AbdonMarinho - O fenômeno Bolsonaro – Parte 2.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 22 de Setem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O fenô­meno Bol­sonaro – Parte 2.

O Fenô­meno Bol­sonaro – Parte 2.

Por Abdon Marinho.

AS MAN­I­FES­TAÇÕES pop­u­lares de 2013, além daque­las pau­tas especí­fi­cas con­tra o aumento de pas­sagens do trans­porte cole­tivo, con­tra a vio­lên­cia poli­cial, con­tra os megaeven­tos esportivos, etc., tin­ham com pano de fundo uma insat­is­fação cole­tiva con­tra a rep­re­sen­tação política, con­tra a cor­rupção, con­tra a impunidade.

Não podemos esque­cer que uma de suas con­se­quên­cias foi o arquiv­a­mento da PEC que lim­i­tava o poder de inves­ti­gação do Min­istério Público, o fim do voto secreto para cas­sação de mandato par­la­men­tar; lei anti­cor­rupção, que respon­s­abi­liza empre­sas por crimes con­tra a admin­is­tração pública; a lei que define orga­ni­za­ção crim­i­nosa e define as regras para a delação pre­mi­ada.

Com pau­tas bem semel­hantes estes mes­mos cidadãos foram às ruas nos anos seguintes em protestos a favor do impeach­ment da pres­i­dente Dilma Rousseff.

Se fiz­er­mos uma análise, as pes­soas que estiveram pre­sentes as man­i­fes­tações de 2013 e, depois, con­tra a cor­rupção, na defesa da Oper­ação Lava Jato, e favoráveis ao impeach­ment da ex-​presidente Dilma Rouss­eff, são, basi­ca­mente as mes­mas, ou, é certo, que as que estão indo as ruas hoje a favor do gov­erno do sen­hor Bol­sonaro, inte­graram aque­les movi­men­tos.

O que mudou foram as pau­tas.

Muitas daque­las pes­soas que gri­taram “fora Dilma”, “chega de cor­rupção”, e cla­mavam por mais democ­ra­cia, por mais transparên­cia, por respeito ao din­heiro do con­tribuinte, etc., estão indo as ruas por pau­tas com­patíveis com os anos 20, não de 2020, mais de 1920.

A triste real­i­dade do Brasil é que as pes­soas “embur­rece­ram”. A tal ponto de faz­erem a defesa de pau­tas com cem anos de atraso, cla­mando por ditadura, con­tra a ameaça comu­nista, tal qual fazia o movi­mento Facista, na Itália, o Nazismo, na Ale­manha e, aqui, um pouco mais adi­ante, o inte­gral­ismo.

Desde o iní­cio do atual gov­erno que assis­ti­mos o próprio pres­i­dente e seus “mili­ton­tos” flertarem com o autori­tarismo no Brasil, pre­garem o fechamento do Con­gresso Nacional, do Supremo Tri­bunal Fed­eral, a inter­venção nos esta­dos da fed­er­ação e out­ras pau­tas absur­das para os dias atu­ais, mas com­patíveis com o que ocor­ria nos anos vinte e trinta do século pas­sado.

O que não vemos mesmo são os protestos con­tra os des­man­dos, con­tra o desmonte dos instru­men­tos de com­bate à corrupção.

A situ­ação do país só não está pior, do ponto de vista insti­tu­cional porque as Forças Armadas têm resis­tido brava­mente em aventurar-​se pelos arrou­bos autoritários do pres­i­dente da República e do seu núcleo famil­iar e de ali­a­dos próx­i­mos – até quando?

Enquanto as Forças Armadas resistem, per­siste o avanço sobre os out­ros órgãos institucionais.

Um evento ocor­rido nos últi­mos dias aquilata bem essa situ­ação: uma oper­ação da Polí­cia Fed­eral con­tra crimes suposta­mente cometi­dos pelo min­istro anti-​meio ambi­ente do Brasil, sen­hor Ricardo Salles, ocor­reu sem o con­hec­i­mento do Min­istério Público.

Sabem a razão? O Min­istério Público Fed­eral, notada­mente, a Procuradoria-​Geral da República, deixou de ser con­fiável, tornou-​se um “puxad­inho” dos inter­esses do gov­erno.

Logo o nosso Min­istério Público Fed­eral que sem­pre esteve à frente das grandes causas nacionais deixou de ser “con­fiável” para saber, até, das oper­ações poli­ci­ais.

