AbdonMarinho - Vida de gado
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 22 de Setem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Vida de gado

VIDA DE GADO.

Por Abdon Marinho.

SEM­ANA pas­sada escrevi dois tex­tos. Um dizia que o gov­erno Bol­sonaro acabara, no outro crit­i­cava a pos­tura do gov­erno estad­ual em pro­mover, sem amparo cien­tí­fico o “liberou geral” da econo­mia, sem con­sid­erar o alas­tra­mento da pan­demia pelo inte­rior do estado, a perda de mais de duas mil vidas, o número de óbitos diários acima da casa dos trinta, jus­ti­f­i­cando que não seria “tutor de ninguém e que cada um dev­e­ria cuidar de si”.

Aos dois tex­tos, as reações apaixon­adas típi­cas dos dias atu­ais.

Depois de tan­tos anos não dev­e­ria mais “dá trela”, como dizia lá no meu inte­rior, entre­tanto, não posso deixar de reg­is­trar a pro­funda con­tradição das falanges bol­sonar­is­tas ao recla­marem – com o mesmo dis­curso dos seus adver­sários –, de um texto, ao meu sen­tir, sereno que só passa a per­cepção do autor em relação ao gov­erno atual.

Os ataques desnecessários – porque não me con­vencerão do con­trário –, e con­tra­ditórios, pois falam como máx­ima democrática na liber­dade de expressão, incluindo a defesa da supressão da própria democ­ra­cia brasileira, como é o caso das man­i­fes­tações em defesa de um golpe mil­i­tar, do fechamento do Con­gresso Nacional e Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF (e por exten­são de toda a justiça); de atos insti­tu­cionais como AI-​5, que suprimiu as liber­dades indi­vid­u­ais dos cidadãos, e ao mesmo tempo são refratários à liber­dade de expressão quando esta é para criticar o gov­erno que defen­dem.

Quer dizer que a liber­dade de expressão que alberga até a defesa do fim da liber­dade não serve para que se defenda ideias difer­entes ou con­trárias às suas ideias?

Não, não acho razoável – e jamais acharei –, que em nome de uma suposta liber­dade se defenda a implan­tação de uma ditadura, o fechamento das insti­tu­ições próprias da democ­ra­cia ou se suprima as liber­dades indi­vid­u­ais.

Acho menos razoável, ainda, que um pres­i­dente da República incen­tive, direta ou indi­re­ta­mente, por ação ou omis­são, este tipo de movi­mento.

A tola con­ceitu­ação de que exis­tem “ditadura boa” é, aliás, o que os iguala mais, ainda, às ideias que dizem com­bater: o tal comu­nismo.

Colo­cam o “comu­nismo” como se este estivesse enfron­hado nas insti­tu­ições do país e perseguindo os novos “cav­aleiros” das liber­dades nacionais.

Os defen­sores do comu­nismo, a mil­itân­cia de base – pois os diri­gentes comu­nistas em todos lugares do mundo e em todos os tem­pos sem­pre quis­eram “se darem bem” –, foram for­jadas, tam­bém, no falso con­ceito de que as ditaduras comu­nistas “eram do bem”.

Para estes, a dire­ita cor­rupta e per­versa pas­sam os dias a tra­mar con­tra a classe tra­bal­hadora sendo necessário uma “ditadura do bem” para lib­er­tar o povo.

Assim, tam­bém, os foram out­ros dois movi­men­tos hedion­dos da história recente da humanidade: o fas­cismo e o nazismo. Este último quase con­seguindo o seu intento de impor uma ditadura em uma grande parte do globo ter­restre, mas, ainda cau­sando sofri­mento e mortes a mil­hões de pes­soas.

A história mostra que mil­hões de alemães “do bem”, defendiam e idol­a­travam os líderes nazis­tas e a sua ditadura “restau­radora”.

O mesmo acon­te­cendo com mil­hões de ital­ianos “do bem”.

Só foram perce­ber seus equívo­cos no final ou reta final da Segunda Guerra Mundial.

Os ver­dadeiros democ­ratas – por mais que os extrem­is­tas digam o con­trário –, são con­scientes que não existe ditadura boa, ou do bem.

Não bas­tassem os exem­p­los históri­cos, os tristes exem­p­los dos regimes autoritários que teimam em sobre­viver, estão aí para com­pro­var o que digo.

Os soluços autoritários, ven­ham de onde vierem, pre­cisam ser com­bat­i­dos no nasce­douro.

Foi isso que disse uma pesquisa recente da Folha de São Paulo, que apon­tou que quase oitenta por cento da pop­u­lação brasileira é con­tra a ditadura.

Nunca o índice dos que apoiam a democ­ra­cia, desde 1988, foi tão ele­vado, o que con­firma aquilo que já nos dizia Ulysses Guimarães por ocasião da pro­mul­gação da Con­sti­tu­ição: “o povo brasileiro tem ódio e nojo de ditadura”.

