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Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Sábado, 27 de Abril de 2024



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho


PREFEITOS, VEREADORES E CAUSOS DELICIOSOS.

Por Abdon C. Marinho*.

QUEM trabalha ou tem vivências pelo interior e se interessa pelos causos de nosso povo já deve ter tomado conhecimento de muitas histórias interessantes, sobretudo,  aquelas envolvendo as autoridades locais.

Prefeitos e vereadores, então, sempre dão motivos – e gostam disso –, para viverem “na boca do povo”. 

Na última viagem para a baixada com o amigo e contador Max Harley Passos Freitas revivermos alguns causos envolvendo situações presenciadas por nós e outras que apenas ficamos sabendo por terceiros. 

Essas lembranças me fizeram “puxar pela memória” outros causos e motivaram a escrever a nossa já tradicional crônica de domingo. 

Como se diz lá no sertão que o “nome é que faz o fuxico”, contaremos os “milagres” sem dar nomes aos “santos” – sei que é chato isso, mas espero que a leitura seja divertida. 

Um assessor entra no gabinete do prefeito, sem bater e sem pedir licença – bem no estilo daqueles assessores que acham que o prefeito lhe deve, eternamente a vitória nas urnas –, dizendo:

— Prefeito, prefeito, D. Fulana de tal “caiu de uma árvore” (um acidente grave qualquer, que não recordo), está toda quebrada e precisamos levá-la com urgência para São Luís.

O prefeito, naquele momento recebia uma equipe de um órgão de controle que iria fazer uma auditoria nas contas do município – estava na “moda” as tais auditorias e tudo que um prefeito temia era ser “azateado” para uma delas –, vira-se, e responde: 

— Não posso fazer nada, estamos sem qualquer dinheiro nas contas.

Um quarto de hora depois um outro assessor adentra na sala: 

— Prefeito é urgente, precisamos deslocar a D. Fulana!

O prefeito retruca: 

— Já disse que não tem dinheiro nas contas.

Não demora muito, o primeiro assessor retorna:

— Siô, é sério, a mulher vai morrer se não for “acudida”.

— Querem que faça o quê? Já disse que não temos dinheiro. Responde o prefeito.

Os auditores  que tudo assistiam, já preocupados com a morte eminente da cidadã, argumentam:

— Seu prefeito, não tem mesmo dinheiro algum para socorrer a senhora?

O prefeito responde: 

— A única conta que temos recursos é a conta do FUNDEF.

Um auditor olha para o outro e dizem, em uníssono:

— Seu prefeito, use o dinheiro do FUNDEF e salve a mulher. 

E assim foi feito, com o aval dos fiscalizadores. 

Certa vez fui chamado por um prefeito para acompanhar umas tratativas para eleição da mesa diretora da câmara.

Não tinha nada a fazer em tal articulação, mas como manda quem pode e obedece quem tem juízo, lá segui eu com meu “fiel escudeiro”, Afrânio, para o dito povoado distante alguns quilômetros da sede do município. Fiquei no alpendre com Afrânio enquanto o prefeito estava alojado em um quarto da casa recebendo um e outro vereador para as “tratativas” e fechar a chapa para mesa – esse é um hábito do interior do Maranhão, os assuntos mais sérios e sigilosos são tratados nos quartos de dormir. 

Entra vereador e sai vereador do quarto e nada de fecharem a chapa.

Já era a quarta ou quinta vez que o prefeito chamava uma vereadora para os “ajustes” no quarto, sem que chegassem a um entendimento.

No alpendre, eu e Afrânio só a ouvíamos “resmungar”: 

— Se ele me chamar novamente, não irei.

Quase meia hora reclamando que não iria, que o atenderia, quando escutamos a voz do prefeito:

— Fulana, corre aqui! 

E ela sem nem pedir licença, correu para o quarto para ter com o prefeito. 

Seu Afrânio olhou para mim e disse:

— Oxe, agora mesmo ela não disse que não iria?

Virei-me e disse:

— Ah, seu Afrânio, esses são os “mistérios” da política. 

O certo é que o prefeito conseguiu “fazer” a mesa da câmara. Mas pouco tempo depois os vereadores, não se sabe por qual motivo, se rebelaram contra ele e já estavam falando e cassação de mandato – me procurou. 

— Doutor, os vereadores estão querendo me cassar. Disse-me.

— É mesmo, prefeito. Devemos nos nos preocupar com isso.

Respondeu-me: 

— Não precisamos nos preocupar, pois além de terem razão, a vice-prefeita é de minha total confiança. 

Disse isso, batendo no peito do lado do coração: 

— A comadre Fulana é daqui, ô.

Dias depois descobrimos que a articulação para cassá-lo partira da proporia vice. 

A situação virou um bordão do escritório. Quando queremos nos referir a alguma situação de “trairagem”, dizemos: — a comadre Fulano é daqui, ô!

Voltando a falar no hábito das pessoas do interior fazerem seus negócios mais sérios nos quartos de dormir, certa fez fui chamado para fazer a defesa, em processo eleitoral de uma prefeita recém-eleita, acusada pelos adversários de compra de votos.

Fui conversar com ela:

— Mas a senhora deu alguma coisa, algum dinheiro, para alguém?

Ao que ela me respondeu com a sinceridade que se espera de todo cliente:

— Doutor, só fazemos política com dinheiro, aqui todo mundo pede tudo. Mas lhe garanto que nenhuma testemunha que coloquem no processo vão provar que dei qualquer coisa, pois o que dei a algum eleitor foi dentro do quarto e sem ninguém para ver. 

Ganhamos o processo. 

No terceiro ou quarto mandato dentro da mesma família, a acusação mais comum lançada contra o chefe político local era que ele havia constituído uma “oligarquia”.

Os adversários só dizia isso: era oligarquia pra lá, era oligarquia pra cá.

Certo dia um aliado político desse prefeito chegou pra ele e disse:

—Pois é, seu Fulano, esses adversários só ficam falando de oligarquia pra cá e pra lá, mas a “nossa” oligarquia é tão boa. 

Determinado prefeito acossando um empresário saiu-se com essa:

 — Muito bem meu amigo, fizemos aqui esse negócio, falta só a parte do vereador? 

O empresário virou-se para ele e indagou: 

–– Como assim, prefeito, do vereador?! 

Ao que ele respondeu, apontando para si: 

–– sim, do vereador. Prefeito não pede dinheiro, quem pede é vereador.

Certa vez o prefeito ia transitando com um grupo de vereadores no próprio carro, quando um dos edis, saiu-se com essa: 

–– sabe prefeito, acho que o senhor deveria destinar uma verba para recuperação dessa via, ela está muito ruim. 

O prefeito retrucou: 

–– É verdade, vereador fulano, mas se investir o recurso na estrada não terei como ajudá-los na eleição que se aproxima.

O autor da proposta então respondeu:

 –– Pensando bem prefeito, o senhor tem razão, a estrada assim, com esses buracos, ajuda a evitar acidentes. 

O certo é que a estrada nunca foi feita – até hoje. Acho que ajudar a reduzir as estatísticas de acidentes de trânsito. 

Um derradeiro causo envolvendo o mesmo público é de um prefeito que disse, certa vez:

 –– Uma das minhas primeiras medidas será dar um iPad para cada vereador. 

O interlocutor, sem entender, perguntou: 

–– Mas, por qual razão, prefeito? 

O prefeito, não perdeu a viagem: 

–– Ah, meu amigo, aí pede.

E caíram na gargalhada.

Assim caminha a humanidade. Qualquer coincidência com fatos vivenciados por alguns dos leitores é “mera semelhança”.

Abdon C. Marinho é advogado.