Isso, cer­ta­mente, não vai mais ocor­rer. O novo chefe da Polí­cia Fed­eral, em doc­u­mento ao Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, man­i­festa inter­esse em reti­rar a autono­mia dos del­e­ga­dos nos casos envol­vendo autori­dades.

A ideia do gov­erno que prom­e­teu acabar com a cor­rupção é que os del­e­ga­dos não ten­ham mais autono­mia para inves­ti­gar aque­las pes­soas com foro priv­i­le­giado, a turma do andar de cima, mag­istra­dos, dep­uta­dos, min­istros, senadores, etc.

Enten­deram que isso vai de encon­tro às pau­tas orig­inárias de com­bate à corrupção?

Isso não é a chamada inter­venção do gov­erno na Polí­cia Fed­eral que foi o estopim para a saída do ex-​juiz Sér­gio Moro do cargo de min­istro da justiça do gov­erno Bol­sonaro, cargo pelo qual deixou a mag­i­s­tratura com a promessa de que pode­ria com­bater a cor­rupção com “carta branca”?

Pois é, esta­mos vendo que as coisas não são como prom­e­teram que seria.

A Oper­ação Lava Jato foi sepul­tada com o con­sór­cio de todos.

O com­bate à cor­rupção tão prometida durante a cam­panha, sim­ples­mente é página virada da história.

Basta dizer que o gov­erno fed­eral hoje é coman­dado pelo cen­trão. Aquele mesmo agru­pa­mento que coman­dou a ban­dalha nos gov­er­nos ante­ri­ores e a quem, certa vez, referiu-​se o gen­eral Augusto Heleno, do Gabi­nete de Segu­rança Insti­tu­cional, da seguinte forma: “se gri­tar pega cen­trão, não fica um, meu irmão”.

O próprio pres­i­dente da República, não demora, será o político mais impor­tante fil­i­ado ao cen­trão, para sacra­men­tar o “casa­mento”. Já tem como con­sel­heiros, Walde­mar da Costa Neto (PL) e Roberto Jef­fer­son (PTB), ambos jul­ga­dos e con­de­na­dos por cor­rupção no chamado “men­salão do PT”, com direto a sentarem-​se na primeira fileira nas cer­imô­nias do governo.

A Polí­cia Fed­eral, aos pouco, vai per­dendo o seu papel insti­tu­cional para se tornar uma espé­cie de “polí­cia política”.

Os exem­p­los estão aí, outro dia tomamos con­hec­i­mento que o Min­istério da Justiça solic­i­tara aber­tura de inquérito poli­cial con­tra o sen­hor Guil­herme Bou­los, com base na Lei de Segu­rança Nacional — LSN, acusando-​o de ameaçar o pres­i­dente da República por ter escrito, ainda em 2019, após o sen­hor Bol­sonaro ter dito que seria a “Con­sti­tu­ição”, que Luís XIV, a quem se auto­ria da céle­bre frase: “L’État c’est moi», “O Estado sou eu”, teria “per­dido” à cabeça guil­hotina.

O min­istro da justiça jul­gou ser uma ameaça ao pres­i­dente da República, e man­dou a PF se ocu­par do caso.

Talvez – como exer­cí­cio men­tal –, tivesse sen­tido o tal inquérito se ignorân­cia fosse crime, uma vez que Luís XIV, mor­reu de causas nat­u­rais, quem mor­reu na guil­hotina foi o Luís XVI, o sen­hor Bou­los suposta­mente teria ameaçado o sen­hor Bol­sonaro com um fato inex­is­tente.

Acho que tanto ele (Bou­los) quanto o min­istro, inven­tor do inquérito, pode­riam retornar aos ban­cos das esco­las de ensino fun­da­men­tal para apren­derem um pouco de história.

Outro exem­plo do uso absurdo da PF, foi colocá-​la, tam­bém, por ordem do min­istro da justiça, con­tra um cidadão tocan­ti­nense que teria colo­cado um out­door em Pal­mas (TO), dizendo que o pres­i­dente não valia um “pequi roído”.

Por der­radeiro, o inquérito solic­i­tado pela FUNAI para inves­ti­gar… índios.

Ora, não fosse pelo uso político, claro e intim­i­datório da PF con­tra os opos­i­tores do pres­i­dente, diria que falta o que fazer a polí­cia, ao gov­erno e a todos que se ocu­pam ou coon­es­tam com tais absur­dos.

