vejam que os mesmos que fingem indignação com o regime ditatorial venezuelano são os mesmos que aplaudem e que têm orgasmos múltiplos a cada loucura que é proferida pelo topetudo americano. 

 

A hipocrisia parece não guardar qualquer respeito pelas pessoas que ousam pensar.

 

Não faz muito tempo o ditador venezuelano (sou um dos poucos que dizem isso há mais de dez anos) anunciou ao mundo que iria anexar setenta por cento do Suriname, a tal Província de Essequibo. O mundo quase inteiro veio abaixo diante do despautério.

 

Hoje vemos o líder do maior país do mundo dizer que vai retomar, com força militar, o Canal do Panamá, que representa quase toda a economia daquele país; que vai “adquirir” a Groenlândia, que integra o reino da Dinamarca e que vai “anexar” o Canadá como 51º estado americano, e os mesmos hipócritas nada dizem. 

 

O entendimento deles (hipócritas) é que o ditador venezuelano teria mais chances de cumprir suas ameaças que o “imperador” do norte? 

 

E se tão ciosos pela probidade administrativa por que silenciam absurdamente diante da confusão de interesses públicos e privados que começaram a praticar? 

 

Como bem assentava Vieira e que serve como uma luva para os dias atuais, o que difere imperadores de piratas é apenas o quanto são capazes de roubar. Aquele que rouba pouco é ladrão, aquele rouba muito é imperador. 

 

Abdon C. Marinho é advogado.