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Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Quinta-feira, 21 de Novembro de 2024



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho


As lições de dona Creusa para os futuros gestores.

Por Abdon C. Marinho.

UMA TARDE, logo depois do resultado das eleições municipais, recebi a visita de um amigo que trabalha dando assistência aos municípios e seus gestores. Ele e outros técnicos em gestão pública municipal iriam participar (ou promover) uma reunião com os novos gestores para falarem de suas experiências, passarem informações sobre os desafios que os gestores deverão enfrentar. 

— Abdon, achamos importante sua participação nesse evento. 

Há quase trinta anos meu escritório trabalha com direito municipal, administrativo e eleitoral – se levarmos em conta os anos que passei na Assembleia e na prefeitura de São Luís, dará bem mais –, entretanto, essas atividades não são como um manual onde se possa dizer: siga esse caminho que dará certo, estar-se sempre consertando o trem com ele em movimento. 

Fiquei sem saber o que dizer sobre o “convite” para falar aos novos gestores.

Depois da visita – e nos dias seguintes –, fiquei pensando no assunto e, perdido em tais pensamentos, lembrei-me das lições que aprendi com umas das minhas primeiras clientes nesse ofício de advocacia pública: dona Creusa, ex-prefeita de Luís Domingues, extinta desse plano em 2020. 

Conforme já falei em outros escritos, inclusive nos textos “Minha amiga D. Creusa” e em “O revólver de Vitorino e a paciência de Creusa”, a ex-prefeita foi uma gestora singular, por isso, durante anos – e até hoje –, me refiro a ela como exemplo quando converso com algum cliente. 

D. Creusa era uma mulher simples, sequer chegou a concluir o que hoje chamamos de fundamental menor, mãe de seis filhos (todos homens), era uma dona de casa comum mas com muito jeito para lidar com as pessoas e muita autoridade moral. 

A conheci através do deputado Aderson Lago que contou com o apoio dela e da família em algumas campanhas. O marido, seu Didi Queiroz foi prefeito entre 1989 e 1992. Nesse período o governo estadual, comandado pelo governador Edison Lobão, promoveu uma série de intervenções políticas nos governos municipais, entre elas a de Luís Domingues, e Aderson ajudou a devolver-lhe o mandato pouco tempo depois. 

Em 1996, dona Creusa foi candidata a prefeita e perdeu por uma ínfima quantidade de votos. 

Em 2000 conseguiu a vitória em cima do prefeito que a derrotara quatro anos atrás.

Acompanhei a gestão desde antes dela começar. Na véspera da posse estava lá providenciando os atos iniciais. 

Naquela época ainda não havia a MA 206, ligando o Povoado Quatro bocas (Junco do Maranhão) a Carutapera nem a MA 301 (que poderá ser a BR 308) ligando Carutapera a Cândido Mendes. Só no primeiro trecho levávamos 5 ou 6 horas dependendo da época do ano e do chamado inverno amazônico. 

Nos mais de vinte anos em que convivi com dona Creusa muitas foram as lições aprendidas é sobre elas que trata o presente texto.

Muito embora dona Creusa fosse uma mulher simples, esposa de ex-prefeito, dona de casa e mãe de seis filhos varões, o mais novo já com mais de vinte anos, ela nunca permitiu que nenhum deles desse “pitaco” ou interferisse na sua gestão. Se seu Didi dava alguma opinião essa era muito discreta e dentro do recesso do lar de ambos, aliás, dentro do quarto, pois mesmo nos ambientes comuns da casa não o ouvíamos opinar sobre os assuntos da gestão. 

O mesmo se dava em relação aos filhos e noras, nenhum tinha “mando” sobre o governo da mãe/sogra. Mesmo aqueles que trabalhavam na prefeitura ficavam restritos as suas atribuições funcionais e sob o comando de dona Creusa.

Como é muito comum não víamos ninguém da família “prefeitando” na sua gestão. 

