JÁ CHEGA! NÃO É, BOLSONARO?
Por Abdon Marinho.
HAVIA prometido não falar sobre o senhor Bolsonaro, a menos, claro, que ele fizesse alguma coisa bem inusitada, como, por exemplo, chutar alguma mulher grávida na Praça dos Três Poderes, no sentido literal e com gravidade.
Assim deliberei, por entender que todo esse tumulto causado pelo presidente e que tem o condão de enfraquecer as posições do país, interna e externamente, não é fruto (apenas) da ignorância, é também um método.
Para ele não importa o quanto ridículo e descontrolado se mostre, o que importa é ficar na mídia, tornar-se um assunto incontornável nos veículos de comunicação.
Se alguém tinha alguma dúvida sobre a efetiva aplicação do dito popular “falem mal, mas falem de mim”, não tem mais.
Firme neste propósito foi que deixei de comentar, dias atrás, a live/escândalo em um presidente da República, sem qualquer filtro e com base em informações absolutamente falsas, afirmou que a vacina contra COVID causava ou facilitava a AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, na sigla em inglês).
Que espécie de imbecil, diante uma pandemia que já ceifou mais de 5 milhões de vidas no mundo, só no Brasil, mais de 600 mil, que tem na vacinação em massa a chance de controlar o vírus e devolver a vida dos cidadãos à normalidade, seria capaz de uma fala tão irresponsável?
O nosso país, os números estão aí para provar, é a prova mais eloquente que a vacinação é eficaz. Diminuímos o contágio e as mortes aos patamares mais baixos desde que a pandemia se alastrou no país.
A resposta para pergunta anterior é respondida pelo próprio presidente. No seu “passeio” pela Itália quando supostamente deveria participar do Encontro do G-20, segundo ele, deu um “pisão” no pé de Ângela Merkel, a chanceler alemã, quando ela virou pra olhar o autor da façanha, exclamou ao vê-lo: —só podia ser você!
Como em roda de bar de “pé sujo”, a maior autoridade do país, conta a única coisa de relevante que fez no encontro dos vinte países mais importantes do mundo – já que nem apareceu para a foto oficial no encontro –, “pisar” no pé de Ângela Merkel.
Pois bem, Merkel identificou o imbecil capaz de se vangloriar por pisar-lhe o pé e por espalhar de forma irresponsável que a vacina “causa” AIDS, sem qualquer respaldo técnico e com base em uma “fake news” promovida por grupos anti-vacinas ao redor do mundo, o “só podia ser você”, do qual se vangloriou, diz mais do que mil teses.
Só mesmo ele seria capaz de “atirar” contra a única coisa positiva que vem acontecendo no país, o sucesso na vacinação, com uma suspeição tão cruel.
A AIDS, apesar da eficácia no seu tratamento e das pessoas conseguirem conviver com ela por toda a vida, ainda é uma doença cheia de estigmas, que a acompanha desde o seu surgimento no início dos anos oitenta, de “peste gay à morte certa”.
Ao difundir que a vacina causaria AIDS um presidente da República, pelo efeito devastador que causa, pode impedir dezenas de milhares de pessoas de se imunizarem e perderem a vida por causa disso. Inclusive, pelo receio de contraírem a AIDS e atraírem todos os seus estigmas e preconceitos.
Felizmente, autoridades e cientistas do mundo inteiro correram para desmentir, mais uma vez, a patranha.
Mas, e pelos motivos ditos no início, tinha deixado “passar” esse absurdo, assim como não me animou falar sobre o “passeio” pela Itália e seus desdobramentos, desde a ausência de qualquer reunião bilateral importante até a agressão a diversos jornalistas no exercício profissional.
Quebro o “compromisso” diante da notícia que li em diversos veículos da imprensa dando conta que vinte e um cientistas condecorados com a Ordem do Mérito Científico pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) decidiram recusar a homenagem em uma ação coletiva.
