A REPÚBLICA DO PIOCERÃO.
Volta e meia, principalmente após as eleições, ressurgem os debates secessionistas. Colocam com naturalidade a ideia de dividirmos o nosso povo, por localização geográfica, por raça, cor, situação econômica. Nada mais tolo, nada mais absurdo. O Brasil é um só, demorou para que o construíssemos assim e o caminho que temos é a união de todos os homens de bem em torno de um projeto comum.
Os estados ricos precisam trabalhar no sentido de exigirem do poder central que os estados menos desenvolvidos alcancem o mesmo grau de desenvolvimento e as suas populações o mesmo nível de acesso aos serviços públicos.
As regiões norte e nordeste sempre padeceram dos piores tipos de exploração política. Ainda durante a ditadura, enquanto os estados do centro-sul, sudeste e sul, iam as ruas pedindo o fim do regime, ou já a partir de de 1974 garantia a eleição de representantes oposicionistas nas direções dos seus estados e uma boa representação no Congresso nacional, nos estados do norte e nordeste as velhas oligarquias davam as cartas. Já naquela época se falava em secessão.
Em 1976, para evitar uma acachapaste derrota nas urnas para a oposição, a ditadura lançou mão do pacote de abril, criando as sublegendas, aumentando em um terço a representação do Senado da República e mais outras medidas tendentes a limitar o avanço dos opositores.
Apesar de tudo isso, em 76, 78 e 82, conseguiu-se avançar e com a eleição de Tancredo Neves, 1985, iniciar-se um novo ciclo político.
Esse breve retrospecto serve para mostrar que as ideias tolas não vem de hoje, o que temos de diferente são os personagens.
A maioria dos analistas apontam a última eleição como sendo a mais semelhante com a batalha de 1989. A primeira eleição direta para presidente da República após a ditadura. Em relações aos sentimentos, posso dizer que sim. Havia toda uma mística entre o entendíamos o novo, o descolado, um trabalhador no poder, representado pelo Lula e o candidato representante das velhas oligarquias rurais do nordeste, dono do império de comunicação, Fernando Collor de Melo.
Como na atual campanha tínhamos que desmistificar as mentiras disseminadas contra o Lula. Que ele iria tomar as terras das pessoas; que se você tivesse uma galinha teria que dividi-la em duas e dar-lhe uma banda; que iria tomar as mulheres, prostituir as crianças; que ele tentara obrigar uma ex-namorada a cometer aborto; que era violento contra as mulheres.
Eu, praticamente, um menino, ainda estudando para prestar vestibular, vestia a camisa de militante. Primeiro voto para presidente.
Lembro da enorme frustração, sentimento de vazio que senti quando as urnas apontaram para a vitória de Collor.
Os votos de Lula, oriundos, principalmente dos grandes centros urbanos das regiões sudeste, sul e centro-oeste já o adversário pontificava como grande vitorioso nos rincões mais atrasados do norte, nordeste. São Paulo, que também deu vitória a Collor, dizia-se que essa era devida a grande colônia nordestina no estado.
Naqueles dias, os próceres do petismo, da chamada esquerda descolada, propalou os bordões de que o nordeste atrasava o Brasil. É isso mesmo, a “companheirada\" daquela época propunha o mesmo discurso tosco do divisionismo, do ódio contra o nordeste, etc. Essa mesma irresignação que vemos hoje contra a vitória de Dilma Rousseff vivenciamos contra a vitória de Collor.
A mesma coisa foi feita nas demais eleições perdidas pelo Lula. Basta ver seus discursos dele contra os programas de distribuição de renda do governo federal na gestão de FHC. Dizia com todas as letras que os pobres do Brasil votavam com a barriga e não com a cabeça.
Com a chegada do Lula ao poder, em 2002 – após três derrotas seguidas –, ele nada fez para propiciar as condições de desenvolvimento das regiões economicamente mais frágeis do Brasil, pelo contrário, tratou de aumentar o assistencialismo, que tantas vezes o derrotou e que tantas vezes combateu nas eleições.
