LULA REINA, BOLSONARO AVANÇA DUAS CASAS.
Por Abdon C. Marinho.
O BRASIL, segundo pesquisas abalizadas, desponta como uma das nações mais polarizadas no campo da política. Arrisco dizer que nem seria necessário pesquisa alguma pois essa é uma realidade bem presente por onde se passa, nos estados, nas cidades, nas comunidades, ainda que pequenas, nas empresas, repartições e dentro dos lares.
Tal nível de polarização faz com que opiniões ou análises políticas sejam tidas como proselitismo a favor de um ou contra outro e vice-versa.
Esse estado de coisas leva à ignorância ou a má-fé – ou à ambas –, se se deparam com alguma opinião que contrarie a sua “ideologia”. Um caldo de cultura que impede a leitura de opiniões dissonantes das suas, fazendo com que se retroalimentem a partir dos próprios (pré) conceitos ou a partir de ideias de um grupo bem exclusivo e concordantes com as suas.
Uma das características destes tempos de obscurantismo é colocar determinados autores em uma espécie de “índex” proibido.
Muito embora essa seja uma prática da Idade Média dão um nome bem atual: “cancelamento”.
Faço tal registro apenas para consignar que talvez tenha passado desapercebido por muitos o alerta que fiz logo no início da pandemia.
Dizia naquela oportunidade – quando os desatinos na condução da crise sanitária ganhava corpo e termo “genocídio” se tornava cada vez mais presente nos debates –, que, muito embora o termo não se aplicasse à população brasileira como um todo, era perfeitamente aplicável em relação ao tratamento dispensado as povos indígenas, uma vez que se tratavam de grupos étnicos menores.
Pontuando que o tratamento inadequado da pandemia em relação a essas populações poderia, sim, embasar uma condenação do mandatário nacional, não apenas no Brasil, mas, principalmente, nas cortes internacionais.
Com muito mais ênfase, inúmeras vezes, nas minhas análises, pontuei que o governo do então presidente “trabalhava” – não sei se por devaneios ou desvarios –, com perspectiva de um golpe militar que o entronizasse no poder pelo tempo que achasse devido.
Fiz tal análise política, acredito, pelo menos uma dúzia de vezes.
Inúmeras vezes, disse, também, que cogitar ou tentar implementar uma ditadura militar no Brasil em pleno século XXI era algo absolutamente sem nexo ou conexão com a realidade mundial.
Em outras palavras, não havia “clima” para uma ruptura institucional e que tentar tal loucura seria conduzir o país a uma guerra civil e a destruição da nação.
Entre muitas das análises sobre o cenário político escrevi um texto com o seguinte título: “Um candidato entre o Planalto e a Papuda”, ilustrava o texto uma charge colhida da internet mostrando uma ampulheta com o então presidente, na parte de cima, vestido de presidente, com faixa e tudo; e, na parte de baixo, já se formando no uniforme de presidiário.
Foi logo no início do processo eleitoral.
Soube que os “devotos” do ex-presidente, sobretudo aqueles incapazes de entender, repito, que uma análise política “não é contra ou a favor de ninguém”, pois se o for, torna-se proselitismo, “subiram” nas tamancas de ódio e desejaram-me o fogo do inferno pela eternidade.
O tempo – esse incontestável senhor da razão –, passou e com ele a certeza de que tudo (ou quase tudo) que afirmei (e que tenho afirmado), eram verdades.
Com as sementes golpistas semeadas durante quatro anos – todas as vezes que atacou as instituições, principalmente, o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal, a Justiça Eleitoral e o processo eleitoral –, após a derrota nas urnas, no segundo turno, o mandatário entrou, para o público em geral, em uma espécie de mutismo, enquanto fazendo uso do que convencionou-se chamar “apito de cachorro”, diretamente ou através de interpostas pessoas, insuflava os seus seguidores a ocupar as ruas, portas dos quartéis militares chamando para o golpe institucional.
Soube-se, inclusive, de reuniões com os chefes militares com tal intenção – tendo os mesmo se recusado a tal aventura –, e que o filho zero um fizera uma incursão especial ao comandante do exército para sondá-lo sobre tal possibilidade, tendo sido rechaçado.
Prova maior de que engendraram um golpe foi a minuta do decreto com tal intenção apreendida pela Polícia Federal na casa do ex-ministro da Justiça – que se encontra preso.
