Desculpem, teremos que falar de sexo.
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- Criado: Domingo, 31 Outubro 2021 17:05
- Escrito por Abdon Marinho
DESCULPEM, TEREMOS QUE FALAR DE SEXO.
Por Abdon Marinho.
OPORTUNO que inicie este texto colocando um pedido de desculpas no título. E faço isso, por entender que assunto de tal jaez jamais deveria ser objeto de discussão, que se gaste “papel” ou “bytes” para tratar de um assunto que só diz respeito à vida privada, a intimidade das pessoas. Dito de outra forma, o sexo consensual entre as pessoas capazes não diz respeito a ninguém além dos cidadãos envolvidos, que podem levar uma vida pública ou longe dos olhos dos bisbilhoteiros.
Embora esta seja uma premissa de fácil compreensão, o que temos assistido ao longo dos séculos até à atualidade – quando todos deveriam cuidar das próprias vidas –, é uma preocupação injustificada com tema fomentando debates acalorados em diversos campos sociais.
Não faz muito tempo tratamos aqui, no texto “O Book Rosa do Maranhão”, do suposto “affair” envolvendo um suposto deputado e/ou a suposta utilização de uma suposta condição sexual para fins de chantagens políticas.
O assunto retorna a pauta por conta da repercussão nacional a uma postagem, em redes sociais, onde um jogador de vôlei criticava, a revelação de que o atual Superman, Joe Kent, é bissexual. O jogador de vôlei ironizou a informação divulgada pela DC Comics, que publica a HQ. «Ah, é só um desenho, não é nada demais. Vai nessa que vai ver onde vamos parar.»
A postagem do atleta causou (e causa) enorme alvoroço, a ponto dos patrocinadores ameaçarem retirar o patrocínio ao clube em que jogava e culminar com a sua demissão.
Por estas paragens, foi um senador da República, também, através das redes sociais, que polemizou ao criticar que um dos comerciais da Secretaria de Educação do Estado, pregando a voltas às aulas fosse estrelado por um adolescente influenciador digital transexual.
Instigado pelo combustível da política – ambos se identificam com as pautas do atual presidente da República –, os dois, o jogador e o senador, têm “sofrido” mais que “sovaco de aleijado”, e antes que o escrete politicamente correto venha para cima de mim, esclareço que posso fazer tal adjetivação por ser “aleijado”, logo, estou falando de mim.
O certo, meus amigos, é que essa pauta “tem rendido”. Vejam a que ponto chegamos, uma história em quadrinhos e um comercial no centro dos debates políticos.
A pergunta que não cala é: esse povo não tem nada mais importante para fazer?
O atleta do vôlei, apesar das críticas que tem recebido e até do revés financeiro sofrido, tem dito que mantém suas críticas pois fundadas em seus valores pessoais, encontrando entre diversos seguimentos sociais, mesmo entre aqueles que não o conhecia, defensores sob o argumento de que defendem a liberdade de expressão ou mesmo que o país viveria sob uma suposta “ditadura gay”.
Muito embora mantendo a crítica que fez ao fato do comercial estatal ter sido estrelado por um adolescente transexual, o senador apagou a postagem das redes sociais e fez uma nota onde se desculpava pela publicação anterior.
O senador, questionado por um blogue a respeito do assunto: “Não é uma crítica à opção sexual. Mantenho minha posição crítica em relação ao governo do Estado, ao tentar influenciar outras crianças com essa propaganda oficial. Você mesmo, ao chamar a criança de digital influencer, reconhece a capacidade dela de influenciar outras. Ora, se fosse uma propaganda da criança de batom, por exemplo, não teria nada demais. Mas, neste caso, seria privado. Portanto, volto a dizer, minha crítica política é única e exclusivamente ao governo”, disse.
Sem querer “passar pano”, vejo que ambas as publicações, estopins de toda a celeuma, muito embora distintas, têm uma raiz comum e partem de um pressuposto equivocado.
Ambos, jogador e senador, tratam a “situação sexual” das pessoas como “opção” e acham que essa opção pode ser “influenciada” por uma história em quadrinhos que apresenta o Joe Kent, filho nosso herói Clark Kent, como um jovem bissexual ou pelo fato de um dos comerciais públicos chamando para a voltas às aulas ser estrelado por um adolescente transexual.
Embora desnecessário, pelo menos para as pessoas com um mínimo de instrução, tais premissas são falsas. Noutras palavras, “viadagem” não pega.
Opção, ensina-nos os dicionários, é um substantivo feminino que significa “Ato, faculdade ou resultado de optar; livre escolha, preferência”. Quer um e exemplo? Fulano fez opção de nunca casar. Apenas para ficar no tema.