Se com os “de casa” era assim, imagine com os demais. Deputados, vereadores, lideranças, empresários e todo o resto que hoje vemos com poder de comando em muitas gestões, no governo de dona Creusa não davam “pitaco”. 

Acho que essa é uma lição. O gestor precisa entender que ele precisa assumir as responsabilidades e não terceirizar suas funções. A responsabilidade é dele. Como dizia um amigo é o CPF dele que aparece perante os órgãos de controle como gestor/ordenador de despesas. 

Em uma das primeiras conversas que tive com ela, ainda antes de assumir, sugeri-lhe tivesse tudo anotado – até para cobrar depois. 

Ela atendeu a sugestão dada e mantinha uma agenda onde fazia as anotações dos assuntos tratados, dos saldos em contas, das obrigações que teria que cumprir, etc., um dos filhos que a auxiliava tinha a missão de olhar os saldos e emitir os extratos para que ela pudesse conferir. 

Uma das características de dona Creusa era escutar seu advogado.

Foram oito anos em que sempre que ela ia tomar uma decisão importante tinha a iniciativa de me ligar para perguntar o que eu achava, se podia fazer ou como podia fazer. 

Se tinha algum assunto mais urgente e que demandasse uma solução presencial, ligava: —doutor preciso que o senhor venha aqui, já falei com o deputado fulano que emprestou um avião para o senhor vir. 

No dia seguinte amanhecia no aeroporto para pegar um aviãozinho bimotor ou monomotor para ir passar o dia em Luís Domingues. 

Talvez essa seja uma outra lição a ser assimilada pelos novos gestores: seus advogados, contadores e demais técnicos precisam ser de sua confiança e corretos a ponto de compreenderem que o trabalho e assistência ao ex-gestor não se encerra com o mandato. 

Com o término do mandato continuamos cuidando das coisas dela e, principalmente, mantendo a amizade. 

Apesar de ter feito o sucessor não continuamos a assessoria jurídica do município.

Mas ela sempre me ligava para conversar e ouvir a minha opinião sobre o governo do sucessor. Muito resignada, quanto as coisas não andavam como gostaria que andassem, me ligava para desabafar: — fazer o que, né, doutor? Eu quis assim, agora terei que aguentar. 

O governo do sucessor não é o “nosso” governo. 

Ela tinha essa compreensão e em nome do interesse maior adotava uma discrição e resiliência impressionantes. Não demonstrava insatisfação ou reclamava publicamente de nada. Acho que era um dos poucos que sabia quando ela não estava satisfeita.

Essa, talvez seja, também, uma lição, saber esperar com serenidade em nome de um interesse maior. 

Oito anos depois, em 2016, ela estava articulando a eleição do filho, juntando todos os aliados e trabalhando para uma vitória tranquila nas urnas, como de fato se deu. Antes das eleições e depois tornaram-se mais frequentes as idas ao escritório e as nossas contribuições para a campanha e para o governo. 

Em janeiro de 2017, fui convidado para a primeira reunião do novo governo. Lá estava dona Creusa participando da reunião na condição de secretária de uma pasta enquanto o filho caçula assumia dali os rumos da história e da política. 

Ficou no cargo até quando veio a doença que a levou desse plano. 

Ela foi a articuladora de tudo mas já sabia que não era mais a protagonista, não era ela a prefeita. 

Quando a apresentei ao amigo e contador público Max Harley Freitas ele disse: — doutor Abdon fala tanto da senhora que parece que lhe conheço há muitos anos, da vida toda. 

Foram mais de vinte anos de amizade e aprendizados que, certamente, levarei para sempre. 

Posso dizer que bem antes de surgir o termo “empoderamento” feminino, ou dele entrar na “moda” dona Creusa, que não sabia e nunca ouvirá  falar nisso, já era uma mulher empoderada. Acho que era algo natural dela. 

Como disse acima, sempre que converso com um gestor, principalmente, um novo gestor que ainda inicia nos caminhos da administração pública cito as lições e exemplos de dona Creusa. 

Abdon C. Marinho é advogado.