O DESASTRE CIVILIZATÓRIO BRASILEIRO.
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- Criado: Sábado, 18 Fevereiro 2017 16:05
- Escrito por Abdon Marinho
O DESASTRE CIVILIZATÓRIO BRASILEIRO.
OUTRO DIA ouvi alguém dizer que Brasil é um país que envelheceu sem passar pela fase do amadurecimento. Referia-se, pois ao fato de não termos aproveitado a imensa população economicamente ativa para igualar-se a outras nações dos chamados países em desenvolvimento.
O Brasil, com tantas condições naturais favoráveis e, até, com uma população que poderíamos dizer «na medida certa», não saiu do lugar, tendo retrocedido em diversos setores. O país tem ficado para trás.
A India, uma nação com desafios bem maiores que os nossos, seja pelas imensas desigualdades, por uma cultura de castas, por uma enorme população, quase seis vezes a nossa, com problemas sérios para alimentar a todos, com base territorial menor e diversos problemas climáticos, não faz muito tempo bateu um recorde na corrida espacial ao colocar mais de uma centena de satélites em órbita simultaneamente, feito nunca alcançado pelas naturais «superpotências».
Não bastasse a crise moral e ética que tomou de conta do Brasil nos últimos anos, com quadrilhas incrustadas nos mais altos escalões da República, o ano de 2017, teve início com as barbáries nos presídios, com seres humanos aos quais o Estado tomou para si a responsabilidade de cuidar e proteger, sendo decapitados, esquartejados, exibidos como troféu pelos verdadeiros senhores dos presídios: os chefes das quadrilhas que dão as ordens lá dentro e aqui, do lado de fora.
E, haverão de dizer: — eram bandidos, não tinha nenhum inocente por lá, mereceram e merecem tudo que lhes aconteceu e acontece.
Pois é, mal se saiu da crise dos presídios tivemos outro esclarecedor exemplo do que é a sociedade brasileira. O exemplo nos chegou ao vivo e a cores vindo do estado do Espírito Santo. Lá, por conta do aquartelamento de policiais militares, assistiu-se a uma espécie de faroeste fora de época, com a população trancada por mais de uma semana dentro de casa, já sofrendo, além da privação da liberdade a privação de alimentos. Lazer, visitar amigos e parentes seria algo impensável, alguns que arriscaram acabaram por pagar com os bens e até com a vida. Vitória e outras cidades maiores viveram aquilo assistíamos no cinema, no século passado: tornaram-se cidades sem lei. E o pior ainda estava por vir. Quem poderia imaginar que, além dos marginais, os «cidadãos de bem» iriam aproveitar a ausência de policiamento para promover saques em lojas de roupas, joalherias, etc.?
A visão mais escancarada da incivilidade brasileira foi exibida em redes sociais e de televisão, para os resto do país é do mundo. Mas esse lado nefasto do brasileiro é mais comum que se possa imaginar. De norte a sul do país, basta um caminhão de mercadorias (seja o que for) ameaçar tombar para que «populares», «cidadãos de bem» avancem sobre a carga com gritos de «perdeu», «perdeu».
Que país é esse onde a população ao invés de indignar-se com roubos – mesmo naqueles –, com vítimas fatais, faz é achar normal?
Mas tem coisa bem pior. Os comerciais na televisão alertam, mas também é possível constatar no dia a dia a grave e criminosa exploração sexual de crianças. Dizem que são mais de 500 mil meninas e meninos explorados anualmente no país. Isso não ocorre apenas nos grandes centros. É sabido que ocorre em todos os lugares, mesmo nos menores municípios temos notícias deste tipo exploração. Esta semana, numa reunião da qual participei, o promotor da Comarca de Carutapera e Luís Domingues, pedia ao prefeito apoio para o enfrentamento desta questão neste último. Um município que tem pouco mais de 6 mil habitantes, onde todo mundo se conhece enfrentando problemas desta natureza. Até bem pouco tempo demorava-se décadas para que se registrasse um ato de violência.
Que tipo de sociedade faz vistas grossas ou admite a exploração de suas crianças?
Mas, se há algo pior que a exploração de crianças em si, esse algo pior é a exploração dar-se por patrocínio ou conivência ou incentivo dos pais ou de parentes próximos, aquelas pessoas que têm o dever ético e moral de protegê-las.
No Brasil de agora nada mais abstrato que os conceitos de paternidade ou maternidade. Os pais não querem e não sentem quaisquer responsabilidades por aqueles que trouxeram ao mundo.
O desastre civilizatório brasileiro, como temos visto, vai muito além da falta de educação, do furar a fila em tudo que é ambiente, do desrespeito aos idosos, crianças, deficientes, do estacionamento em locais proibidos, do parar em fila dupla, tripla, da tentativa de tirar vantagem em tudo, do oferecer ou solicitar «uma cervejinha» para se livrar de uma multa ou agilizar um documento numa repartição.
A sociedade brasileira é a cúmplice maior de todas as nossas mazelas. É ela que acha normal o político desonesto fazer fortuna roubando os cofres públicos, desde que este alcance lhe traga alguma vantagem de caráter pessoal. É isso que temos visto ao longo dos tempos. A cada eleição assistimos o quadro político se deteriorar. Candidamente milhões de eleitores fingem desconhecer o caráter dos seus representantes, suas folhas corridas, seus passados.
Se bem analisarmos, o brasileiro não vota mal. Ele vota nos seus iguais. Esse é nosso desastre maior.
Durante anos me iludi pensando que nosso maior problema fosse a educação. Não, não é. Nosso maior problema é a civilização – a falta dela.
Abdon Marinho é advogado.