AbdonMarinho - NINGUÉM ESCREVE AO CAPITÃO.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sexta-​feira, 22 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

NINGUÉM ESCREVE AO CAPITÃO.

NINGUÉM ESCREVE AO CAPITÃO.
TODOS que escrevem sabe: um texto datado é aquele que num certo prazo – curto até –, deixa de fazer sen­tido, as infor­mações que con­tinha foram sub­sti­tuí­das por out­ras mais novas. É o caso do ex-​deputado José Dirceu no atual momento.
Este texto é datado porque a veloci­dade dos escân­da­los no Brasil é tão voraz que amanhã ninguém mais falará das auguras do ex-​ministro José Dirceu que, por estes dias, rece­beu sua segunda con­de­nação no âmbito da Oper­ação Lava-​Jato, agora, mais onze anos de reclusão a somar-​se aos out­ros vinte e poucos, na mesma oper­ação.
Assim, já são mais de trinta anos de cadeia. Tudo leva a crer que out­ras con­de­nações virão. Tanto que algu­mas – pou­cas – vozes lig­adas ao seu par­tido acusam o juiz Sér­gio Moro, que pro­feriu o decreto con­de­natório, de vio­lar a Con­sti­tu­ição, pois aplica penas de caráter per­pé­tuo se for con­sid­er­ado que o con­de­nado já passa dos setenta anos.
Quando foi con­de­nado em 2012, pelo Supremo Tri­bunal Fed­eral, como arti­fi­cie do “Men­salão”, esquema que cor­rompia o Con­gresso Nacional em apoio ao gov­erno, e depois, quando foi lev­ado a prisão em 2013, ouvia-​se o bolorento dis­curso da mil­itân­cia política de que se tratava de um preso político, chegando (a mil­itân­cia) a acam­par em frente ao presí­dio da Papuda, em Brasilia, em sol­i­dariedade a ele.
Agora, salvo umas vozes iso­ladas, tratam o ex-​comandante-​em-​chefe do petismo com uma certa indifer­ença, como um nada, um zero à esquerda. Ninguém viu protestos – não como se viu no «men­salão» –, por conta de sua con­de­nação. Nem na primeira, nem na última e, provavel­mente, não ver­e­mos nas que virão.
Uma das vozes erguidas – não ape­nas a seu favor, mas de out­ros petis­tas –, foi a pres­i­dente do par­tido. O Sr. Fal­cão escreveu um texto defend­endo a sua soltura e dos demais, como Vac­cari, Palocci e out­ros, com um argu­mento curioso: invo­cando o prece­dente do STF que deter­mi­nou a soltura do ex-​goleiro do Fla­mengo, Bruno Fer­nan­des das Dores Souza, con­de­nado a mais de vinte anos como impli­cado no assas­si­nato de uma ex-​namorada e seque­stro de um filho, sob o argu­mento de que o goleiro, preso já há sete anos, não teve o decreto con­de­natório con­fir­mado pela instân­cia recur­sal com­pe­tente.
Guardadas as par­tic­u­lar­i­dades entre as situ­ações, como a natureza dos crimes cometi­dos, o tempo de enclausuro e, mesmo, as condições pes­soais dos con­de­na­dos, não deixa de ser curioso que se apele invo­cando o prece­dente do goleiro Bruno. Curioso, não estapafúr­dio.
Mas essa não é o objeto deste texto. É, sim, a solidão exper­i­men­tada pelo ex-​deputado e ex-​ministro em relação aos seus com­pan­heiros de par­tido. Salvo um mil­i­tante mais rad­i­cal, ninguém, como fiz­eram no processo do «men­salão», ousa dizer que sua prisão é política. Os que se arriscam a defendê-​lo – quase ninguém –, não trazem mais tal argu­men­tação.
O caso do ex-​deputado merece um estudo mais apro­fun­dado. Trata-​se de um líder estu­dan­til que esteve na linha de frente con­tra o Régime Mil­i­tar, implan­tado em 1964 e encer­rado em 1985. Nos anos de ditadura lid­erou o movi­mento estu­dan­til, foi preso exi­lado, voltou ao país de forma clan­des­tina e, com anis­tia política, em 1979, ini­ciou uma car­reira política de sucesso, orga­ni­zando seu par­tido, dom­i­nando, como ninguém, sua estru­tura interna, man­dando como ninguém – até mais que o ex-​presidente Lula –, exercendo com efi­ciên­cia suces­sivos mandatos par­la­mentares de dep­utado estad­ual e fed­eral. Mais que isso, era uma refer­ên­cia da oposição no par­la­mento brasileiro. Se Lula tinha o carisma, ele, Dirceu, tinha o domínio da artic­u­lação, da mídia. Desta última rece­bia infor­mações con­fi­den­ci­ais, fazia o dis­curso e fazia a notí­cia cir­cu­lar.
Sua ascendên­cia sobre os demais mem­bros do par­tido tornou-​se inques­tionável com a eleição de Lula em 2002. O min­istro chefe da Casa Civil, tornou-​se, na ver­dade, primeiro min­istro do Brasil. O Lula podia até fazer os acor­dos que fizesse, mas só tinha val­i­dade se chance­la­dos por Dirceu. Vai­doso, fez edi­tar um decreto (ou por­taria), colo­cando na leg­is­lação, a pre­cedên­cia de sua pasta sobre as demais. Podia e tinha as «costas largas» para fazer isso e muito mais.
