AbdonMarinho - A JUSTIÇA DOS POBRES E A JUSTIÇA DOS RICOS.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Quinta-​feira, 16 de Maio de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A JUSTIÇA DOS POBRES E A JUSTIÇA DOS RICOS.

A JUSTIÇA DOS POBRES E A JUSTIÇA DOS RICOS.

Por Abdon Mar­inho.

EM MEA­DOS de 2018, durante uma de min­has via­gens pelo inte­rior, fui procu­rado por um amigo. Que­ria que inter­cedesse por uma família que fora presa pre­ven­ti­va­mente, em um con­flito agrário, acu­sada de ameaçar os inva­sores da terra. Alguns habeas cor­pus já tin­ham sido avi­a­dos, porém, ainda, sem êxito.

Ape­sar de não ser nossa área de atu­ação e pouca famil­iari­dade ter­mos com matéria penal, solicitei que um dos meus sócios fizesse um novo HC que iria falar com o desem­bar­gador. Assim foi feito e dias depois a família estava solta.

Pas­sou pouco mais de dois meses (no máx­imo três) quando fui nova­mente procu­rado com o mesmo assunto. A Justiça, nova­mente, dec­re­tara a prisão de inte­grantes da família sob a acusação de que eles estariam ameaçando os supos­tos inva­sores das ter­ras. Nova­mente tive­mos que per­cor­rer um longo cam­inho para con­seguir soltar os cidadãos pre­sos por ameaça. Vitória só obtida no Tri­bunal de Justiça através do voto da maio­ria dos mem­bros da Câmara Criminal.

O crime de ameaça de que trata o artigo 147 do Código Penal, objeto da prisão daque­les cidadãos, esta­b­elece pena de detenção de um a seis meses, ou multa.

Con­tado o tempo em pas­saram pre­sos – nas duas vezes –, cumpri­ram mais que a pena máx­ima esta­b­ele­cida no tipo penal.

Cumpre obser­var que cumpri­ram todo esse tempo de prisão sem serem ouvi­dos ou estado na pre­sença de um juiz de dire­ito, vez que não é obri­gatória, nas comar­cas do inte­rior, a chamada audiên­cia de custó­dia.

O Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, decidirá breve­mente sobre a con­sti­tu­cional­i­dade da prisão após o jul­ga­mento em segunda instân­cia.

Ainda, segundo dizem, o STF, escu­d­ado na inter­pre­tação lit­eral do inciso LVII do artigo 5º, da Con­sti­tu­ição Fed­eral, segundo o qual: “ninguém será con­sid­er­ado cul­pado até o trân­sito em jul­gado de sen­tença penal con­de­natória;”, vetará a prisão a par­tir da con­de­nação em segunda instância.

Segundo soube, os mais notórios crim­i­nosos do país já estão con­fir­mando pre­sença nas fes­tas de final de ano e em out­ras pre­vis­tas para o primeiro semes­tre do ano que vem.

Trata-​se, por óbvio de uma impor­tante decisão, fun­dada em tese jurídica rel­e­vante, afi­nal, se à Con­sti­tu­ição diz que ninguém pode ser con­sid­er­ado cul­pado até o trân­sito em jul­gado da sen­tença penal con­de­natória, em tese, ninguém pode­ria ser preso até que se esgo­tassem todos os recur­sos nas der­radeiras instân­cias da Justiça.

Doutri­nar­i­a­mente até con­cordo com tal entendi­mento, con­forme já expres­sei em escritos ante­ri­ores. Entre­tanto, após muito refle­tir sobre o tema, me pus a pen­sar se este foi o norte traçado pelo con­sti­tu­inte orig­inário.

Quando pro­mul­gada em out­ubro de 1988 o pres­i­dente da Assem­bleia Nacional Con­sti­tu­inte, Ulysses Guimarães, pon­tif­i­cou que aquela era uma Con­sti­tu­ição cidadã, des­ti­nada, por­tanto, a diminuir as imen­sas desigual­dades soci­ais exis­tentes no nosso país.

Nos últi­mos trinta e um anos, por diver­sas vezes, sendo a última em 2016, o Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, exceto pelo inter­valo exis­tente entre 2009 a 2016, enten­deu que o cumpri­mento da pena a par­tir da con­fir­mação do decreto con­de­natório na segunda instân­cia não ofend­e­ria à Con­sti­tu­ição cidadã.

Na última decisão sobre o tema, em 2016, tanto o min­istro Gilmar Mendes quanto o min­istro Dias Tof­foli assen­taram que o Brasil, com aquele entendi­mento, se aprox­i­mava do mundo civ­i­lizado, uma vez que quase a total­i­dade das nações ado­tam o cumpri­mento da pena a par­tir da primeira ou da segunda instân­cia.

Emb­ora ressal­vando as mel­hores das intenções que os min­istros do STF têm, chega a ser per­tur­bador que em tão pouco tempo mudem de opinião sobre um assunto tão sério e com mon­u­men­tal impacto sobre a vida dos cidadãos brasileiros, ainda mais quando se sabe que exis­tem moti­vações sub­al­ter­nas numa mudança de entendi­mento na pre­sente quadra: garan­tir a liber­dade dos poderosos que foram apan­hados no curso das inves­ti­gações da Oper­ação Lava Jato.