Não consta em nenhum estudo ou mesmo nas práticas da vida que, quanto à sexualidade, o cidadão ou cidadã tenha essa faculdade, possa optar, fazer essa livre escolha ou exercer esse direito de preferência.
Ora, desde que Kal-El chegou aqui vindo do planeta Krypton mandado por seu pai Jor-El, ante a iminência de explosão daquele planeta e foi adotado Jonathan Kent e Martha Kent e passou a chamar-se Clark Joseph Kent, em 1938 – já se vão 83 anos –, engatando pouco tempo depois uma relação e depois casamento com Lois Lane, que todos os super-heróis são “pegadores” sem que isso tenha impedido ou inspirado milhões de crianças e adolescentes homossexuais a virarem heterossexuais.
Nem mesmo uma legião de super-heróis e heroínas foram capazes de fazer isso. Nem o Fantasma, o Mandrake, o Aquaman, o Homem-Aranha ou mesmo o Batman – se bem que sempre pairou aquela dúvida em relação ao Robin, não é?
Mesmo que a condição sexual das pessoas fosse uma “opção” como a tratou o jogador e o senador, o risco de alguém se deixar “influenciar para virar gay” seria nulo ou próximo disso, pois raramente se encontra alguém que goste de sofrer diuturnamente preconceitos e discriminações.
O que encontramos, felizmente, cada vez mais frequente, são pessoas que resolveram viver suas vidas com altivez e dignidade sem se preocuparem com o que pensa os demais no seu entorno.
Seres humanos, não importando a idade, cor, raça, religião ou situação sexual, precisam de acolhimento, amor e respeito.
Quando vejo um jogador profissional, promissor ou de sucesso e um senador da República, bem como, os milhares ou milhões pessoas que comungam com o que pensam, se expressarem como fizeram não imagino que os motivam o ódio. Talvez até exista, mas acredito que são movidos por conceitos (ou preconceitos) que não têm lugar, nos nossos dias, na ciência ou nos princípios cristãos.
Uma história em quadrinhos ou um comercial, repito, por mais influentes que sejam seus protagonistas não têm o poder de modificar a sexualidade de ninguém, por outro lado, podem influenciar para que tenham respeito e tolerância com a diversidade, cada vez mais presentes em suas vidas.
Quando o senador diz: “Nada contra a opção sexual de alguém. Agora querer obrigar a aceitação desta opção de alguns como regra e apologia a prática homossexual isso não dá para aceitar!!!”, acredito que cometa um duplo equívoco (ou mais) primeiro, como dito, por achar que sexualidade é uma “opção” e, depois, por querer “obrigar” as pessoas que tem uma condição sexual distinta da sua a viverem na clandestinidade, trancados eternamente no armário do preconceito.
Ora, se tem comerciais estrelados por todo tipo de pessoas, por não um ou mais com uma pessoa transexual? Qual é o mal que isso pode causar? Ah, vai influenciar as crianças ou adolescentes a virarem gays. Me perdoem mas isso é loucura.
A jovem que protagoniza o comercial da Secretaria Estadual de Educação já possuía quase meio milhão de seguidores – acho que depois deste episódio consiga outros milhares. Vão proibir a internet – principal veículo de comunicação da juventude –, por conta da “má-influência” que ela possa causar nas crianças e adolescentes?
Acho que é a China – a ditadura comunista –, que ensaia algo neste sentido. Vão copiar?
Ah, a preocupação do senador é com o uso do dinheiro público numa propaganda oficial que vai “influenciar” outras crianças.
Ainda por este viés, não assiste razão ao nobre representante do estado.
O “dinheiro público”, quase sempre utilizado para engordar contas privadas de políticos, destina-se a promoção do bem comum, do desenvolvimento, da igualdade e fraternidade entre os cidadãos, isso implica que todos, e digo todos no seu sentido mais amplo, devem ser destinatários e agentes do que os recursos públicos podem promover.
Um comercial que um adolescente heterossexual poderia ser apenas “mais um”, ao ser protagonizado por um adolescente transexual significa para tantos outros milhares ou milhões ao redor do mundo que eles também “existem”.
Um derradeiro argumento quanto à falácia do uso do dinheiro público “para a promoção da homossexualidade” é que na hora de cobrar impostos os governantes não cobram conforme a “opção sexual” de cada um, mas, sim, de todos indistintamente, logo, se tem comerciais estrelados por heterossexuais por que não pelos demais?
Encerro, dizendo que o jogador e o senador acabaram fazendo uma opção pela tolice e “jogaram” a bola fora.
No mais, a vida é breve. Aproveitem como quiserem e puderem.
Abdon Marinho é advogado.