O pres­i­dente não o desautor­izava em nada e ia além, reforçava o seu poder. Certa vez, inda­gado sobre o excesso de poder do chefe da Casa Civil, o pres­i­dente deixou claro o papel de mando do min­istro, numa metá­fora fute­bolís­tica, disse que o min­istério era um time o que o min­istro José Dirceu era o capitão do time.
Com uma história política tão irre­tocável e ded­i­cada a «causa», ninguém ousava ques­tionar o poder exer­cido pelo «primeiro-​ministro», era nat­ural. Não era nat­ural era a forma e os propósi­tos com os quais exer­ciam o poder alme­jado por décadas.
Na primeira opor­tu­nidade, já em 2003, uniram-​se ao que havia de pior na política nacional, aquela turma que fazem dos mandatos um tram­polim para a riqueza fácil. Deu no que deu e o então todo poderoso demitiu-​se da Casa Civil para sal­var o gov­erno. Na cer­imô­nia referiu-​se a suces­sora, a ex-​presidente Dilma Rouss­eff, como com­pan­heira de arma.
A saída, ainda daquela forma, foi uma mis­são par­tidária.
A prova mais con­tun­dente disso é que o ex-​ministro con­tin­uou a man­dando (e muito) no gov­erno depois o deixou. Mais que isso, livre das obri­gações do cargo, ini­ciou a mis­são de tornar-​se «rico» vendendo influên­cia no gov­erno e fazendo todo tipo de negó­cio.
Igualou-​se à velha classe política nacional, aquela que havia de pior e sem­pre tão crit­i­cada por ele e pelos seus antes da adoção do prag­ma­tismo extremo já tes­tado e que usaram para eleger o sen­hor Lula e para gov­ernar.
E isso só reforçava o poder que ale­gava ter e o ven­dia com efi­ciên­cia.
No curso do processo do “Men­salão» (AP 470), emb­ora todos soubessem que decisões mais graves – como a mon­tagem de tão sofisti­cado esquema de cor­rupção –, eram cole­giadas, fin­gi­ram ou acharam con­ve­niente, acred­i­tar que o ex-​ministro era o “capo”, o último na cadeia de comando, e que fez tudo a rev­elia do ex-​presidente Lula, que, iná­bil, descon­hecia tudo que se pas­sava no seu gov­erno, na sua base, den­tro do próprio Palá­cio do Planalto.
Dirceu, então, assumiu mais essa mis­são par­tidária, con­fi­ante na impunidade, tão rotineira no país, aceitou a sua sorte e, pas­mem, con­tin­uou lucrando.
Con­sta desta última sen­tença con­de­natória que, até mesmo, enquanto dava expe­di­ente no Com­plexo Pri­sional da Papuda, ele con­tin­u­ava a rece­ber sua parte nas propinas.
Os escân­da­los descober­tos depois do “men­salão”, mas que fun­cionaram con­comi­tante aquele e que se pro­lon­garam no tempo, já não tiveram mais o ex-​ministro numa mis­são par­tidária. A mis­são já era pes­soal: ficar “rico”. Daí o fato de já não com­por­tar à mil­itân­cia ficar dizendo tratar-​se de um pri­sioneiro político, um “guer­reiro do povo brasileiro” e vítima da tru­culên­cia dire­itista. Ou, ainda, repe­tirem a lorota de que seu jul­ga­mento pelo STF não fora válido pois não sub­metido ao duplo grau de juris­dição.
As con­de­nações de agora, emb­ora mais ásperas são de primeiro grau e sub­meti­das as demais instân­cias, como que­riam. Os crimes são de natureza comum, cor­rupção, lavagem de din­heiro, evasão de divisas, etc., nada que possa ser com­parado – ainda como des­culpa –, com crimes de natureza política ou mis­são política em nome da «causa».
Diante de fatos tão tristes cheg­amos à con­clusão que o sen­hor Dirceu sofreu retum­bantes der­ro­tas nas duas prin­ci­pais mis­sões de sua vida: a primeira, tornar-​se um líder político com poten­cial de assumir o maior cargo da nação. Este sonho esbar­rou no escân­dalo do men­salão que resul­tou em con­de­nação; a segunda, ficar rico. Não duvido que tenha con­seguido. Mas a que preço? O preço de ficar pri­vado da liber­dade no out­ono da vida. Terá valido a pena?
Em «O Nome da Rosa», de Umberto Eco, um dos per­son­agem é um monge cego que toma de conta da bib­lioteca da Aba­dia Medieval onde se passa a história. Seria uma hom­e­nagem ao grande escritor argentino Jorge Luís Borges, que sofria de cegueira pro­gres­siva.
Leio que o ex-​ministro José Dirceu é o respon­sável pela bib­lioteca do presí­dio de Pin­hais, onde cumpre pena. Nada mais ilus­tra­tivo. Esta­mos diante de alguém que o poder tornou cego e inca­paz de aquilatar os próprios atos e, por conta disso, exper­i­menta os piores pesade­los.
Abdon Mar­inho é advo­gado.