BAIXARIA E REIS PACHECO.
Um assunto parece dominar a pauta da campanha eleitoral do Maranhão. Por onde se anda só se ouve falar em baixaria. Os próprios candidatos denunciam uns aos outros como autores das baixarias contra si, seus familiares e suas campanha. Cada um apontando para o adversário, dentro do roteiro, como se era de esperar. Como a população ainda não demonstrou muito interesse pela campanha, só toma conhecimento que está havendo a tal baixaria, pelas “vítimas”, que só informam que estão sendo atacados sem passar ao eleitor que “baixaria” foi essa. Isso me faz lembrar que em tempos pretéritos um jornal da cidade era dono de fazer essas coisas, responder a uma acusação por vias atravessadas, sem dizer ao que estava respondendo. Com relação a baixaria na campanha, acontece o mesmo, todos se dizem vítimas. Mas se há vítimas em todos os lados, os autores estão, também, de todos os lados e os protagonistas das campanhas parecem não perceber ou não querem agir para impedir. Deviam fazer algo.
Certa disso tudo é que a população, que até agora está recebendo os candidatos com certa frieza e indiferença, talvez passe a ignorá-los por completo, transformando o já visível desinteresse, em oposição ao pleito, um mero cumprimento de tabela.
A baixaria não é novidade, nem no Maranhão nem noutros lugares, apesar disso, soa estranho o que vem acontecendo nos dias atuais pois estamos falando de uma eleição para o governo do Estado. Não se trata de uma eleição de associação, sindicato ou ainda de um município perdido nos cafundós. Os candidatos, tampouco, são capiaus ou néscios, muito pelo contrário, são pessoas instruídas, se não me falha a memória, todos possuem curso superior – até mais de um –, são professores, inclusive universitários, ocupam ou ocuparam cargos relevantes, juiz, senador, todos bem nascidos, com educação vinda do berço, como bem dizia a minha velha e querida professora Margarida, nos meus bons tempos de primário.
Diante de tudo isso, me parece incompreensível que a campanha eleitoral – festa maior da democracia –, seja tomada por um clima de guerra, com insultos, com ataques pessoais à honra e às famílias dos postulantes.
Não digo com isso que se deva ignorar o passado dos candidatos. Pelo contrário, as contradições de cada um, a (in)competência e (in)consistência para cargo, o que já fizeram ou deixaram de fazer, seja na gestão de negócios públicos, seja na gestão de negócios privados, é matéria de interesse coletivo. A população tem o direito de ser lembrada ou relembrada sobre os fatos e episódios desde que verdadeiros. Isso não ofende a democracia, pelo contrário, a fortalece. Quem se propõe a entrar numa disputa eleitoral deve está preparado para ser confrontado com sua história de vida, os atos que já praticou, suas comissões e omissões. O peso de cada uma é decisão que pertence ao eleitor. Se o cidadão/eleitor, esclarecido sobre a história dos candidatos, ainda assim o escolhe, esse problema é dele e a consequência também, paciência. Esse é um direito do eleitor. O direito de errar.
O direto de ser informado sobre os candidatos caminha junto com o direito de conhecer as propostas deles para o cargo que disputam. Como cada um pretende fazer o que promete e que capacidade possui para fazer o prometido.
É necessário que se estabeleça o divisor do que é esclarecimento, do que é explorar os pontos fracos dos candidatos do que seja baixaria, o ataque de ordem pessoal, que em nada interferiria na função que exerceria o cidadão na eventualidade de ser eleito, o ataque a sua vida pessoal ou a vida de seus familiares.
Outro dia alguém disse que as baixarias de hoje em muito se assemelham ao caso “Reis Pacheco”. Um exagero. Nestes anos todos em que acompanho a política maranhense poucos episódios se assemelham aquele caso ocorrido nas eleições de 1994, em gravidade e em pessoas envolvidas.