Não satisfeitos com o fracasso das tentativas, por assim dizer, “institucionais” do golpe, o presidente “foge” do país na antevéspera de passar a “faixa”, após um discurso com linguagem cifrada, instando os seus “devotos” a continuarem as tratativas golpistas.
O ex-ministro da justiça, agora feito secretário de segurança pública do Distrito Federal, teve papel significativo no triste evento de 8 de janeiro, quando deu-se a bizarra tentativa de “tomada do poder” pelo “povo”.
Ele (secretário) tomou posse, não desmobilizou as forças de segurança pública (não fez isso sozinho) e partiu de férias uma semana após assumir o cargo, pretendendo com isso fazer crê que nada tinha com a patuscada.
Mas é fato, sim, que tivemos uma tentativa de golpe, mas, como tudo que fizeram nos últimos anos, o golpe também era fake pois não tinha a menor chance de prosperar.
Foi a derradeira tentativa de “convencer” as Forças Armadas a embarcarem na canoa furada do golpismo.
As cenas de vandalismo e a certeza que se tem de quem engendrou tal vexame, produziu o efeito contrário, dando ao presidente eleito com uma margem mínima de votos – a menor que temos notícia –, a legitimidade para que se sinta o “rei da cocada preta”, como se dizia na minha aldeia, e passasse a governar como se não devesse nada a ninguém.
Como disse em um texto anterior, o atual governo não teve início no dia primeiro, conforme mandamento constitucional, ele começou, de fato, no dia 8 de janeiro, quando os atos “golpistas” o validaram, dando-lhe uma legitimidade que até então não tinha.
Foi ali, naquela tentativa fake de golpe institucional que o senhor Bolsonaro avançou uma casa.
E vamos em frente.
Conforme pontuei há quase três anos, os maiores dissabores do governo findo viriam da questão ambiental, notadamente, da forma como conduziriam a questão indígena.
Como a desgraça nunca nos decepciona – pois sempre vem pior do que se pode imaginar –, as imagens de seres humanos, índios brasileiros, mortos ou morrendo de fome chocaram o mundo.
Muito embora nada possa ou deva ser comparado ao holocausto judeu na Segunda Guerra Mundial, o que o governo brasileiro fez com os ianomâmis só encontra paralelo ao que a máquina de guerra nazista fez ao povo judeu – guardadas as devidas proporções.
As imagens de crianças e adultos magérrimos, só pele e osso, doentes, com enfermidades diversas, só se assemelham com as imagens do holomodor, quando os comunistas soviéticos dizimaram pela fome, milhares de ucranianos; ou grande fome chinesa ocorrida depois da tomada do poder pelos comunistas de Mao Tse Tung, ocorrida entre os anos de 1958 a 1961; ou maior de todas as tragédias, que foi o morticínio de judeus, ciganos, homossexuais, pela máquina de guerra nazista durante a Segunda Guerra Mundial.
Qualquer cidadão brasileiro, com vergonha na cara, deveria sentir-se pessoalmente ultrajado pelo que o governo brasileiro fez com os índios ianomâmis, uma vergonha, um horror, uma barbárie, cujas imagens de fatos semelhantes só encontramos em fotografias em preto e branco pois ocorridos antes do advento do “em cores”.
A nossa vergonha ocorre agora em pleno século XXI, em tempos de comunicação instantânea em todos os cantos do país.
Como essa desgraça se deu? Quem são os responsáveis?
O Brasil não poderá ser considerado como um país sério se “passar o pano”, tanto na bisonha tentativa de golpe, como, principalmente, na tentativa genocida de eliminação do povo ianomâmi.
Sim, a palavra genocídio, como disse há três anos, é cabível. Por ação ou omissão – não foi apenas incompetência –, os governantes brasileiros, precisam ser responsabilizados pelas centenas de mortes evitáveis daquele povo, pelo fato de tê-los deixados para “morrerem” de fome, conforme mostram, de forma incontável, as imagens, fotos, vídeos, etc.
A gravidade ímpar dos fatos não admite outra coisa senão a punição exemplar de todos que concorreram para o genocídio, inclusive, que sejam feitas prisões preventivas – respeitando o devido processo legal –, dos responsáveis, antes que os mesmos fujam para alguma ditadura amiga.
Ao meu sentir, não há pacificação possível sem a punição dos criminosos.
O tratamento da questão indígena ou a “solução final” dada a ela fez o senhor Bolsonaro avançar a segunda casa.
Abdon C. Marinho é advogado.