Isso sem con­tar com a perseguição sis­temática con­tra os jor­nal­is­tas e con­tra a liber­dade de expressão.

E pior, con­tra a própria democ­ra­cia e con­sti­tu­ição do país.

O pres­i­dente diz que o seu gov­erno sem­pre agiu (e age) den­tro da Constituição.

Mas, vejamos, as ameaças aos out­ros poderes e até a out­ros esta­dos aten­tam con­tra a Con­sti­tu­ição.

Outro dia o pres­i­dente, na ten­ta­tiva de ame­drontar o senador pres­i­dente da CPI da COVID, sug­eriu acabar com a Zona Franca de Man­aus, onde fica sua base política.

Isso atenta con­tra o livre fun­ciona­mento de um dos poderes con­sti­tuí­dos é crime pre­visto na própria Constituição.

Bem antes disso, o asses­sor de assun­tos inter­na­cionais da presidên­cia da República, foi fla­grado fazendo apolo­gia à suprema­cia branca, no próprio Con­gresso Nacional, e con­tinua lá como se nada tivesse acon­te­cido.

Não é pre­ciso dizer que o Brasil rege-​se pelo repú­dio ao racismo. Entre­tanto temos um asses­sor da presidên­cia “falando” para a sua tur­minha supremacista sem que nada lhe acon­teça.

Vejam que o gov­erno que prom­e­teu o fim da mamata criou, ao arrepio da Con­sti­tu­ição, o “duplo teto”, mecan­ismo pelo qual uma casta de servi­dores públi­cos poderão gan­har além do teto salar­ial esta­b­ele­cido – e fez isso através de por­taria.

Acred­ito que qual­quer pes­soa com um mín­imo de dis­cern­i­mento, não tenha como deixar de respon­s­abi­lizar o gov­erno fed­eral — e o próprio pres­i­dente da República – pelo mor­ticínio cau­sado por uma pan­demia que já ceifou quase meio mil­hão de vidas.

Em qual­quer outro lugar, com gov­er­nantes com brio, a tragé­dia em si já seria um motivo para renún­cia. Aqui, fogem da respon­s­abil­i­dade, mentem, apegam-​se ao poder como uma tábua de sal­vação aos crimes.

Não pre­cis­aríamos de uma CPI para apu­rar isso, basta um pouco de memória para recor­dar todas as vezes que o gov­erno sabotou o dis­tan­ci­a­mento social, as medi­das de iso­la­mento, que receitou trata­men­tos inefi­cazes, que foi neg­li­gente na com­pra de vaci­nas, etc.

Acred­ito que o único papel da CPI seja orga­ni­zar os fatos na linha do tempo. O resto está tudo aí, até porque o pres­i­dente e seu gov­erno con­tin­uam rescindindo nas mes­mas práti­cas.

O único fato grave que a CPI talvez tenha para descorti­nar seja a com­pro­vação de que as mortes ocor­ri­das em Man­aus, AM, por falta de oxigênio, tenha sido uma ação delib­er­ada do gov­erno para “tes­tar a tal imu­nidade de rebanho” e o uso da receita à base cloro­quina, já apon­tado pela comu­nidade cien­tí­fica inter­na­cional como inefi­caz para a COVID.

Com tudo isso, não se pode deixar de recon­hecer que o sen­hor Bol­sonaro é um fenô­meno, pois con­tinua arreg­i­men­tando para o seu lado (ou credo), uma infinidade de brasileiros, que, como disse, no texto ante­rior, pos­sui instrução for­mal, foram as ruas con­tra a cor­rupção, a favor da trans­fer­ên­cia, da ética, etc.

Estas mes­mas pes­soas que não vêem que as pau­tas foram tro­cadas. Onde lia quer­e­mos democ­ra­cia, agora é viva a ditadura ou “eu autor­izo”; onde se lia pelo fim da mamata, leia-​se: pelo duplo teto salar­ial; onde se lia abaixo a cor­rupção, leia-​se: viva o cen­trão; onde se lia PF con­tra os ban­di­dos, leia-​se: PF para perseguir adver­sários e longe da turma do andar de cima.

Como dito ante­ri­or­mente acred­ito, que este­jamos revivendo os históri­cos anos vinte/​trinta, com cem anos de atraso.

Abdon Mar­inho é advogado.