Olhando mais de perto, sabe­mos que essa é “missa encomen­dada” para soltar o ex-​presidente Lula e diver­sos out­ros crim­i­nosos de “colar­inho branco”, que ficarão fora do alcance da lei pelo resto de suas vidas. Como um recado para a pat­uleia de que o crime com­pensa e que quanto maior o crime maior a rec­om­pensa.

Nos últi­mos anos o STF, ao se ocu­par de out­ros assun­tos que não os per­ti­nentes à sua pauta precípua: a guarda da Con­sti­tu­ição, tem ficado a dever à sociedade. Agora, ao insi­s­tir (caso venha acon­te­cer) em se tornar casa revi­sora de ações penais, ficará devendo muito mais. Não ape­nas porque não dará conta de jul­gar os recur­sos crim­i­nais que por lá apor­tarão como, tam­bém, por negar à sociedade uma punição célere e justa aos malfeitores.

Os exem­p­los estão aí, ainda à vista de todos. Basta lem­brar o caso de Pimenta Neves que matou a namorada pub­li­ca­mente é só foi cumprir a pena após mais de uma década depois do crime, quando aos famil­iares da vítima – os que ainda estavam vivos –, sequer inter­es­sava mais. Ou caso do ex-​senador Luiz Estevão que ficou, igual­mente, mais de uma década impune após ser con­de­nado por fraudes e este­lion­atos diver­sos em todas as instân­cias da justiça e ficou poster­gando com dezenas de recur­sos.

E o que dizer do notório Paulo Maluf, que de tanto fazer malfeitos, até virou verbo, ainda na primeira metade dos anos oitenta, o verbo mal­u­far, e que só foi con­hecer as dependên­cias inter­nas de uma cela, e por curto período, no ano passado?

O Supremo, segundo a bolsa de apos­tas, tra­balha para trans­for­mar a impunidade em regra para aque­les que pud­erem pagar bons advo­ga­dos, inde­pen­dente de serem traf­i­cantes, latro­ci­das, cor­rup­tos, ladrões do din­heiro público.

Para estes as por­tas das cadeias serão giratórias.

Segundo dados do Con­selho Nacional de Justiça – CNJ, a pop­u­lação carcerária do país já pos­sui cerca de 730 mil pre­sos. Destes, quase a metade é com­posta de pre­sos pro­visórios, ou seja, de pre­sos que não foram jul­ga­dos ainda, cujo proces­sos se arras­tam por meses, por anos e, já tive­mos casos de, por décadas.

Como é pos­sível con­sid­erar ético ou moral­mente jus­ti­ficável que se man­tenha a prisão – até por anos –, de pes­soas que nunca foram jul­gadas ou con­de­nadas e que, até mesmo, nunca foram ouvi­das por um juiz, e man­dar soltar pre­sos que já foram jul­ga­dos e con­de­na­dos, por uma, duas, três ou mesmo qua­tro instân­cias – no caso dos diver­sos recur­sos exis­tentes no âmbito do STF?

A solução será soltar todos os encar­cer­a­dos cuja penas não ten­ham tran­si­tado e jul­gado? O que fazer com mil­hares de pre­sos pro­visórios?

Se é injusto que se mande à cadeia alguém que já foi con­de­nado por uma, duas, três, qua­tro instân­cias, mas que ainda não tenha ocor­rido o trân­sito em jul­gado, o que dizer da situ­ação daque­les que nunca foram jul­ga­dos uma única vez e estão encarcerados?

Alguma coisa está fora de ordem quando a justiça passa enten­der que uma prisão pro­visória garante mais a ordem pública que uma sen­tença con­de­natória.

Arrisco dizer que o STF poderá está con­duzindo o país àquela situ­ação em que o cidadão será com­pelido a fazer justiça com as próprias mãos.

Quem vai se con­for­mar e ter que ficar olhando para um cidadão que ceifou a vida de um filho, um irmão ou um par­ente seu por anos a fio enquanto não “tran­sita em jul­gado” todos recur­sos pos­síveis e imag­ináveis de serem ten­ta­dos? Quem vai se con­for­mar em ter que con­viver – ou em saber –, que os fascíno­ras que invadi­ram sua casa, lhe roubaram, estupraram sua filha e/​ou esposa ficarão soltos e rindo da sua cara? Como se man­ter pací­fico diante de uma justiça que obri­ga­to­ri­a­mente terá que tar­dar e quase sem­pre fal­har?

Não foi bem enten­dido o alerta que fez o gen­eral Vilas-​Boas sobre as con­se­quên­cias desas­trosas que poderão advir de uma decisão política do STF, pau­tada nos próprios inter­esses e sem aten­tar para a gravi­dade os des­do­bra­men­tos. O gen­eral não tem condições, sequer físi­cas, de ameaçar ninguém, como ten­taram fazer crer e como alguns idio­tas difundi­ram. Não vi o que disse, ou escreveu, como uma ameaça mas, sim, como um sen­ti­mento das ruas que já não tol­eram tanta impunidade e ban­dalha.

O que se desenha é uma justiça para os ricos e outra para os pobres?

Abdon Mar­inho é advo­gado.