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Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Domingo, 24 de Novembro de 2024



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

MARCO ARCHER, A DIPLOMACIA E CHARLIE HEBDO.

Afora o estelionato eleitoral explicito da atual presidente da República que inicia o mandato fazendo exatamente o oposto do prometera na campanha (o que é visível e reconhecido até por seus aliados mais empedernidos), os fatos que mais motivaram debates, em todo mundo, neste começo de ano foram: o ataque terrorista à sede do jornal satírico Charlie Hebdo e a execução do traficante brasileiro Marco Archer pelo governo da Indonésia em cumprimento à sentença de pena capital imposta pela Justiça daquele país. 

Sobre o estelionato eleitoral que vitimou os eleitores brasileiros e que nos faz sofrer as consequências atualmente, nos ocuparemos num texto específico, agora trataremos dos dois outros fatos nos quais o Brasil revelou toda a sua insignificância no cenário político mundial.

Com relação a execução do traficante brasileiro – fato que divide as opiniões dos cidadãos: uns achando que a pena foi bem aplicada e outros se posicionando completamente avessos à pena de morte – a diplomacia passou ao mundo o retrato acabado do quanto é inábil no trato das questões deste jaez. Não digo que conseguisse comutar ou uma extradição do cidadão brasileiro (embora tenhamos notícias que a Australia conseguiu a extradição de dos seus cidadãos em condições semelhantes), entretanto ficou patente, segundo todos os especialistas que foram ouvidos, que o governo brasileiro agiu tarde e sem argumentos ou com a argumentação desfocada. Nem coloquemos aqui o telefonema patético de Dilma pedindo clemência, invocando sua condição de mãe e avó. Não creio que este seja motivação válida  para se desconstituir uma sentença proferida pela justiça de uma nação estrangeira soberana. 

No caso de Marco Archer o governo brasileiro passou onze anos sem acertar o tom de uma negociação. 

Vejam que aqui não discuto a justeza ou não da pena. Embora, com a mesma tranquilidade que desaprovo a pena de morte, por entender que em casos de erros não há como corrigir ou saber que nos lugares onde é aplicada não resolveu, como deveria, a causa a que se propôs, até pela leniência e desorganização do Estado em aplicá-la, entendo, também, que as penas brasileiras são um estimulo à criminalidade, um convite a delinquência.

O Estado brasileiro, agora, mais do que nunca, vestiu a carapuça da responsabilidade. O Estado entende que a sociedade que é a vítima maior do crime é a responsável pela violência. O que é, como todos sabemos, uma tolice. 

Parte da sociedade brasileira embarca na mesma proposta furada: de que todo crime é fruto e consequência do meio social em que vive o indivíduo, por isso mesmo, as penas devem ser leves e educativas. E que os bandidos, todos eles, são recuperáveis e devem ser acolhidos por suas vítimas. Essa visão equivocada faz com que a criminalidade só aumente, pois o criminoso não tem respeito pela autoridade estatal a que se submetem.

Isso faz com que, cada vez mais, o crime compense. O traficante Marco Archer ao arriscar-se a traficar drogas para a Indonésia, fez na certeza que não seria pego (noticia-se que fez fortuna com tráfico), caso fosse, iria livrar-se com a mesma facilidade com a qual se livram, todos os traficantes e demais criminosos no Brasil, com chance até de se tornar famoso.

Passou desapercebido, mas foi uma descompostura em regra passada na cara da presidente brasileira, a manifestação do chefe do Ministério Público daquele país, ao dizer que se devia respeitar as leis do seu país e que traficante, por lá, não vira celebridade.   

O fato é que o presidente indonésio, assim como o resto do mundo, não leva a sério o governo brasileiro por conta destas posições equivocadas, tanto no plano interno, e mais grave ainda, no externo. 

