AbdonMarinho - EU ACREDITO EM SONHOS.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sexta-​feira, 22 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

EU ACRED­ITO EM SONHOS.

EU ACRED­ITO EM SONHOS.

Se existe algo da qual me orgulho, é ter nascido e vivido boa parte da vida em um tempo menos veloz, menos, dig­amos, acel­er­ado. Um período, em que podíamos nos dedicar, sem cul­pas, à con­tem­plação da vida, da natureza, dos pequenos praz­eres, den­tre os quais, o prazer do ócio, do nada fazer, além de refle­tir, além de pen­sar na nossa razão de ser.

Algu­mas vezes alguém per­gun­tava: – O que estás fazendo? Respon­dia: – Nada, só pen­sando na vida (vez ou outra com­ple­tava, \«enquanto a morte está parida”); ou, estou lendo, um livro, uma revista, uma coletânea de poe­sia; ou, estou vindo música, viste o último LP do Roberto? Vistes aquela banda nova, RPM?

Uma vida sem tanta pressa.

Houve um tempo – nem tão dis­tante assim – que tín­hamos son­hos e não ambições pes­soais. Son­há­va­mos com um mundo mel­hor para toda humanidade e não com nosso próprio sucesso finan­ceiro ou fama. Quando muito, imag­iná­va­mos que podíamos ser um astro­nauta, um via­jante do espaço, um ben­feitor da humanidade como Vital Brasil ou Oswaldo Cruz, um inven­tor como San­tos Dumont, um escritor como Érico Verís­simo, Josué Mon­tello ou Jorge Amado, um poeta como Olavo Bilac, Mário Quin­tana ou Car­los Drum­mond de Andrade…

Nos fins de tardes, nas noites ou madru­gadas, falá­va­mos de história, geografia, política nacional e inter­na­cional; dis­cutíamos os aspec­tos da filosofia, da psi­colo­gia e da ecologia.

Eram tem­pos em podíamos ter relações mais inten­sas e menos intencionais.

Quando dizíamos fulano é meu amigo era porque em suas mãos poderíamos deposi­tar a nossa vida sem nada temer; podíamos com­par­til­har as inqui­etações mais pro­fun­das, as dúvi­das mais insondáveis.

Eram tem­pos, em que as amizades duravam bem mais que uma, duas, três ou qua­tro estações.

Ao escr­ever esse texto, faço esse breve ret­ro­specto, não como uma ode ao saudo­sismo, uma nos­tal­gia de tem­pos que não voltam. Faço-​o, ape­nas, para dizer que aquilo que me pro­ponho no título: Eu acred­ito em sonhos.

O mundo hoje roda em tal veloci­dade que ninguém mais tempo tempo para refle­tir ou con­tem­plar nada. Recebem uma infor­mação e não sabem o que fazer com ela. Dizem que se infor­mam, mas não pas­sam muito tempo e se per­gun­tam: “Onde foi mesmo que vi ou ouvi isso?” ou ficam encuba­dos: Acho que já ouvi/​vi isso em algum lugar\».

Numa com­para­ção tec­nológ­ica, as infor­mações (e não o con­hec­i­mento), ficam armazenadas na memória RAM e não no HD.

Querem uma prati­ci­dade de vida que beira a paranóia e à própria ausên­cia de vida.

As pes­soas têm tanta presa em acu­mu­lar for­tu­nas em viver o maior números emoções e sen­sações que chego a duvi­dar que, efe­ti­va­mente, vivam algo.

Será que viver é se entor­pecer todos os dias (todas as sem­anas) de álcool, dro­gas ou sexo fácil? Será que é com­prar todas as mar­cas de sucesso – ainda que devam o que não tem –, ape­nas para apare­cer bem na tribo? Será que é se pros­ti­tuir para fre­quen­tar todas as bal­adas da moda? Será que é essa busca alu­ci­nante por din­heiro ou fama sem se impor­tar com o próprio nome ou amor próprio?

Por vezes, fico com a impressão que vive­mos em mundo de zumbis. Um mundo em que as pes­soas não pen­sam mais na razão de seus atos, ape­nas seguem o roteiro pre­vi­a­mente definido por uma sociedade que desis­tiu de ideais, que val­oriza o TER e não o SER. Um mundo onde as relações, até as mais próx­i­mas, ati­tudes até mais pes­soais, são ditadas ape­nas por inter­esses e não por sen­ti­men­tos. Um mundo onde as pes­soas não relu­tam em destruir um “amigo\» ou alguém próx­imo, se isso lhe rep­re­sen­tar algum ganho.

Vejam que não são inter­esses nobres, são inter­esses cal­ca­dos no tripé: Sucesso, Fama, For­tuna. Um tripé que me faz temer pelo futuro da humanidade.

Con­fesso lamen­tar pelas pes­soas exces­si­va­mente práti­cas, que se orgul­ham de um racional­ismo fanático, que tril­ham um cam­inho de forma tão obsti­nada pelo que acred­ita ser a razão da vida que acabam por esque­cerem de viver.

Lamento pelos que nunca choraram ouvindo uma música ou lendo um livro de con­tos ou de poesias;

Lamento pelos nunca sen­ti­ram a emoção da sol­i­dariedade ao próximo;

Lamento pelos que perderam a capaci­dade de amar ou de sofrer uma perda;

Lamento pelos que nunca son­haram um sonho cole­tivo ou que se perderam na ânsia do sucesso indi­vid­ual, da fama efêmera ou do din­heiro fácil.

Lamento pelos não param para pen­sar, refle­tir sobre a vida ou para con­tem­plar o que temos de mais belo na natureza ou nos seres humanos, mas seguem, como autô­matos, rumo àquilo que acred­i­tam ser um objetivo;

Descon­fio daque­les que não pos­suem ideais e sim metas e que estas não sejam con­se­quên­cias lóg­i­cas ou nat­u­rais daqueles;

Descon­fio daque­les que não con­seguem e não vêm sen­tido em ler um bom livro e emocionar-​se com ele;

Descon­fio daque­les que perderam a capaci­dade de son­har com um mundo mel­hor; son­har e praticar gestos grandiosos em favor do próx­imo, e ten­ham, na sat­is­fação do irmão e com­pan­heiro, a sua própria sat­is­fação e engrandecimento.

Há muito tempo – muito tempo mesmo – li que somos a medida dos nos­sos son­hos. Me per­gunto, como é pos­sível viver­mos em um mundo em que as pes­soas perderam essa capaci­dade? Como é pos­sível viver sem son­hos? Sem ideais?

Viver sem emoção, sem sen­ti­men­tos, decerto que não é, efe­ti­va­mente, viver.

Vejo a tudo isso e reafirmo: Não con­sigo viver sem acred­i­tar que somos maiores que a super­fí­cie mostra, pois somos tudo aquilo que podemos e ousamos sonhar.

Eu acred­ito em sonhos.

Abdon Mar­inho é advogado.