O governo Lula passou a encarnar o papel anteriormente desempenhado pelas velhas oligarquias estaduais. Manteve as velhas estruturas e colocou-se acima delas. como provedor da política de esmolas.
É ilusório dizer que o nordeste cresce mais que as outras regiões. Na verdade, a pobreza é tamanha que qualquer incentivo econômico aparece, como é o caso da injeção dos milhões mensais distribuídos nos programas de transferência de renda.
Não é possível que aceite que se reduziu a miséria, quando se constata que só no “Bolsa Família” temos cerca de 55 milhões de beneficiados, sem contar os outros programas. Não se trata de uma política de Estado de redução da miséria, se assim fosse, partiríamos de um número elevado de benefícios e iríamos reduzindo ao longo dos anos. O que está acontecendo é que a cada ano temos é mais gente sendo inscritas nestes programas.
Trata-se de um crime contra essas pessoas que não estão se libertando da miséria e sim apenas trocando de senhores. Acrescento que com desvantagens para elas e para o país. As famílias mais pobres, cuja a taxa de natalidade vinha em declínio, passou a aumentar pois a cada filho se recebe um beneficio a mais. Maldizendo, a situação se assemelha, em muito, aqueles idos do colonialismo, em que os senhores incentivavam o crescimento da população cativa para terem mais mão-de-obra. No caso, aqui, busca-se o eleitorado cativo.
Nas últimas eleições, como no coronelismo de outrora, os donos do poder fazem questão de ameaçar, difundir todo tipo de temor aos mais fragilizados. São basicamente as mesmas ameaças que faziam os coronéis, os militares e que fez o Collor, na eleição de 1989. Só mudaram de lado os ameaçadores, os ameaçados permaneceram os mesmos.
A votação da presidente na sua localização geográfica é o reflexo disso. Numa estranha coincidência os seus mais 54 milhões de votos quase que correspondem ao número de beneficiados pelo Bolsa Família. Basta comparar o mapa de beneficiários do Bolsa Família com o mapa de votação da presidente eleita e veremos que não há distinção entre eles.
Numa outra coincidência, os estados do Piauí, Ceará e Maranhão são onde há mais famílias são beneficiadas, com dois, Piauí e Maranhão, tendo mais de 50% (cinquenta por cento) das suas populações inscritas nos programas sociais. Maranhão, Piauí e Ceará lideraram a votação em favor da candidata oficial, dando a presidente eleita mais de 76% (setenta e seis por cento) dos votos.
O Maranhão que tem mais de trinta municípios entre os cem mais dependentes a votação alcançou quase 80% (oitenta por cento). As pessoas temerosas votam no interesse mais imediato: no dinheiro que lhe cai nas suas contas todo fim de mês.
Um dos casos mais emblemáticos de submissão política que lembro, é o caso de Bacabeira no Maranhão. Aos que não lembram, no começo de 2010, o presidente da República, Sr. Lula, com presidente do Senado, Sr. Sarney, acompanhados da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, do ministro de Minas e Energia, Sr. Edison Lobão, da governadora do Maranhão, Sra. Roseana Sarney e mais dezenas de políticos e aduladores de todos os naipes, foram àquele município lançar a pedra fundamental da Refinaria Preminun de Bacabaira, quatro anos e quase dois bilhões depois, o que era para ser uma refinaria, virou um descampado, dezenas de famílias e comunidades de antigos quilombos deslocadas, dezenas de empresários quebrados, a refinaria, simplesmente, foi para as calendas, na atual crise pela qual passa a empresa, não se sabe nem mais se voltará a fazer parte dos seus planos de investimentos. Diante disso, do maior estelionato eleitoral da história do país iria se imaginar que os eleitores estivessem revoltados com quem os enganou, não? Em qualquer outro lugar, sim, em Bacabeira a candidata que promoveu o engodo em 2010, conseguiu 88,43% dos votos.
Esse é o retrato da República do Piocerão: os cidadãos não estão nem aí para nada, não lembram o dia de ontem desde que possam sacar seu benefício no fim do mês.
Abdon Marinho é advogado.