NINGUÉM ESCREVE AO CAPITÃO.
- Detalhes
- Criado: Quinta, 16 Março 2017 21:52
- Escrito por Abdon Marinho
NINGUÉM ESCREVE AO CAPITÃO.
TODOS que escrevem sabe: um texto datado é aquele que num certo prazo – curto até –, deixa de fazer sentido, as informações que continha foram substituídas por outras mais novas. É o caso do ex-deputado José Dirceu no atual momento.
Este texto é datado porque a velocidade dos escândalos no Brasil é tão voraz que amanhã ninguém mais falará das auguras do ex-ministro José Dirceu que, por estes dias, recebeu sua segunda condenação no âmbito da Operação Lava-Jato, agora, mais onze anos de reclusão a somar-se aos outros vinte e poucos, na mesma operação.
Assim, já são mais de trinta anos de cadeia. Tudo leva a crer que outras condenações virão. Tanto que algumas – poucas – vozes ligadas ao seu partido acusam o juiz Sérgio Moro, que proferiu o decreto condenatório, de violar a Constituição, pois aplica penas de caráter perpétuo se for considerado que o condenado já passa dos setenta anos.
Quando foi condenado em 2012, pelo Supremo Tribunal Federal, como artificie do “Mensalão”, esquema que corrompia o Congresso Nacional em apoio ao governo, e depois, quando foi levado a prisão em 2013, ouvia-se o bolorento discurso da militância política de que se tratava de um preso político, chegando (a militância) a acampar em frente ao presídio da Papuda, em Brasilia, em solidariedade a ele.
Agora, salvo umas vozes isoladas, tratam o ex-comandante-em-chefe do petismo com uma certa indiferença, como um nada, um zero à esquerda. Ninguém viu protestos – não como se viu no «mensalão» –, por conta de sua condenação. Nem na primeira, nem na última e, provavelmente, não veremos nas que virão.
Uma das vozes erguidas – não apenas a seu favor, mas de outros petistas –, foi a presidente do partido. O Sr. Falcão escreveu um texto defendendo a sua soltura e dos demais, como Vaccari, Palocci e outros, com um argumento curioso: invocando o precedente do STF que determinou a soltura do ex-goleiro do Flamengo, Bruno Fernandes das Dores Souza, condenado a mais de vinte anos como implicado no assassinato de uma ex-namorada e sequestro de um filho, sob o argumento de que o goleiro, preso já há sete anos, não teve o decreto condenatório confirmado pela instância recursal competente.
Guardadas as particularidades entre as situações, como a natureza dos crimes cometidos, o tempo de enclausuro e, mesmo, as condições pessoais dos condenados, não deixa de ser curioso que se apele invocando o precedente do goleiro Bruno. Curioso, não estapafúrdio.
Mas essa não é o objeto deste texto. É, sim, a solidão experimentada pelo ex-deputado e ex-ministro em relação aos seus companheiros de partido. Salvo um militante mais radical, ninguém, como fizeram no processo do «mensalão», ousa dizer que sua prisão é política. Os que se arriscam a defendê-lo – quase ninguém –, não trazem mais tal argumentação.
O caso do ex-deputado merece um estudo mais aprofundado. Trata-se de um líder estudantil que esteve na linha de frente contra o Régime Militar, implantado em 1964 e encerrado em 1985. Nos anos de ditadura liderou o movimento estudantil, foi preso exilado, voltou ao país de forma clandestina e, com anistia política, em 1979, iniciou uma carreira política de sucesso, organizando seu partido, dominando, como ninguém, sua estrutura interna, mandando como ninguém – até mais que o ex-presidente Lula –, exercendo com eficiência sucessivos mandatos parlamentares de deputado estadual e federal. Mais que isso, era uma referência da oposição no parlamento brasileiro. Se Lula tinha o carisma, ele, Dirceu, tinha o domínio da articulação, da mídia. Desta última recebia informações confidenciais, fazia o discurso e fazia a notícia circular.
Sua ascendência sobre os demais membros do partido tornou-se inquestionável com a eleição de Lula em 2002. O ministro chefe da Casa Civil, tornou-se, na verdade, primeiro ministro do Brasil. O Lula podia até fazer os acordos que fizesse, mas só tinha validade se chancelados por Dirceu. Vaidoso, fez editar um decreto (ou portaria), colocando na legislação, a precedência de sua pasta sobre as demais. Podia e tinha as «costas largas» para fazer isso e muito mais.
