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Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Segunda-feira, 25 de Novembro de 2024



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho

O BRASIL E A DEMOCRACIA SEM POVO. 

Logo depois do ciclo militar, dois velhos coronéis da política maranhense, acostumados com eleições no bico de pena, na carretilha, no mapismo e noutras modalidades eleitorais típicas do interior, se encontraram e passaram a discutir o quadro.

– É compadre, as coisas agora tão mais difíceis. Todo mundo tem direito, todo mundo questiona tudo. Só se fala agora nesta democracia.

– Pois é, meu compadre, as coisas não estão fáceis. Até que não reclamo, muito, da tal democracia. Até acho que ela é boa, só não é melhor por causa do povo. 

A situação acima – que talvez seja apenas mais uma do vasto arquivo de "causos" políticos do Maranhão –, cabe como uma luva para retratar o atual momento político brasileiro.

A democracia, tal como aprendemos na escola, vem do grego demokratia, e significa 

  1. Governo do povo; soberania popular; democratismo. 
  2. Doutrina ou regime político baseado nos princípios da soberania popular e da distribuição equitativa do poder, ou seja, regime de governo que se caracteriza, em essência, pela liberdade do ato eleitoral, pela divisão dos poderes e pelo controle da autoridade, i. e., dos poderes de decisão e de execução. (Definição do dicionário Aurélio)

Durante muitos anos os partidos esquerdistas, entidades sociais, artistas e intelectuais ditos progressistas, diziam falar em nome do povo, da democracia, do estado democrático de direito, nos direitos da população, da sociedade civil, etc.

Nos últimos tempos, ao que parece, há um divórcio se consumando. 

Estas pessoas já não falam mais em nome do povo. Isso temos claramente na representação política no Congresso Nacional. 

Na votação da PEC que trata da redução da maioridade penal – assunto que tratei num texto anterior –, deu para perceber o quanto as pautas da sociedade são distintas destes partidos e movimentos. Enquanto, quase noventa por cento da população, defende a redução da maioridade penal, temos as representações destes seguimentos defendendo o contrário. 

Pior do que defender é apontar para a sociedade (só noventa por cento da população) acusando-a de conservadora, reacionária, de direita, racista, ignorante e até homofóbica. Um amigo me falou de um texto publicado e que circula na internet, de um destes nossos sábios, dizendo que o povo não possui capacidade de discernir o que é bom ou ruim. E que apoiaria até pena de morte. Não li este de que falou, mas li outros que caminham no mesmo sentido.

E é este o ponto. 

Os outrora defensores ardorosos da democracia, agora pregando a democracia sem povo. Democracia onde, os supostamente sábios, decidam pela maioria da população, que seria ignorante para saber os males que lhe aflige. Não é por nada não, mas é justamente disso que reclamava um dos dos coronéis do nosso interior, na visão dos nossos progressistas, o que atrapalha a democracia é o povo. 

Estas pessoas – muitas até com biografias valiosas –, estão, tão desconectadas da realidade, que promovem o surgimento de pessoas que nem possuem uma história de vida elogiável, como é o caso do deputado Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados. O grosso da população brasileira está ao lado dele nesta questão da maioridade penal e contra os seus eleitos "progressistas". 

Caso esse apoio se estenda a outros aspectos, isso se dará pela falta de compreensão e leitura da realidade brasileira por parte destes partidos e movimentos, que preferem culpar o povo.

Na questão específica da maioridade penal, a população quase toda compreende que não tem justificativa para que criminosos menores não paguem por seus crimes. 

Isso acontece porque a população quase toda já foi vítima da violência praticada por estes menores criminosos. 

Não adianta nossos intelectuais apontarem para os programas sensacionalistas como responsáveis pelo apoio quase maciço da população ao endurecimento da legislação penal. 

Os programas que vivem da exploração do crime só os divulgam, não os comete. E só os divulgam porque crimes acontecem, numa velocidade tão grande que até nos confunde.

A população brasileira não é – diferente do que afirmam muitos dos nossos intelectuais –, reacionária, é apenas vítima diária de uma violência, para a qual os governantes não apresentaram uma proposta consistente que a resolva. O cansaço se estende aos supostos progressistas que estão no poder há doze anos e meio e que nada fizeram.

Há, por todo país, milhares de pais de família chorando a morte de seus filhos (pois essa é uma dor que nunca cessa), o estupro de suas filhas e mulheres, lamentando a perda de seus bens. 

A sociedade brasileira que passa quase seis meses do ano trabalhando só para pagar impostos – e apesar disso –,  não tem escolas que preste, a saúde mata os pacientes na fila, também não pode colocar os pés fora de casa pois é assaltada, violentada, morta. 

Os nossos intelectuais da redoma não se deram conta que todos os anos acontecem no Brasil mais de 50 mil homicídios, o mesmo número de estupros. Nem países em guerra mata-se tanto. 

As vítimas, a maioria jovens, eram filhos de alguém, irmão de alguém, esposa de alguém. As maiores vítimas são as pessoas que eles juram representar, pobres, mulheres, negros, jovens.

São números tão superlativos que dificilmente existe alguém que não tem uma história de violência sofrida, diretamente ou através de um parente. As vítimas são/eram pessoas de carne e osso, com familiares, amigos, deixaram uma lacuna,  não podem, não devem, serem tratadas como meras estatísticas. 

A sociedade brasileira é a maior vítima da falta de políticas públicas – apesar do muito que paga –, por conta disso está zangada, e com razão, com os seus supostos representantes, que sempre enxergam a vítima, no estuprador, no assassino, no ladrão, e não nos que foram, efetivamente, suas vítimas. 

Suas excelências precisam entender isso, ao invés de acusar a sociedade de conservadora, racista, intolerante. Sobretudo a sociedade brasileira que tem tido muita paciência com os seus governantes. 

Outra coisa que precisam entender é que, para que tenhamos uma democracia, é necessário termos povo. É necessário que este povo seja chamado a decidir o futuro do nosso país, por mais que isso pareça estranho para muitos. 

Em tempo. Vejo muitos destes nossos progressistas apoiando o fato da população grega ter decidido não plebiscito sobre o ajuste econômico. Entendem que foi uma boa decisão, democracia legitima, um não aos banqueiros internacionais e ao FMI. Estranhamente são os mesmos que acham que não devemos ouvir a população brasileira sobre seus temas cruciais.  

Será que democracia só boa na Grécia? Tempos estranhos.

Abdon Marinho é advogado.