AbdonMarinho - UMA FÁBULA SERTANEJA NA ATUALIDADE.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 22 de Setem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

UMA FÁBULA SER­TANEJA NA ATUALIDADE.

UMA FÁBULA SER­TANEJA NA ATU­AL­I­DADE.

Por Abdon Marinho.

FOI quando menino em uma “boca de noite” enlu­arada, clara como um dia, o ver­dadeiro luar do sertão tão lin­da­mente can­tado e encan­tado, que – enquanto debul­há­va­mos o milho ou fei­jão, como sem­pre fazíamos no ter­reiro de casa sobre um encer­ado –, ouvi sobre a fábula ser­taneja do retorno – ainda sem tal nome.

Dizia tal fábula que um homem muito zan­gado levou o velho pai doente e alque­brado para que mor­resse em uma área deserta.

Chegando ao des­tino disse ao pai: — Pronto, velho! É aqui que você fica.

O velho já com vista cansada, virou-​se pra ele e pediu-​lhe: — Ô meu filho, não pode­rias levar-​me um pouco mais adi­ante, onde avis­ta­mos aquela árvore, próx­imo aquela rav­ina? O filho virou-​se para ele e perguntou-​lhe com voz zan­gada: —Por que queres ficar lá, velho? O pai, então, explicou-​lhe: — Lem­bro que foi lá, há muitos anos, que deixei meu pai.

Aquela foi a primeira vez que ouvi tal fábula. Eu, menino, emb­ora sem enten­der muito bem sobre a “moral da história”, ou seja, que col­he­mos aquilo que plan­ta­mos ou que existe uma tal “lei de retorno”, ape­nas achei a fábula triste e cruel.

Imag­ina, aban­donar o próprio pai para que morra, devo­rado por feras, com fome, sede, doente em meio a um deserto.

Com o pas­sar dos anos, já mais “talud­inho”, ouvindo a fábula out­ras vezes, acabei por enten­der mel­hor o seu real sig­nifi­cado.

Ainda hoje escuto-​a. Vez ou outra, o Dr. Wel­ger Freire, meu sócio e ser­tanejo como eu, só que de Paulo Ramos, repete a antiga fábula pelo escritório.

Coin­ci­den­te­mente enquanto pen­sava sobre isso e mudava os canais da tele­visão em uma tarde ociosa de sábado, deparei-​me com uma reprise da nov­ela “amor com amor se paga”.

Emb­ora para esta crônica o que inter­essa seja o título do fol­hetim, não lem­brava mais dele, muito emb­ora nunca tenha esque­cido do seu per­son­agem prin­ci­pal, o céle­bre Nonô Cor­reia, inesquecível inter­pre­tação de Ary Fon­toura e, acred­ito, destaque ímpar de sua exce­lente car­reira.

Pois bem, como dizia, por estes dias assaltou-​me a lem­brança daquela fábula ouvida na infância.

Con­forme já lhes disse – acred­ito, mais de uma vez –, quando con­heci o ex-​governador José Reinaldo ele tinha pelo atual gov­er­nador Flávio Dino o apreço e car­inho que só um pai muito zeloso tem por um filho.

Foi em 2006. Rompido como grupo Sar­ney, ele e sua família eram alvos con­stantes dos ataques de cunho pes­soal dos inte­grantes do grupo e dos seus xerim­ba­bos. Fomos chama­dos para apre­sen­tar uma pro­posta de hon­orários para cuidar de suas defe­sas e para acionar juridica­mente aque­les que ultra­pas­sas­sem os lim­ites da lei.

O encon­tro deu-​se na residên­cia de ver­aneio de São Mar­cos. Após tratar­mos da agenda que nos levou a ele, con­ver­samos um pouco sobre política que­ria saber nossa opinião sobre o quadro sucessório, as cam­pan­has de Jack­son Lago e de Edson Vidi­gal, que ele achava que iria para o segundo turno.

Já assen­tei, tam­bém, que naquele encon­tro o que mais me chamou a atenção foram os planos que ele rev­elou ter para o “filho” Flávio Dino.

Dizia: — Nes­tas eleições o Flávio se elege dep­utado fed­eral, na de 2010, a gov­er­nador, e depois quem sabe?

Os planos e propósi­tos, assim como a afeição pareceram-​me tão inusi­tadas (ou exager­adas) que ao sair do encon­tro, já no carro, comentei com o sócio que estava comigo: — O gov­er­nador está equiv­o­cado com este rapaz.

Veio a eleição e o prognós­tico de Zé Reinado só confirmou-​se em parte: quem foi para o segundo turno con­tra a can­di­data do grupo Sar­ney foi Jack­son Lago e não Vidi­gal, como imag­i­nava.

Em relação ao “filho” elege-​o com folga, muito emb­ora digam que fez tudo que podia (e tam­bém o que não podia) para alcançar tal resul­tado.

O resto é história.

Jack­son Lago der­ro­tou Roseana Sar­ney no segundo turno das eleições e foi cas­sado dois anos e qua­tro meses depois.

O ex-​governador José Reinaldo pode­ria, como fiz­eram tan­tos out­ros, ter renun­ci­ado ao gov­erno em 2006 para candidatar-​se ao Senado da República, preferiu ficar sem mandato para con­tribuir para uma mudança que acred­i­tava que ocor­re­ria no estado.