O recado não pode­ria ser mais claro e dev­e­ria nortear a con­duta do atual gov­erno. Ou seja, defender a democ­ra­cia é condição essen­cial para gov­ernar.

Noutra palavras, não sabe brin­car, não desce para o play.

Nada nos vale qual­quer sucesso ou “mila­gre econômico” como pre­gavam os mil­itares ainda durante a ditadura, sem o respeito às insti­tu­ições repub­li­canas e a democ­ra­cia.

O povo brasileiro não deseja e jamais vai defender uma ditadura, seja ela de “dire­ita” ou de “esquerda”, ainda que seus “mil­i­tantes” digam, dia após dia, que exis­tem ditaduras boas.

Desde sem­pre que a minha pauta é defesa da democ­ra­cia e dos seus val­ores; que me coloco con­tra o pés­simo hábito das lid­er­anças tratar o povo como gado, inca­paz de for­mu­lar seus próprios con­ceitos.

Faço isso a vida inteira. Já no movi­mento estu­dan­til, em mea­dos dos anos oitenta, com o surg­i­mento do pluri­par­tidarismo e as diver­sas cor­rentes defend­endo os regimes total­itários da esquerda ou da dire­ita me colo­cava con­tra.

O mesmo com­por­ta­mento durante o movi­mento uni­ver­sitário.

Já naque­les anos, mea­dos dos anos noventa e iní­cio dos anos dois mil, muito antes das redes soci­ais, já assumia pub­li­ca­mente min­has ideias e as exter­nava, nos fóruns de debates ou por out­ros meios.

Naquele tempo as “redes soci­ais” eram os pro­gra­mas matuti­nos de rádio.

Um dos mais req­ui­si­ta­dos era o do saudoso jor­nal­ista Roberto Fer­nan­des, na Rádio Edu­cadora Rural do Maran­hão, para lá, quase toda sem­ana, lig­ava para expor min­has posições sobre os temas políti­cos comu­nitários, crit­i­cava prefeito, gov­er­nador, dep­uta­dos, ministros.

Depois veio a par­tic­i­pação em pro­gra­mas de rádio e de tele­visão, através de entre­vis­tas.

Nunca me furtei a assumir minha posição ou de dizer o que pen­sava a respeito dos mais vari­a­dos temas ou governos.

Quando crit­i­cava os gov­er­nos do grupo Sar­ney, pelos adu­ladores destes, era chamado de esquerdista; quando crit­i­cava os gov­er­nos da esquerda, era chamado de dire­itista.

Nos últi­mos trinta anos tem sido assim.

Quando critico os gov­er­nos ditos de esquerda sou chamado de dire­itista; quando crítico os da dire­ita, sou chamado de esquerdista.

As crítica, geral­mente, partem das “bases”, daque­les que querem “mostrar serviço” ou adu­lar os chefes.

Os líderes, salvo uma ou outra exceção, sequer me con­hece, já a mil­itân­cia insana e des­ocu­pada, nem chega a ler ou a for­mu­lar uma con­vicção sobre qual­quer coisa, já lança os ataques pelo título do texto.

Com o advento da aces­si­bil­i­dade a comu­ni­cação social através das redes soci­ais, blogues, sites, resolvi escr­ever min­has ideias.

Fora os tex­tos que se perderam numa ou outra mudança de prove­dor, no meu site, hoje tem quase mil tex­tos, onde falo de tudo – e de todos.

Nunca tive medo ou a neces­si­dade de escon­der atrás do anon­i­mato.

Desde o tempo que lig­ava para as emis­so­ras de rádio até hoje sem­pre assumi min­has posições. Meus tex­tos, para que ninguém tenha dúvi­das quanto à auto­ria, assino-​os no iní­cio e no final. Não temo patrul­hamen­tos – nunca os temi.

Quando, no iní­cio, disse que nem dev­e­ria “dá trela” as tolices que muitos dizem nas redes soci­ais ou mesmo em comen­tários pri­va­dos, é porque isso vem de longe.

Mas, vez por outra, é impor­tante assen­tar algu­mas ver­dades bási­cas para que os mil­i­tantes, ao menos, ten­ham o tra­balho de fazer alguma pesquisa e apren­dam a sep­a­rar o joio do trigo.

Ah, o título do texto é só uma justa hom­e­nagem a uma linda música do grande can­tor brasileiro Zé Ramalho, nada a ver com a insanidade dos mil­i­tantes de lado a lado que pas­sam os dias se diglad­iando nas ruas, nas Redes Soci­ais e nos gru­pos de What­sApp.

Abdon Mar­inho é advo­gado.

Comen­tários

0 #1 Amélia 05-​07-​2020 21:34
Meu amigo, como sem­pre, muito sen­sato. Sábias palavras
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