O presidente não o desautorizava em nada e ia além, reforçava o seu poder. Certa vez, indagado sobre o excesso de poder do chefe da Casa Civil, o presidente deixou claro o papel de mando do ministro, numa metáfora futebolística, disse que o ministério era um time o que o ministro José Dirceu era o capitão do time.
Com uma história política tão irretocável e dedicada a «causa», ninguém ousava questionar o poder exercido pelo «primeiro-ministro», era natural. Não era natural era a forma e os propósitos com os quais exerciam o poder almejado por décadas.
Na primeira oportunidade, já em 2003, uniram-se ao que havia de pior na política nacional, aquela turma que fazem dos mandatos um trampolim para a riqueza fácil. Deu no que deu e o então todo poderoso demitiu-se da Casa Civil para salvar o governo. Na cerimônia referiu-se a sucessora, a ex-presidente Dilma Rousseff, como companheira de arma.
A saída, ainda daquela forma, foi uma missão partidária.
A prova mais contundente disso é que o ex-ministro continuou a mandando (e muito) no governo depois o deixou. Mais que isso, livre das obrigações do cargo, iniciou a missão de tornar-se «rico» vendendo influência no governo e fazendo todo tipo de negócio.
Igualou-se à velha classe política nacional, aquela que havia de pior e sempre tão criticada por ele e pelos seus antes da adoção do pragmatismo extremo já testado e que usaram para eleger o senhor Lula e para governar.
E isso só reforçava o poder que alegava ter e o vendia com eficiência.
No curso do processo do “Mensalão» (AP 470), embora todos soubessem que decisões mais graves – como a montagem de tão sofisticado esquema de corrupção –, eram colegiadas, fingiram ou acharam conveniente, acreditar que o ex-ministro era o “capo”, o último na cadeia de comando, e que fez tudo a revelia do ex-presidente Lula, que, inábil, desconhecia tudo que se passava no seu governo, na sua base, dentro do próprio Palácio do Planalto.
Dirceu, então, assumiu mais essa missão partidária, confiante na impunidade, tão rotineira no país, aceitou a sua sorte e, pasmem, continuou lucrando.
Consta desta última sentença condenatória que, até mesmo, enquanto dava expediente no Complexo Prisional da Papuda, ele continuava a receber sua parte nas propinas.
Os escândalos descobertos depois do “mensalão”, mas que funcionaram concomitante aquele e que se prolongaram no tempo, já não tiveram mais o ex-ministro numa missão partidária. A missão já era pessoal: ficar “rico”. Daí o fato de já não comportar à militância ficar dizendo tratar-se de um prisioneiro político, um “guerreiro do povo brasileiro” e vítima da truculência direitista. Ou, ainda, repetirem a lorota de que seu julgamento pelo STF não fora válido pois não submetido ao duplo grau de jurisdição.
As condenações de agora, embora mais ásperas são de primeiro grau e submetidas as demais instâncias, como queriam. Os crimes são de natureza comum, corrupção, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, etc., nada que possa ser comparado – ainda como desculpa –, com crimes de natureza política ou missão política em nome da «causa».
Diante de fatos tão tristes chegamos à conclusão que o senhor Dirceu sofreu retumbantes derrotas nas duas principais missões de sua vida: a primeira, tornar-se um líder político com potencial de assumir o maior cargo da nação. Este sonho esbarrou no escândalo do mensalão que resultou em condenação; a segunda, ficar rico. Não duvido que tenha conseguido. Mas a que preço? O preço de ficar privado da liberdade no outono da vida. Terá valido a pena?
Em «O Nome da Rosa», de Umberto Eco, um dos personagem é um monge cego que toma de conta da biblioteca da Abadia Medieval onde se passa a história. Seria uma homenagem ao grande escritor argentino Jorge Luís Borges, que sofria de cegueira progressiva.
Leio que o ex-ministro José Dirceu é o responsável pela biblioteca do presídio de Pinhais, onde cumpre pena. Nada mais ilustrativo. Estamos diante de alguém que o poder tornou cego e incapaz de aquilatar os próprios atos e, por conta disso, experimenta os piores pesadelos.
Abdon Marinho é advogado.