O MARANHÃO SEM MEDO DO RIDÍCULO.
QUANDO menino lá no meu sertão, ouvia dos mais velhos que, quando o mundo estivesse perto do fim, veríamos a roda grande passar por dentro da pequena.
Andamos perto de ver isso ocorrer com a inusitada decisão do deputado Waldir Maranhão (PP/MA), de anular a decisão do plenário da Câmara dos Deputados que admitiu a abertura de processo de impeachment contra a senhora Dilma Rousseff, ainda presidente da República.
A exdrúxula decisão de Maranhão não tem efeito prático algum para o processo de impeachment, sequer foi levada em conta pela classe política nacional. Não se trata de posição refratária dos que dela discordaram.
Vejamos, como seria possível uma decisão solitária de um parlamentar tornar nula a decisão da Câmara dos Deputados adotada por seu plenário por quorum qualificado, mais de dois terços, mais precisamente 367 parlamentares? Como poderia decidir sobre um processo já recepcionado e aprovado por Comissão Especial do Senado da República? O deputado maranhense pecou na forma e no conteúdo. Uma dupla incompetência manifesta. Inclusive no sentido literal.
Se não tem efeito prático para o processo – o presidente do Senado, inclusive já deliberou pelo não conhecimento da decisão, os ministros do Supremo têm decidido de forma reiterada sobre a regularidade da tramitação do mesmo –, teve o condão de virar uma piada instantânea. Por onde passei ouvi as tiradas mais inusitadas. De um ouvi que Maranhão teria acatado recurso do Brasil e anulado a derrota de 7x1 da Alemanha; de outro que acatara recurso do Botafogo e tomara o título do Vasco da Gama, conquistado no último final de semana; outro que vai anular o jogo do Sampaio Correia contra o Moto; um outro que anulará o título do Botafogo conquistado em 1910. Há quem surgira que poderá revogar a Lei da Gravidade.
Virou galhofa, o ridículo manifesto.
As primeiras notícias dão conta que o presidente interino da Câmara, que é veterinário de formação, não se aconselhou com a assessoria da Casa, reconhecida por sua competência, antes, segundo dizem, buscou inspiração com o advogado-geral da União, Eduardo Cardozo e com o governador do Maranhão, Flávio Dino. Isso é o que dizem.
Em uma página atribuída ao governador, consta como tendo dito que nada mais natural que o deputado, seu aliado, tenha pedido sua opinião sobre a decisão que tomaria. Sendo verdade, não deixa de ser surpreendente. Chego a duvidar que uma patuscada deste naipe tenha tido o consórcio de dois professores de direito, até então "vendidos" como dos mais inteligentes.
Se foram consultados, o lógico seria que dissessem que a ideia do deputado, se foi mesmo dele, não tinha pé nem cabeça, pelas razões já discorridas acima.
Será que pensavam que esse tipo de manobra infantil prosperaria? Por que não o aconselharam a desistir do ridículo papel que faria com a tentativa de atropelar um processo em fase tão avançada e já distante da seara da Câmara?
Se o trio esteve consorciado na ideia, fico pensando o teria passado por suas cabeças, se é que passou algo.
Será que acharam ser razoável um único parlamentar anular um processo findo e já na outra casa do congresso? Pior que acharam.
Os meios de comunicação informam que não apenas acharam razoável, como o advogado-geral da União, convertido em advogado da senhora Dilma Rousseff, passou o fim de semana pressionando pela decisão favorável à presidente.
A loucura revela não apenas falta de conhecimento jurídico, mas, sobretudo, de bom-senso.
O resultado é o que estamos testemunhando: a decisão sendo tratada como o maior "mico" da história do Congresso Nacional, sendo tratada com indiferença, ironia, indignação, uma pisada de bola, uma piada de salão.
A afronta poderá aumentar o número de votos já favoráveis ao impedimento da ainda presidente.
Noutra quadra a comemoração precoce de líderes governistas revela o quanto o desespero se abateu sobre os que hoje estão no poder.
Se o deputado maranhense tentou uma última cartada para beneficiar o governo, pelo nível reações que se viu, não deu certo. O Senado vai prosseguir com o processo ignorando a decisão de Maranhão e os mercados viram que a decisão não era "séria".
Mas, como tudo na vida, ainda que não tenha conseguido seu intento a decisão de Maranhão, terá consequências, a começar pelo escrutínio que a mídia e seus pares farão da sua atitute, impensada e/ou mal aconselhada. Já começaram por descobrir que um filho do deputado seria funcionário fantasma. Pior, funcionário fantasma do Tribunal de Contas do Estado. Trata-se de algo muito sério.
O TCE tem sido rigoroso com os erros dos gestores municipais. Se um prefeito contrata uma pessoa sem as devidas formalidades, têm as contas rejeitadas. Como admitir que o próprio tribunal contrate uma assessoria de alguém que mora noutro estado e com atividades e formação oposta ao que se espera de um tribunal de contas? O Ministério Público Estadual, tão cioso, deixará passar "equívoco" de tamanha monta? Casa de ferreiro espeto de pau? O dinheiro será devolvido? Os responsáveis serão punidos?
Outras consequências dizem respeito ao próprio Maranhão. Será que conseguirá se manter no cargo de vice-presidente e Câmara, cargo que pertence ao partido? Será que conseguirá se manter no partido depois desta patuscada? Será que conseguirá se manter no mandato?
São perguntas relevantes. Não resta dúvida que o presidente extrapolou de suas funções regimentais; que desrespeitou o conjunto dos parlamentares e incorreu, certamente, em ofensa ao decoro.
A canetada intempestiva de Maranhão vai além de atingir a si próprio, pessoas e instituições já referidas, ela alcança, também, os consorciados na decisão, o advogado-geral Eduardo Cardozo, já visto com reservas pelo mundo jurídico e, principalmente, o governador Flávio Dino, que, ao menos em tese, conduz um "aliado" ao cadafalso político, isso, sem falar na sua própria biografia jurídica ao defender uma decisão tão despropositada. Ao que parece o ridículo de Maranhão, o deputado se estendeu ao próprio Maranhão, o estado.
Abdon Marinho é advogado.
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