O caso “Reis Pacheco” se deu às vésperas das eleições há 20 anos. Trata-se, ao menos até onde lembro, da maior farsa já montada na política. Os adversários do hoje senador Cafeteira criaram um roteiro para lhe atribuir um crime de homicídio, para isso não relutaram em cometer uma série de crimes, começando pela falsificação de documento público para criar um personagem fictício, um falso irmão do suposto morto, chamado Anacreto Reis Pacheco. Esse falso irmão denunciou no STF que o senador Cafeteira teria mandado matar seu irmão, no crime definido como denunciação caluniosa.
Como tudo começou? Em sua coluna semanal, se não me falha a memória, no domingo, 6 de novembro, o senador Sarney tratou de disseminar a patranha. No artigo “Liberdade e Reis Pacheco”, \"plantava\" a história que o senador Cafeteira teria mandado matar o cidadão Raimundo Reis Pacheco, funcionário da CVRD, que, num acidente de trânsito, teria matado seu sogro, o conselheiro Hilton Rodrigues. Já na segunda-feira, 07, a história ganhava o mundo, entrevistas em TV na região tocantina, panfletos, etc. Aos oposicionistas restava – nos dias que faltava para a eleição –, desmontar a farsa. Os deputados Aderson Lago e Juarez Medeiros (candidato a vice-governador) conseguiram localizar a mãe do suposto morto, que questionada, informou jamais ter parido um filho com o nome do denunciante ao STF. Em seguida, localizaram o “morto\" no Amapá que gravou um depoimento dizendo que a história do crime jamais existira, que ele estava vivo e em boa saúde. O programa eleitoral que deveria desmascarar a farsa não chegou a ser exibido em 40% (quarenta por cento) do Estado.
A precisão da ação demonstrou uma articulação com precisão cronometrada. Dia 6, o senador divulgou a mentira; dia 7 a noticia foi difundida por todo o estado; dia 8 o falso irmão do falso morto bate às portas do judiciário.
No Maranhão, naqueles idos, não havia internet, celulares e todos os demais meios que existem hoje. A comunicação era feita só por telefone fixo, onde havia, rádio e TV.
O resultado da eleição, dentre outros motivos, foi alterado por essa farsa, acredito na história política do Brasil, pouca coisa se aproximou disso em matéria de baixaria. Imagine a ousadia dos autores em falsificar documento público, constituir um advogado e levar uma falsa denúncia a instância máxima da justiça, contra o senador da República. Essa sim, uma baixaria para ninguém botar defeito.
Nos anais da Assembleia Legislativa consta o discurso do ex-deputado Juarez Medeiros em que ele narra todo o episódio ocorrido, foi seu penúltimo discurso como parlamentar. Nele uma clara exposição de todos os crime que se comete para conquistar o poder. O título escolhido para o discurso foi: “Sarney é marginal”. No dia que foi proferido Assembleia Legislativa, maioritariamente governista, calou-se para escutá-lo no grande expediente, durante todo o tempo, nenhum aparte, nenhuma contestação ao que era dito. Ninguém possuía um mísero argumento contra os fatos articulados.
O episódio conhecido como “Reis Pacheco” fez a história do Maranhão ser modificada – para o bem ou mal – pela baixaria perpetrada naquela eleição. A farsa e outros fatos mais, tiraram a vitória de Cafeteira. Muitos anos depois, soube que a apesar de tudo que fizeram, aquela eleição ainda foi vencida pela oposição, que ganhou mas não levou. A liberdade – slogan da campanha oposicionista –, perdeu para a fraude e a farsa. Não duvido façam algo semelhante nesta eleição, cabe a sociedade repudiar, de forma veemente, a fraude, o engodo ou a mentira, impedindo que, mais uma vez, se modifique a vontade popular.
Se cabe a sociedade ficar vigilante quanto aos abusos perpetrados, venham eles de onde vierem, cabe aos candidatos não permitirem que suas campanhas percam o norte das propostas e do convencimento leal aos eleitores.
Abdon Marinho é advogado.