Não precisamos ir muito longe, basta dizer que faz menos de um ano que, em plena Assembleia Geral da ONU, a presidente do Brasil admoestava as nações ocidentais e cobrava que se buscasse um canal de dialogo com os terroristas do Exército Islâmico, enquanto estes se ocupavam da nobre tarefa de separar as cabeças de jornalistas de seus corpos e praticavam todo tipo de genocídio contra todos que não \"rezassem\" por sua cartilha, não importando se eram cristãos, curdos, muçulmanos, sunitas, xiitas e quaisquer outros ou que fossem mulheres, velhos ou crianças.

Com estas pessoas, em plena Assembleia Geral da ONU, o governo brasileiro, propôs um diálogo. 

Se o governo errou na condução do caso Marco Archer e do outro brasileiro que também se encontra no corredor da morte no mesmo país asiático pelo mesmo crime: tráfico de drogas, errou de forma mais acentuada no caso do ataque terrorista ao jornal Charlie Hebdo, ocorrido dias antes da execução. 

Vou além, digo que errou mais neste último caso porque neste, não precisava fazer muita coisa, não envolvia negociações bilaterais complexas, bastava que ficasse do lado certo, que protestasse com veemência contra o ato terrorista. 

A nota do governo brasileiro não captou o momento histórico de se afirmar favorável a um dos pilares sobre as quais se assenta a democracia ocidental que é a liberdade de imprensa e expressão. 

O governo brasileiro, ao contrário do que se espera, não deu e dar a devida importância a esses valores, tanto que o nosso país não se fez representar na Marcha de Paris contrária ao terror, por sua presidente ou mesmo o vice-presidente e sim por simples diplomata que ficou numa posição de pouco destaque. 

A presidente brasileira ou alguém com maior representatividade, preferiram ficar cuidando de assuntos domésticos, ao se mostrar junto com mais importantes líderes mundiais em repúdio ao atentado terrorista.

Embora não digam, a visão do governo e de parte da sociedade brasileira, inclusive daqueles mais inflamados contra a execução do traficante brasileiro Marco Archer, é de que os chargistas do Charlie Hebdo deram causa, foram os culpados, buscaram por suas mortes. 

Vejam como isso é contraditório: muitos que, com razão, se colocam contra a pena de morte de um traficante, acham que sátiras, charges e desenhos, devem ser punidos com a pena capital. 

Aprendi desde cedo que o bem mais valioso a ser protegido pelo Estado e pela sociedade é a vida. Assim, entendo só haver legitimidade para que se retire a vida de alguém na defesa de sua própria vida ou de outrem. Daí ser, por princípio, contrário a pena de morte. 

O ataque terrorista ao Charlie Hebdo foi uma afronta a toda a sociedade e aos seus princípios. O argumento, ainda que fajuto, de respeito à religião e fé alheia, não serve de justificativa para que se tire a vida de quem quer que seja. Éditos com sentenças de morte  com tais argumentos não podem ser aceitos com normais em pleno século vinte e um. 

O mesmo direito que assegura a qualquer professar a fé que quiser é o mesmo não  a obrigar qualquer cidadão a professar fé alguma ou a respeitar a fé a alheia. O sentimento religioso é íntimo entre o indivíduo e seu deus. E isso não obriga os que estão ao seu redor a respeitar esse deus ou seus pregadores, criadores ou profetas. Muito menos que saiam matando por conta disso.

Os Cristãos dos primeiros anos foram perseguidos por não adorar, respeitar ou curvar-se ante a miriade de deuses romanos; com a ascenção do cristianismo foi a vez destes perseguirem aqueles que não professavam sua fé. A humanidade evoluiu para garantir que cada um tenha direito a uma fé ou a nenhuma, sem ser molestado por isso. Essa é uma conquista secular. Se hoje acham-se no direito de matar por uma gravura, seja ela qual for, amanhã se acharão no direito de matar aqueles não professam sua fé, depois por suspeitar que alguém a desrespeitou e a seus seguidores, e por aí vai. 

Ao dizermos somos todos Charlie, estamos dizendo que aceitamos o retorno ao obscurantismo. 

Abdon Marinho é advogado.