A decisão dos cientistas, segundo os próprios afirmaram na carta-aberta, deu-se após o presidente, em decreto datado do dia 5 de novembro, haver cancelado a concessão da honraria a dois outros cientistas, também agraciados no primeiro decreto, Adele Benzaken e Marcus Lacerda.
Os motivos para os “desagraciamentos” foram essencialmente “bolsonaristas”: Lacerda foi um dos primeiros pesquisadores a demonstrar que cloroquina é ineficaz no tratamento contra a Covid-19. Já Benzaken desagradou o Palácio do Planalto após publicar uma cartilha destinada a homens trans, durante a época em que ocupava o cargo de diretora do departamento de HIV/Aids do Ministério da Saúde, conforme matéria da Revista Veja.
O decreto controvertido traz outras “bizarrices”, a começar pelo presidente da República se auto admitir na Ordem Nacional do Mérito Científico.
Nem sei se isso é legalmente previsto, mas, vamos combinar, que colocar Bolsonaro e ciência na mesma “página” não é algo razoável. Aliás, é algo tão despropositado que só encontra lugar na auto concessão.
Ninguém mais, além do próprio Bolsonaro, o acharia merecedor de ser incluído na tal Ordem do Mérito Científico, que acredito deveria ser destinada aos cientistas que efetivamente tenham serviços científicos prestados ao país e a humanidade.
Bolsonaro não apenas se acha merecedor, como se auto admitiu na Ordem diretamente na classe Grão-Cruz e como Grão-Mestre, vá ter autoestima elevada assim na casa do c…
O cara agora é grão-mestre da Ordem do Mérito Científico. É algo tão inusitado quanto as dezenas de títulos de “doutor honoris causa” que o ex-presidente Lula colecionou ao redor do mundo.
São casos típicos em que o “honrado” desmerece a honraria.
Certa vez um amigo vereador de São Luís, perguntou se não gostaria de receber o título de cidadão do município. Disse que não era merecedor. Na verdade, já haviam “fulanizado” tanto o título que embora me honrasse recebê-lo, preferi declinar.
Acho que os cientistas que renunciaram a honraria deveriam ter renunciado à mesma, não apenas pela exclusão dos dois colegas, mas, sobretudo, por não combinar que cientistas de verdade integrem a mesma ordem científica que o senhor Bolsonaro e, ainda mais, numa graduação inferior a dele, um notório inimigo da ciência que tem trabalhado com incomum dedicação para destruir todo o avanço científico que foi construído no país até aqui.
Bastaria que olhassem para as condições em que se encontram as suas instituições e universidades.
Chega a ser vergonhoso que só tenham renunciado a honraria concedida após a exclusão dos dois colegas.
Com o governo repleto de militares – muitos já sem qualquer brio –, fico imaginando como reagiriam se vissem um recruta ser alçado diretamente a patente de general. Certamente é como se sentem os cientistas de verdade ao verem integrar uma ordem científica pessoas como Jair Bolsonaro, Marcos Ponte, Carlos França, Paulo Guedes e Milton Ribeiro. Tudo gente boa e com vasta contribuição à ciência nacional.
Em meio a tantos outros absurdos, o presidente grão-mestre da ordem científica, parece apenas mais uma bizarrice da nossa republiqueta de bananas que nem mereceria que gastássemos nosso tempo com ela e se o faço é apenas para testemunhar o quão fundo já atingirmos no quesito da degradação moral.
O presidente se auto nomear Grão-mestre da Ordem do Mérito Científico do Brasil, acho que já chega, não é, Bolsonaro?
Abdon Marinho é advogado.
P.S. Após a divulgação do texto, diferente do consta no decreto da imagem, um amigo avisou-me o presidente já era o grão-mestre da tal ordem, por decreto de 2015. Ora, em sendo assim qual a necessidade de ser “admitido” como grão-mestre neste novo decreto? Além do mais, nos termos da Constituição Federal ninguém é obrigado a fazer algo senão em virtude da lei. Se não tem uma lei neste sentido ele poderia recusar a tal honraria e não pagar esse “mico”.