Já em 2007 pagou um preço alto por sua opção política ao ser preso e con­duzido a Brasília pela Polí­cia Fed­eral.

Um mandato de senador o teria “sal­vado” de tal con­strang­i­mento.

Em 2010 ao ten­tar eleger-​se senador pelo PSB, não teve êxito ficando na ter­ceira posição.

A condição de can­didato per­mi­tiu que ques­tionasse a reeleição de Roseana Sar­ney, quando os out­ros can­didatos majoritários achavam que estava tudo bem e não quis­eram dis­cu­tir em juízo todas as irreg­u­lar­i­dades e ile­gal­i­dades prat­i­cadas.

Em 2014, em nome da eleição do “filho” e pela unidade das forças políti­cas oposi­cionistas sequer ques­tio­nou que o can­didato ao Senado da República fosse outro, dis­putando e elegendo-​se dep­utado fed­eral.

Mesmo ten­tando con­tribuir com o gov­erno do “filho” e até pedindo des­cul­pas por dele dis­cor­dar num ou noutro momento, como no caso do impeach­ment da pres­i­dente Dilma Rouss­eff, o “ali­ado” e “pai” do gov­er­nador nunca teve o respeito ou con­sid­er­ação dos inte­grantes do gov­erno, que não pediam reser­vas ao destratá-​lo ou falar mal dele.

Em deter­mi­nado momento, inco­modado com aquilo escrevi um texto inti­t­u­lado “Respeitem o Zé”, onde mostrava toda a con­tribuição que deu para que chegassem ao poder.

Não sur­tiu qual­quer efeito, mesmo os xerim­ba­bos da mais baixa estirpe tin­ham “autor­iza­ção” para falar mal e destratar o “aliado”.

Ora, na minha casa não admito que se fale mal de amigo meu, muito menos de alguém com tanta história prestada, inclu­sive pes­soal­mente a minha pes­soa.

Esto­ico, Jose Reinaldo, nunca respon­deu, “cobrou” o que ou deu-​se por “sen­tido”. Per­maneceu aguardando o recon­hec­i­mento que nunca veio.

Tudo isso para dizer que em 2018, com duas vagas de senador a serem preenchi­das, tudo que o ex-​governador que­ria era con­tar com o apoio do “filho”. Afi­nal, já tin­ham doze anos que demon­strava car­inho, apreço e fidel­i­dade a ele.

Esperou, esperou, pediu, insis­tiu até a undécima hora pelo apoio que nunca veio ou recon­hec­i­mento que nunca tiveram.

Muito pelo con­trário, o “filho” por quem tanto fiz­era em 2006 e nas eleições sub­se­quentes, estava de braços dados e dedos entre­laça­dos com seus dois can­didatos, seus adver­sários. Pode­ria ter apoiado só um e deix­ado a outra vaga para o “pai” brigar por ela. Não, só servia se a eleição fosse com a chapa com­pleta.

Com orgulho ainda dizia, quem estiver comigo vota em fula e em bel­trano.

Em uma analo­gia e sem fazer qual­quer juízo de valor, José Reinaldo foi, em 2018, aquele “pai” da fábula ser­taneja deix­ado pelo próprio “filho” para pere­cer no deserto. E foi um deserto inclemente.

A sua falha, o seu delito? Talvez a sua con­tribuição para aque­les que teriam difi­cul­dades de chegar ao poder sem ele chegassem onde chegaram, inclu­sive aque­les que não pos­suíam votos para eleger-​se vereadores.

Com 82 anos de idade, engen­heiro de for­mação e com toda a sua vida ded­i­cada ao serviço público, onde foi dep­utado, min­istro de estado, vice-​governador e gov­er­nador, muito difer­ente de quase toda a classe política maran­hense (e brasileira), dele não se con­hece as fazen­das, as man­sões para residir ou de ver­aneio, os aviões, as emis­so­ras de tele­visão, as redes de pos­tos de com­bustíveis, os aparta­men­tos lux­u­osos, iates e tan­tas out­ras coisas.

Dele outro dia dis­seram, como se fosse um defeito e não mérito, que estava em uma casa de crédito ten­tando pegar ou pror­rogar algum emprés­timo.

Talvez por isso mesmo o “filho” tenha preferido fazer mais por out­ros, por out­ros dep­uta­dos, por out­ros senadores.

E como o mundo não gira, como diz um amigo meu, e sim, dá cam­bal­ho­tas, na fotografia política de 2022, o que vemos é o Flávio Dino, agora no papel de pai sendo deix­ado para atrav­es­sar o seu “deserto” ou nele pere­cer.

Vejam como a real­i­dade teima em arremedar a fábula ser­taneja.

Há qua­tro anos deix­ava para pere­cer no “deserto” o pai que tanto o aju­dara na política, inclu­sive fazendo-​o nascer pra ela, agora é ele que é deix­ado no “deserto” por aque­les por quem tanto fez.

A fotografia não deixa de ser irônica ao repro­duzir com tanta fidel­i­dade a fábula do meu sertão.

A sorte do atual “pai” é ser queix­ado onde deixara out­rora o seu pai, poderá con­tar com ele, mais uma vez, na trav­es­sia do deserto.

Qual será o des­fe­cho desta fábula ser­taneja da atualidade?

Abdon Mar­inho é advogado.