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Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Quinta-feira, 02 de Maio de 2024



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho

O BRASIL FLERTA COM A TREVA DIGITAL. 

FICAVA intrigado quando, no começo e meados dos anos noventa, nos filmes e séries estrangeiras, sobretudo, americanas, via aqueles jovens nos pátios de escolas, universidades ou, outros lugares públicos, com seus laptops ligados, mostrando algo para os outros ou, ainda, salas de aula com um computador em cada mesa.

Imaginava tratar-se de uma ficção científica. Algo para o futuro. Não compreendia que ali já eram computadores ligados à rede mundial e que muitos já se conectavam por Wi-Fi. E que os computadores já iam muito além de serem máquinas de escrever que salvavam textos. 

Naqueles dias já era uma pessoa tecnológica. Possuía um PC 486, com memória RAM de 8 MB, um legítimo Sangiorge (uma homenagem a técnico que o montara, Alfredo Sangiorge), antes disso já tivera um PC 286, com 4 MB de RAM, que achava o máximo, e me juntava dinheiro para comprar um laptop Toshiba, com configurações semelhantes. 

Apesar disso a internet era algo muito distante. Começar pela forma de acesso: discada e conexão caindo a todo momento. Os meus amigos, mais pacientes ou mais viciados já se comunicavam, nas madrugadas – quando se pagava apenas um pulso telefônico –, através de BBS – o ICQ surgiria um tempo depois. 

Só fomos ter contato com redes sociais, no começo ou meados dos anos 2000. Demorei a criar um conta no orkut. 

Faço essa retrospectiva para dizer o quanto o Brasil ainda se encontra atrasado no que se refere aos avanços tecnológicos e, principalmente, ao acesso que o os brasileiros, mais humildes têm a estes avanços. 

Aquilo que usamos hoje, computadores mais velozes, internet, e que já eram comuns noutros países, a partir dos anos oitenta e noventa, ainda não chega nem à metade da população brasileira. 

Estamos falando de quase 50 anos de atraso, se compararmos apenas com os Estados Unidos. Coreia do Sul, EUA, Europa, falam de internet com mais de 100 megabi's de velocidade. O Japão lançou recentemente uma banda larga com velocidade de 2 Gbps, que deve custar cerca de R$ 100 reais, menos que o valor que pago por uma internet móvel de 2 GB. São números tão diferentes dos nossos que não temos parâmetros para comparar. Pesquisas recentes dão contas que o Brasil está numa das piores posições em relação ao acesso à internet, a velocidade e ao preço. 

Para o nosso desgosto, soube que até a Venezuela, que sofre com a crise de desabastecimento, que está com racionamento de eletricidade, fica melhor posicionada no ranking que o Brasil. Trata-se de uma vergonha escancarada que deveriam constranger as autoridades. 

Em resumo: nossa internet é uma carroça que custa o valor de Ferrari e que nos deixa no prego na hora que precisamos.

Mas, ao que parece, não só não sentem constragimentos, como querem piorar a situação do país. Aqui se falar em limitar a banda e/ou aumentar seu valor – os poucos brasileiros que possuem banda livre e que já é cara, se comparamos com o resto do mundo. Estão loucos. 

A meta do Brasil deveria ser universalizar o acesso à internet, levando-a a todas as escolas, a todos os cidadãos. A proposta do governo para levar internet as escolas brasileiras é ridícula, é pré anos noventa. Querem colocar internet para atender uma escola com 256 KB, num acordo feito com as empresas de telefonia. Chego a duvidar se isso não é mais um esquema deste governo viciado em escândalos. 

Quando criamos as agências reguladoras imaginávamos que elas – como suas congêneres ao redor do mundo – fossem um sopro de inovação. O que temos visto no caso da específica para o setor de telecomunicações, Anatel, é que ela, ao que parece, está muito mais preocupada em garantir o lucro – já astronômico – das operadoras, que a qualidade do serviço prestado por elas aos consumidores. 

Os exemplos estão aí à disposição de todos. Os telefones não prestam. A telefonia celular está tão caótica que as pessoas começam a voltar a usar os telefones fixos. Mais de um amigo, quando ligam no meu celular, logo perguntam se tenho um fixo para onde passam ligar. O país está na contramão do desenvolvimento, até os velhos telefones fixos estão voltando a ser artigo de luxo.

Ouvi do próprio diretor da Anatel a brilhante ideia de se impor limites à banda, colocando franquias e obrigando os cidadãos a pagarem mais caro por ela ou terem o fornecimento suspenso. 

Trata-se, obviamente, de um retrocesso, uma loucura, capaz de aumentar o fosso do Brasil em relação aos países mais desenvolvidos. Enquanto o resto do mundo civilizado fala em aumentar a disponibilidade, melhorar o acesso, aumentar a velocidade, aqui estamos discutindo o inverso. 

Ao que parece, daqui a pouco vão ressuscitar as velhas leis de reserva de mercado, restringir as importações, etc. Se bem que, com a carga tributária que se paga por qualquer bom produto importado, já resta clara a restrição. Um iPad pró, que nos Estados Unidos, compramos por U$ 1,049 dólares, aqui custa mais de R$ 9 mil reais. Um iPhone último modelo que lá está sendo vendido por menos U$ 800 dólares, aqui custa quase R$ 5 mil reais. É por aí vai.

A última grande polêmica nacional foi o bloqueio do aplicativo WhatsApp por um juiz do Estado de Sergipe. E não foi a primeira vez. Viramos piada ao redor do mundo. Mais uma vez. 

Não duvido que o magistrado fez isso amparado pela lei. Acontece, que lei está errada. Não é razoável que se restrinja o direito de comunicação ou o acesso à informação aos cidadãos livres. Não só não é razoável, é um despropósito. Quer dizer que um cidadão qualquer é suspeito de cometer um delito e, por conta disso, toda a população do país será penalizada? Ora, tal tipo de absurdo não acontece – nesta escala de proporção – nem na Coreia da Norte, onde, por mais absurdo que seja, a pena passa da pessoa do condenado. 

O absurdo de se bloquear o acesso ao aplicativo aos mais de 100 milhões de brasileiros que se utilizam dele para trabalhar, manter contato com familiares, amigos, não encontra paralelo na história da humanidade. Um dirigente na Anatel, disse, tão somente, que achava desproporcional. 

Ora, a Anatel já deveria saber se a empresa poderia ou não repassar os dados solicitados pela justiça. Os órgãos da justiça já deveriam saber se não se trata ou não de violação da intimidade esse tipo de solicitação. Se a mesma fere ou não as garantias constitucionais. Temos certeza que fere.

O que não se podia era a punição coletiva aos milhões de brasileiros. Isso, temos certeza, não podiam fazer. Vou além, acho que os prejudicados devem ir a justiça buscar a reparação pelos prejuízos que tiveram.

Como, no Brasil, desgraça pouca é bobagem, estão falando em entregar o Ministério da Ciência e Teconologia a um partido umbilicalmente ligado a uma igreja evangélica. Daqui a pouco começarão a negar todos os avanços tecnológicos, voltarão a negar a Teoria da Evolução de Darwin, talvez revoguem a Lei da Gravidade. 

O Brasil, definitivamente, parece vocacionado a voltar a Era das Trevas. 

 

Abdon Marinho é advogado.